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França/Brasil

Pesquisadores na França criam cineclube para discutir violência no Brasil

O cine clube Amarildo foi criado por pesquisadores brasileiros com o objetivo de exibir e debater filmes sobre a violência no Brasil para desfazer clichês que os franceses têm sobre o país. A primeira sessão aconteceu em janeiro de 2018, com a projeção de “Notícias de uma Guerra Particular” (1999), de João Moreira Salles e Kátia Lund. O segundo debate acontece nesta sexta-feira (16) com a projeção de “Sem Pena” (2014), de Eugenio Puppo.

Cartaz do filme Sem Pena (2014) de Eugenio Puppo, que será exibido nesta sexta-feira (16) em Paris.
Cartaz do filme Sem Pena (2014) de Eugenio Puppo, que será exibido nesta sexta-feira (16) em Paris. Reprodução: sempena.com.br
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Os idealizadores do cineclube integram o projeto franco-brasileiro “Passagens de Fronteiras e Cidades Seguras; Questões Históricas e Contemporâneas”, financiado pela Capes/Cofecub, e estão na França fazendo doutorado ou pós-doutorado. Nos seminários que participam no Centro de Pesquisas Sociológicas sobre o Direito e Instituições Penais perceberam que os colegas franceses tinham pouco conhecimento sobre a produção cinematográfica brasileira relacionada à violência. Essa imagem é dominada por sucessos como Cidade de Deus e Tropa de Elite. Esses longas mostram “uma periferia de filme de ação (…), como espaço simplesmente de violência, de confronto, de guerra. (…) Surgiu um incômodo e surgiu a ideia de fazer o cineclube com as discussões sobre violência nas periferias, crime organizado, tráfico de drogas, mercados ilícitos e a questão carcerária que estão tomando uma dimensão para lá de alarmante no Brasil”, conta o antropólogo Guilherme Mansur.

“As periferias brasileiras são muito mais complexas. O interesse é mostrar um pouco dessa complexidade para fugir de um arcabouço penal, de justiça criminal (…) que enxerga o mundo através de vítimas e bandidos”, explica o pesquisador especialista em migrações.

O grupo formado por cinco brasileiros conseguiu o apoio do Departamento de Ciências Sociais da prestigiosa Escola Normal Superior (ENS) de Paris, e o projeto foi lançado em 26 de janeiro. “Achei interessante apoiar a iniciativa que associa a apresentação de documentários brasileiros e a discussão sobre como trabalhos acadêmicos podem ajudar a entender a atualidade”, diz o professor da ENS e brasilianista Benoît de l’Estoile.

“Cadê o Amarildo?”

O nome do cineclube é revelador das intenções dos organizadores. Para quem não lembra, Amarildo Dias de Souza é o morador da Rocinha que desapareceu em 2013, após ter sido detido pela polícia que atuava na UPP da comunidade. Ele foi torturado até a morte, mas seu corpo nunca foi encontrado. O caso ganhou dimensão nacional com a campanha “cadê Amarildo” e se transformou em um símbolo da luta contra a violência policial no Brasil.

A primeira sessão em janeiro, com a exibição de “Notícias de uma Guerra Particular”, reuniu pouco mais de 20 pessoas, brasileiros e franceses. O debate foi acalourado: “apesar do filme ter quase 20 anos, esse debate ainda é muito atual. Estão matando gente todo o dia. Precisamos falar sobre isso! Por mais que estes conflitos não atinjam a classe média, ela também está implicada. A situação piorou, se transformou e se deslocou (…) Os conflitos urbanos dispararam no Nordeste”, relata a carioca Rosa Vieira, doutoranda em antropologia pela UFRJ.

Situação carcerária

Depois de debater a ação da polícia, a segunda sessão do cineclube Amarildo vai discutir a grave situação carcerária brasileira com a exibição de “Sem Pena”. O documentário de Eugenio Puppo se baseia na realidade de São Paulo, que tem 240 mil presos, isto é, cerca de 1/3 da população carcerária do Brasil. “As duas principais técnicas de controle e violência estatais no Brasil hoje são a polícia e a prisão. Nossas primeiras sessões se concentram nessa violência estatal, uma violência seletivamente direcionada contra a população marginalizada”, analisa o doutorando em sociologia pela USP, Ricardo Campello. A superpopulação criada pela política carcerária no Brasil só “produz mais violência. O que o sistema prisional paulista, por exemplo, conseguiu criar foi uma coisa chamada Primeiro Comando da Capital (PCC)”, adverte o paulista.

Mesmo se a França também prioriza o encarceramento como resposta à violência e tem suas prisões superlotadas, os franceses veem “esse quadro de violência no Brasil como uma violência exótica. Um exercício interessante é ver em que medida esse quadro brasileiro se conecta com o norte global (…) e quais as possíveis relações entre a realidade francesa e a brasileira”, acredita o sociólogo. Rosa Vieira completa ressaltando que “o circuito da droga coloca todos os continentes relacionados”.

Apesar do contexto político complicado e da impressão de que os problemas sociais e a violência voltaram a explodir ultimamente, os pesquisadores brasileiros entrevistados pela RFI lembram que nas periferias brasileiras as coisas nunca estiveram boas.

Ao todo, o cineclube Amarildo planeja cinco exibições de filmes brasileiros até maio deste ano. A próxima sessão, com a projeção de “Sem Pena”, acontece no dia 16 de fevereiro, às 17H, no anfiteatro da Escola Normal Superior, no 48, Boulervard Jourdan. “Branco Sai, Preto Fica” (2014), de Adirley Queirós, e “Batalha do Passinho (2013), de Emílio Domingos, serão exibidos respectivamente em março e abril. O documentário da última sessão em maio, que vai discutir o racismo, ainda não foi definido.

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