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Um pulo em Paris

Coletes amarelos voltam às ruas na França contra reforma da Previdência de Macron

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O ano de 2023 começou com a perspectiva de forte mobilização social na França pela insistência do presidente Emmanuel Macron em querer aprovar, até o mês de julho, uma reforma da Previdência destinada a aumentar a idade mínima de aposentadoria dos atuais 62 anos para 64 ou 65 anos.

Em uma manifestação contra a reforma da Previdência na Assembleia Nacional, em Paris, um manifestante escreveu em almofada com formato de coração que detestava o presidente Emmanuel Macron. Imagem de 20 de fevereiro de 2020.
Em uma manifestação contra a reforma da Previdência na Assembleia Nacional, em Paris, um manifestante escreveu em almofada com formato de coração que detestava o presidente Emmanuel Macron. Imagem de 20 de fevereiro de 2020. AP - Francois Mori
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Os detalhes do projeto de lei serão apresentados na semana que vem, no dia 10. Mas essa reforma impopular, rejeitada por dois terços da população, segundo uma pesquisa do instituto Ifop, e também por todas as organizações sindicais de trabalhadores do país, evidencia um desgaste importante de Macron perante a opinião pública e sinaliza meses de protestos pela frente.

Grupos de coletes amarelos retornam às ruas neste sábado (7) para protestar contra o projeto, o aumento dos custos da energia, dos combustíveis e da inflação, assim como a falta de votação parlamentar na aprovação do Orçamento de 2023. Motivos para reclamar não faltam, mas ninguém sabe se o movimento vai ganhar força como aconteceu em 2018, quando surgiu, motivado na época pelo aumento dos preços dos combustíveis. Há páginas do Facebook com chamados para passeatas em Paris e outras cidades francesas. Uma outra manifestação, da oposição de esquerda e de organizações estudantis, já está marcada para 21 de janeiro. 

A rejeição massiva dos franceses à reforma da Previdência tem múltiplas razões. As condições de vida estão mais difíceis com o retorno da inflação. Os salários estão achatados, a guerra na Ucrânia pesa no moral das pessoas, e os franceses têm notado no cotidiano uma deterioração dos serviços públicos.

Em dezembro, os ferroviários fizeram greve no fim de semana do Natal, faltam motoristas de ônibus e metroviários na região parisiense, os hospitais públicos enfrentam a pior crise em décadas, por falta de médicos e enfermeiros. Mas o principal argumento de resistência à reforma é a dificuldade de manter o emprego depois dos 55 anos. 

O próprio Ministério do Trabalho admite que só a metade das pessoas – 56% – na faixa etária de 55 a 64 anos permanece empregada na França, um percentual que nos países escandinavos chega a 90% nessas idades. A Alemanha também dá muito mais oportunidades de trabalho aos sêniores.

Na França, como historicamente as empresas empurram a pessoa à demissão ou mandam embora na última década da carreira, e elas não encontram mais emprego, mesmo tendo contribuído durante anos para o sistema previdenciário, muitos aposentados vivem com pensões de baixo valor.

Para contornar a situação, o ministro do Trabalho, Olivier Dussopt, cogitou criar um "índex" para obrigar as empresas a publicar anualmente o número de pessoas que mantêm empregadas com mais de 55 anos. Na avaliação da opinião pública, soou como conversa para boi dormir.

Por que trabalhar mais?

O governo diz aos franceses que eles precisam trabalhar por mais tempo para preservar a universalidade do sistema e torná-lo mais justo. Ainda mais em um contexto em que muitos países europeus já aumentaram a idade mínima das aposentadorias para 65 ou até 68 anos.

Na proposta, que muitos apontam como ideológica e não técnica, o Executivo promete garantir uma pensão mínima de aposentadoria de € 1.200, que hoje corresponde a 85% do salário mínimo. Isto dá uma ideia do quanto as pensões podem ser minoradas, uma vez que elas sequer alcançam o valor do salário mínimo em vigor. 

Governo tenta convencer com apelo a mulheres

As autoridades também alegam que a reforma é essencial para fazer justiça às mulheres, que não teriam mais o tempo de licenças usadas para cuidar dos filhos descontadas do tempo de contribuição. Mas especialistas dizem que a maior injustiça, que a reforma não corrige, é que as pensões pagas às mulheres são 40% inferiores às dos homens, por causa da desigualdade salarial crônica ao longo da carreira. 

Outro fator de resistência é que já existe uma reforma recente, que entrou em vigor em 2020, aumentando gradualmente o tempo de contribuição para que uma pessoa tenha direito à pensão integral. O calendário de aplicação dessa reforma, aprovada durante a presidência do socialista François Hollande, em 2014, já obriga quem está atualmente no mercado a trabalhar até 65-67 anos se quiser obter o benefício da pensão integral. Em 2035, serão exigidos 43 anos de tempo mínimo de contribuição. 

Intenso debate na mídia

Durante as negociações, que foram conduzidas pela primeira-ministra Élisabeth Borne, as centrais sindicais tentaram garantir a continuidade de vantagens para quem começou a trabalhar cedo, antes dos 20 anos, e de 15 categorias que beneficiam de regimes especiais de aposentadoria. O projeto de Macron acaba com os regimes especiais, mas promete levar em conta as carreiras longas e manter vantagens para alguns critérios de periculosidade. Professores e trabalhadores do setor nuclear perderiam benefícios. 

Neste momento, há intenso debate na mídia e na sociedade sobre a necessidade ou não de se fazer esta reforma. Muitos especialistas dizem que bastava aumentar ligeiramente a contribuição previdenciária para todos, algo em torno de € 4 por mês, que o risco de déficit e desequilíbrio das contas estaria resolvido. 

Macron aposta em vencer pelo cansaço, contando que os trabalhadores, com a alta do custo de vida, não poderão abrir mão de vários dias de salário para fazer greve. Para o presidente, o que está em jogo é sua imagem de reformador e este é o trunfo político que ele quer deixar como legado no final de dois mandatos.

O governo não tem mais maioria absoluta no Parlamento, então depende da oposição para aprovar a reforma. O partido da direita republicana (LR) sempre defendeu o aumento da idade mínima da aposentadoria para 65 anos em seu programa, e provavelmente votará junto com o governo. Mas vários deputados conservadores já disseram que aumentar de 62 para 64 anos pode ser a proposta que não esticaria demais a corda e poderia vingar no Parlamento. 

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