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Ativista e feminista baiana Maria Brandão dos Reis inspira romance histórico publicado na França

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A editora, tradutora e escritora Paula Anacaona acaba de lançar na França o romance histórico "Maria Brandão, nos pas viennent de loin" (Maria Brandão, nossos passos vêm de longe, em português). O livro, publicado na coleção Terra da editora que leva seu nome, especializada em literatura brasileira, é o terceiro volume de uma trilogia dedicada a heroínas negras da América Latina. 

Paula Anacaona, autora de "Maria Brandão, nos pas viennent de loin", romance histórico e biográfico sobre a baiana Maria Brandão dos Reis.
Paula Anacaona, autora de "Maria Brandão, nos pas viennent de loin", romance histórico e biográfico sobre a baiana Maria Brandão dos Reis. © RFI
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Neste romance, Paula retraça a vida de Maria Brandão dos Reis, uma sertaneja nascida em 1900, em Rio de Contas, na Chapada Diamantina (BA), que teve a vida transformada pela passagem da Coluna Prestes em sua cidade. O movimento político-militar desencadeou sua mudança para Salvador, onde tornou-se, nos anos 1950, uma ativista política e feminista histórica do Partido Comunista Brasileiro (PCB).

Esta mulher negra, bisneta de escravos pelo lado materno e filha de um português mestiço, chegou a conquistar um prêmio por ter sido a mulher que mais arrecadou, no mundo, assinaturas em favor da paz, em uma campanha promovida pelo PCB, mas foi "esquecida" da memória oficial dos movimentos feminista e comunista, explica Paula Anacaona em entrevista à RFI

A pesquisa para tirar Maria Brandão da invisibilidade levou a autora ao interior da Bahia. "Eu atribuo esse esquecimento ao machismo da sociedade brasileira e ao racismo também, porque realmente vi, nas entrelinhas dos jornais do Partido Comunista e do jornal Momento Feminino, que Maria Brandão tinha um papel muito importante em Salvador. Ela ia tocar nas portas, tinha um papel na comunidade, mas, apesar disso, eu achei poucos rastros dela na memória oficial", conta a autora. "Eu acho que o fato dela ser negra, de ser migrante sertaneja não ajudou. Esses dois movimentos preferiam pessoas burguesas, especialmente o movimento feminista na época, que era um movimento muito burguês", analisa a escritora.

Para reconstruir a trajetória da baiana, Anacaona diz ter feito "uma verdadeira caça ao tesouro". Ela consultou teses, visitou Rio de Contas, consultou o arquivo municipal e conversou com pessoas idosas que ainda tinham recordações de Maria Brandão. "Fiz uma mistura de fontes de arquivos, mas também escrevo um pouco contra os arquivos, porque eu sei que eles vão reproduzir a elite, as lembranças das classes dominantes", assinala. "Muitas vezes, as cozinheiras, empregadas e quitandeiras não estão nos arquivos", observa.   

Desde as primeiras páginas do romance, o leitor é cativado pela descrição detalhada de um universo marcado pelo passado colonial, fonte de injustiças e revolta. Anacaona joga luz nessa estrutura arcaica com uma multiplicidade de personagens femininos de várias sensibilidades. Mulheres, pobres e negras, elas enfrentam um cotidiano complicado, em que os homens detêm todo o poder.

"Eles tinham o poder do trabalho. Se você negava os avanços deles, podia não mais trabalhar. Ou dizia sim, porque dizendo não, apareciam muitos problemas. Ou fugia e migrava para as cidades", descreve a autora. "Eu quis resgatar esse passado que não é muito honroso, mas é o nosso passado", destaca Paula Anacaona, que tem pai venezuelano e mãe francesa.

Brasil em vidas passadas 

A autora começou a viajar ao Brasil na adolescência e se apaixonou pelo país. Em entrevistas, costuma dizer que deve ter vivido no Brasil em uma vida passada. O fortalecimento do movimento negro nos últimos anos só reforçou seu interesse. 

"Maria Brandão e suas amigas sempre tiveram um sentimento de revolta por causa de uma Abolição que nunca houve", explica. "Talvez a Coluna Prestes e depois o Partido Comunista as ajudaram a colocar palavras nesse sentimento", acredita.

Com a mudança da heroína para Salvador, é toda a história política do Brasil que segue sendo contada por encontros com outras mulheres fortes e negras. Dois episódios merecem a atenção particular do leitor. 

Depois de ganhar o prêmio de Campeã da Paz, Maria Brandão não pôde viajar a Moscou para recebê-lo. "Apesar de reconhecer o papel dela, o Partido Comunista mandou um universitário de São Paulo para a Rússia para receber a medalha das mãos de Stálin. Ou seja, o PCB tinha vergonha dessa mulher negra e preferia mandar outra pessoa para representar o Brasil", sublinha Anacaona.

Em outra outra passagem marcante do romance, ela reconstrói um provável encontro entre Maria Brandão, o escritor francês Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, ambos comunistas, em Salvador. 

O catálogo da Editora Anacaona oferece aos franceses traduções de grandes nomes da literatura brasileira e ensaios de escritoras do movimento negro atual. Na opinião de Paula, europeus e franceses têm muito o que aprender com o Brasil. 

"Nos últimos 20 anos, o Brasil começou a criticar o mito da democracia racial, e as políticas de ação afirmativas ajudaram a mudar os estudantes na universidade", aponta. Em comparação com a França, ela considera os estudos de gênero e estudos de raça mais avançados no Brasil.

Como editora engajada e observadora dos movimentos sociais no país sul-americano, ela fala como vê seu trabalho. "A França também foi uma potência negreira. Eu penso que mulheres negras da França poderiam se juntar e lutar juntas com as mulheres negras do Brasil", conclui. 

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