Acessar o conteúdo principal
RFI Convida

Política de cotas acentuou interesse por estudos de grupos LGBT no Brasil, diz historiador

Publicado em:

Benito Schmidt é historiador e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Atualmente, ele está em Paris como professor visitante da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (EHESS, na sigla em francês) e ministra uma série de palestras sobre o tema atual de suas pesquisas: a história LGBTQIA+ brasileira e mundial.

O historiador brasileiro Benito Schmidt, da UFRS, foi convidado para dar palestras sobre a história do movimento LGBTQIA+ na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris.
O historiador brasileiro Benito Schmidt, da UFRS, foi convidado para dar palestras sobre a história do movimento LGBTQIA+ na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. © RFI/Adriana Brandão
Publicidade

Antes de se dedicar à história LGBTQIA+, Benito Schmidt desenvolveu pesquisas sobre gênero biográfico, história social da memória, do trabalho, relações de gênero e ditaduras na América Latina. Ele aponta que o interesse pela recuperação da história de grupos subalternizados, que foram historicamente invisibilizados, como mulheres, pessoas escravizadas, operários e índios, se acentuou com a política de cotas no Brasil.

“A entrada de estudantes e depois de professores que também pertencem a esses grupos acentuou esse interesse”, afirma o historiador. Ele lembra que antes, os estudos sobre esses grupos eram feitos principalmente por “historiadores brancos, cisgênero, heterossexuais de classe média” e que agora “vemos intelectuais que pertencem a esses grupos também fazendo a história desses grupos”.

Organização do movimento LGBT no Brasil

No Brasil, foi durante a Ditadura Militar, e mais precisamente no período da Abertura Política, que o movimento LGBTQIA+, que ainda não tinha esse nome, começou a se organizar politicamente.

“Foi sobretudo no final dos anos 1970, no final da Ditadura, que os grupos mais propriamente políticos começam a se organizar. A gente tem a fundação em 78 do grupo ‘Somos’, que é considerado o pioneiro dessa organização que na época era chamado movimento gay, movimento homossexual. A gente ainda não tinha todas essas letrinhas”, aponta Schmidt.

A organização do movimento no Brasil foi influenciada pela luta pelos direitos dos homossexuais americanos e também latino-americanos.

Antes da politização do movimento brasileiro, o emblemático Dzi Corquettes, criado no Rio de Janeiro em 1972, marcou a contracultura brasileira. O grupo andrógino, formado por homens barbudos vestidos de mulher, inicialmente escapou da censura, mas teve que se exilar em 1974, fazendo muito sucesso na França e na Itália, por exemplo.

A trajetória do Dzi Croquettes foi pesquisada pelo historiador brasileiro e tema de uma de suas palestras na EHESS de Paris. “O perigo que eles representavam era porque a Ditadura tinha um projeto político, um projeto econômico, mas também um projeto moral. Os próprios militares difundiam a ideia de que o ‘homossexualismo’ - hoje a gente não usa mais essa palavra em função do seu sentido patológico - era um modo de infiltração das ideias comunistas no Brasil. O homossexualismo iria destruir a família e os comunistas iam se implantar. Imagina só? “, ressalta o professor da UFRS. Os militares continuaram a perseguir as travestis, por exemplo, mesmo depois da Lei da Anistia de 1979.

Lugares de memória

Atualmente, a pesquisa de Benito Schmidt sobre a história LGBTQIA+ tenta identificar os lugares de memória do movimento no Brasil. Lugares de memória, que é um conceito desenvolvido pelo historiador francês Pierre Nora, são museus, arquivos, monumentos, centros de memória. O historiador gaúcho indica que sobretudo a partir dos anos 2000 começou um movimento para a constituição de arquivos associados a esses grupos para “preservar os vestígios dessa memória que muitas vezes são completamente apagadas”. O Museu da Diversidade Sexual, em São Paulo, foi o pioneiro.

Schmidt ressalta que esses arquivos são chamados de sensíveis pelos historiadores porque “a gente sabe que, em momentos de conservadorismo, eles podem eventualmente até servir para fins de perseguição”. Uma discussão atual na França sobre o destino dos arquivos LGBT, se “eles devem ser custodiados pelo Estado como qualquer outro acervo, ou se pelos movimentos” pode ajudar o Brasil na constituição dessa memória, acredita o professor.

“Sem anistia”

A importância de resgatar a memória da Ditadura Militar sempre foi uma preocupação e temas de muitas das pesquisas de Benito Schmidt. Depois dos ataques de 8 de janeiro à Praça dos Três Poderes de Brasília, um movimento “sem anistia” ganhou força no Brasil. Esse “sem anistia” tem um significado muito mais amplo do que a punição aos responsáveis pelos ataques de 2023.

O historiador lembra que a Anistia no Brasil, “foi decidida de cima para baixo. Quem deu a forma final da lei foram os próprios militares e os grupos que os apoiavam. Então, não houve nem a punição, nem a apuração dos crimes e das violações de direitos humanos cometidas durante a Ditadura”. Ele salienta que isso levou a “toda essa exaltação da Ditadura que nós tivemos nos últimos anos”.

Somente no governo Dilma Rousseff, foi implementada uma Comissão da Verdade, que “sofreu muitos ataques e com muitas limitações de trabalho”. Mas apesar das limitações, foi “a única das comissões da verdade do mundo, inclusive da África do Sul, que teve um capítulo dedicado a perseguição das pessoas LGBT”. Benito Schmidt apoia o “Sem anistia” porque “é fundamental que esse passado, tanto o mais remoto quanto o mais recente, seja efetivamente esclarecido e se torne objeto de discussão e de conhecimento público para que a gente não repita essas atrocidades”.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.