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“Necessidade de escrever memórias é própria de momentos de ruptura política”, diz especialista na história da família Taunay no Brasil

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A professora e pesquisadora Wilma Peres Costa, da Universidade Federal de São Paulo trabalha sobre a memória da família francesa Taunay no Brasil. Segundo ela, a trajetória desta dinastia que chegou ao país no século 19 se confunde com a própria História brasileira.

A professora e pesquisadora Wilma Peres Costa, da Universidade Federal de São Paulo.
A professora e pesquisadora Wilma Peres Costa, da Universidade Federal de São Paulo. © Adriana Brandão/RFI
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Embora os dois representantes mais famosos dos Taunay sejam o visconde Alfredo Maria Adriano d’Escragnolle Taunay e seu filho, Afonso d'Escragnolle Taunay, a família é composta por diversos personagens – entre artistas, intelectuais, militares e políticos – que marcaram dois séculos no Brasil.

A trajetória desta dinastia franco-brasileira teve início com a Missão Artística Francesa, no início do século 19, que levou ao país o pintor Nicolas-Antoine Taunay, avô do visconde de Taunay. A partir de então, o percurso da família, digno de uma trama cinematográfica, se mistura com a de outros nobres franceses baseados no Brasil, os Escragnolles, outro grupo de nobres que fixou raízes no Brasil nos anos 1800.

Wilma Peres Costa ficou intrigada com a história dos Taunay quando realizava as pesquisas de sua tese de doutorado sobre a Guerra do Paraguai, que ocorreu entre 1864 e 1870. Os registros realizados pelo visconde de Taunay, que participou do conflito, foram as fontes principais da professora durante sua pesquisa.

“Eu estava muito interessada nos relatos da época, de como as pessoas que estavam presentes pensaram a guerra e de como elaboraram a ideia de crise no Império. Eu queria saber porque eles achavam que a guerra era o momento que detonava uma crise da qual nunca mais o Império conseguiu sair. Também queria entender esse lugar de Alfredo Taunay e das escritas dele em relação à guerra como memorialista”, explica Wilma.

Acervo no Museu Paulista

Na época, a pesquisadora encontrou uma série de documentos da família Taunay em um acervo que acabava de ser adquirido pelo Museu Paulista. Estudando os arquivos, a professora se deparou com anotações surpreendentes do filho do visconde, Afonso d'Escragnolle Taunay.

“É como abrir as gavetas de uma casa. Em uma tem uma conta de lavanderia, em outra, uma carta do imperador”, ri. “A coleção não estava nem catalogada ainda. Aquela desordem era em parte aparente porque o Afonso, que é o filho do Alfredo, e que virou o grande historiador da família, é a pessoa que sempre cuidou desses papéis”, diz.

Entre as observações de Afonso d'Escragnolle Taunay, a professora percebeu correções até mesmo das memórias do pai. “O livro chamado ‘Memórias de Visconde de Taunay’, na verdade, é uma obra do Afonso, editando a história do pai”, salienta.

Inicialmente, Wilma tentou separar os dois personagens: “eu queria um Alfredo que Afonso não tivesse mexido”. No entanto, avaliando os arquivos, ela compreendeu que as memórias do pai e do filho estavam entrelaçadas e que se misturavam também aos períodos da monarquia e do início da República no Brasil.

“Essa necessidade de escrever memórias, biografias e autobiografias é própria de momentos de ruptura política”, diz. “Ao mesmo tempo em que as pessoas tinham que se colocar diante da nova situação, elas precisavam contar onde estava a sua linhagem antes, em relação à abolição, à guerra: uma convergência entre memória e história”, reitera.

Uma grande descoberta nestes arquivos foi o diário de viagem de Afonso à Europa, que rendeu uma nova obra à pesquisadora e deve ser publicada em breve, pela editora Unicamp. “É um retrato de como se viaja na Belle Époque, uma viagem de navio com todos os luxos e particularidades, e depois como é o périplo dele sobre tudo em Paris, onde ele permanece a maior parte do tempo”, conta.

Legado dos Taunay ao Brasil

Para a pesquisadora, resgatar a história da família Taunay foi como “achar os fios de Ariadne”, diz, referindo-se a um clássico da mitologia grega em que o herói Teseu consegue sair do labirinto do Minotauro graças a um novelo de lã que recebeu da amada Ariadne. Wilma também contou à RFI que as teorias do filósofo alemão Walter Benjamin também a ajudaram no processo. “Ele nos ensinou a importância do flanar. Você deixa o seu olhar ser captado por algo que é estranho”, salienta.

Através desse exercício, Wilma percebeu com mais clareza essas quatro gerações de personagens importantíssimos ao Brasil. Segundo a especialista, foram muitos legados deixados por essa família ao país.

A pesquisadora aponta que o pai do visconde, Félix Émile Taunay, revolucionou o ensino acadêmico de arte no país. “Ele forjou todo um sistema, com cursos, currículos, regras da academia, fazendo uma regulação do ensino acadêmico, numa relação também com a pintura francesa”, aponta.

Já Afonso de Taunay abraçou o Museu Paulista, ao assumir sua direção, em 1917, “onde ele colocou em parte uma concepção de história”, destaca a professora. Wilma destaca que o filho dele também tem uma predileção por cenografias, sendo o responsável por projetar as suntuosas escadas do local.

A professora não esconde, no entanto, sua preferência pelo visconde de Taunay. Um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, e ícone da prosa regionalista do Romantismo, Alfredo é autor do clássico “Inocência”, de 1872. Também ficou célebre por ser um dos grandes promotores da arte brasileira no exterior.

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