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Assédio, machismo e discriminação: os desafios que as musicistas enfrentam no mercado brasileiro

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"AmplifyHer: Dando voz à experiência de mulheres músicas no Brasil" é um estudo piloto financiado pelo Global Challenges, com pesquisadores da Manchester Metropolitan University, da USP e da Edinburgh Napier, com o objetivo de mapear os desafios mais urgentes que as musicistas enfrentam no Brasil, como a invisibilidade, o machismo, o assédio e a desigualdade de oportunidades. Os pesquisadores José Dias, agora na Conventry University, e Lilian Campesato, da USP, conversaram com a RFI.

"AmplifyHer: Voicing the experience of women musicians in Brazil" é um estudo piloto desenhado para avaliar os desafios mais urgentes que as musicistas femininas enfrentam no Brasil.
"AmplifyHer: Voicing the experience of women musicians in Brazil" é um estudo piloto desenhado para avaliar os desafios mais urgentes que as musicistas femininas enfrentam no Brasil. © Divulgação/ ArtePlural
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O AmplifyHer se baseia em constatações significativas para o contexto brasileiro, como o contraste "avassalador"  entre a presença de mulheres e homens no mercado da música brasileiro: enquanto eles são 85%, elas representam apenas 15%. Um quadro que se agrava no contexto de uma indústria cultural que distribui 90% das receitas de royalties aos artistas homens, ficando as mulheres com menos de 10% da receita total.

“Existem diferenças grandes entre o que acontece no Brasil e na Europa”, diz o pesquisador e músico português José Dias. “O que acontece na indústria musical é um reflexo do que acontece na sociedade. É muito triste a forma com que as mulheres são discriminadas na música e na sociedade. É claro que há algo em comum entre os portugueses e os brasileiros [por exemplo], o machismo é algo bastante latino e a cultura possui pontos de contato. Mas na Europa já existem estruturas de apoio para mulheres na música e manifestos que os festivais, produtores e até alguns governos europeus começam a assinar e a seguir”, explica.

“No Brasil ainda falta quase tudo para fazer... Existe por um lado uma grande militância feminista, que estudamos e com quem trabalhamos [durante a pesquisa], mas depois precisa dar o salto para formalizar essas redes”, avalia Dias.

Dificuldades são maiores para musicistas negras

O estudo também teve a preocupação de abordar as diversidades etária e étnica entre as musicistas brasileiras. Seis das participantes da pesquisa são brancas, e seis são negras. A metade delas pertence à faixa etária dos 20 aos 39 anos ("Novos Talentos"); três têm entre 40 e 55 anos ("Artistas Estabelecidos") e três estão na faixa dos 55 e acima ("Artistas Sêniores").

"No Brasil tudo tem a ver com raça", analisa Dias. "De fato existe uma grande discrepância entre a experiência das mulheres brancas e negras. Na esmagadora maioria dos casos, as mulheres brancas relatam apoio da família para comprar um instrumento, seguir a carreira, e no caso de mulheres negras a realidade é diametralmente oposta", conta. "Também existe uma outra realidade que a mulher negra tem que enfrentar nesse universo: quando sobe ao palco espera-se que ela represente uma determinada personagem de 'mulher negra', parece que ela nunca consegue se descolar desse estigma", diz o pesquisador.

"As mulheres negras contam que isso afeta 100% o acesso aos recursos financeiros, muitas delas tiveram que adiar durante muito tempo sua entrada no mercado, algumas relatam, por exemplo, que apenas o conseguiram por meio de projetos sociais", lembra Lilian Campesato, da USP. "Isso sem abordar as questões do assédio e da sexualização, muito presentes no discurso delas", conta.

Maternidade como impedimento

A pesquisa revelou outros dados relevantes: para 100% das participantes o acesso a recursos econômicos foi fator determinante em suas trajetórias profissionais e a maior parte das musicistas relatou enfrentar dificuldades na gestão do contexto pessoal e profissional, mencionando que a pandemia do covid-19 trouxe dificuldades ainda maiores. Um dado que chama a atenção é que a maternidade foi mencionada pelas participantes que não tiveram filhos como uma escolha que implicou diretamente em seu sucesso profissional.

"Posso dizer até como mãe, por ter passado por isso, a maternidade ainda é um tabu, especialmente na relação com a profissão", analisa Lilian Campesato, pesquisadora da USP e integrante do estudo AmplifyHer. "A gente percebe que quase todas as mulheres que tiveram filhos relatam as dificuldades de gerir essa realidade. O que eu acho chocante, no caso daquelas que não tiveram filhos, é saber que elas não tiveram filhos porque isso de fato impediria um desenvolvimento mais pleno de sua profissão", relata. "Elas escolheram não ter filhos, algumas até escolheram prorrogar, ou fazer outro tipo de organização familiar dizendo que [a maternidade] invibializaria uma carreira profissional na música no Brasil", diz Campesato.

Assédio moral e sexual

Boa parte das participantes, em especial as mais jovens, relatou medo de assédio sexual e moral nos ambientes de trabalho. "O que muitas participantes do estudo nos disseram é que a mulher é sempre vista pelo prisma da sua sexualidade e aparência, e isso se desenvolve em muitas facetas como 'velha demais para estar no palco', 'magra demais ou gorda demais', ela é sempre medida pelo prisma da sua aparência", explica José Dias. 

"Isso faz com que as mulheres, ao trabalharem dentro de uma indústria musical, sejam bombardeadas diariamente por observações, piadas, e isso faz com que elas se recolham em coletivos exclusivamente femininos, como as bandas constituídas só por mulheres, por ser um espaço considerado seguro", diz.

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