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RFI Convida

Por que alguns países estão dando uma terceira dose de vacina contra a Covid-19?

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Enquanto o Brasil ainda distribui a primeira dose da vacina anticovid e apenas um quarto (24,2%) da população está completamente protegida, Israel já começou a aplicar a terceira dose em pessoas com mais de 50 anos. O infectologista Gerson Salvador, do Hospital Universitário da USP, explica que a decisão é de reforçar a proteção de pessoas imunodeprimidas. Ele destaca que o controle da epidemia depende do aumento nas taxas de vacinação da população geral para reduzir a circulação do vírus.

Israel e Uruguai já começaram a aplicar a terceira dose de vacina contra a Covid-19. França e Alemanha devem iniciar a campanha de reforço em setembro.
Israel e Uruguai já começaram a aplicar a terceira dose de vacina contra a Covid-19. França e Alemanha devem iniciar a campanha de reforço em setembro. Sam Yeh AFP/File
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Com 60% da população completamente imunizada, Israel começou a aplicar a terceira dose da vacina Pfizer ainda em julho. A França, com 53% da população vacinada, e a Alemanha, com 57,6%, já anunciaram que vão reforçar a imunização da população idosa a partir de setembro.

Nos Estados Unidos, com pouco mais de 51% da população completamente imunizada, o governo anunciou nesta quarta-feira (18) que adotará a terceira dose para a população mais vulnerável a partir de 20 de setembro.

Apesar das decisões desses países, ainda não há estudos que mostrem se um reforço vacinal terá eficácia no aumento da proteção dessas populações, explica o infectologista Gerson Salvador. As pesquisas ainda estão sendo realizadas, tanto em Israel quanto no Brasil.

Nessa entrevista à RFI Brasil, Salvador explica o que sabemos até o momento sobre a necessidade de uma terceira dose de imunização, fala sobre o risco do desenvolvimento de variantes que ultrapassem a proteção das vacinas com a alta circulação do coronavírus e salienta a importância de manter o uso de máscaras mesmo entre vacinados.

RFI - Para que serve essa dose extra da vacina anticovid?

Gerson Salvador – As pessoas com alguma imunodepressão, como transplantados ou imunodeprimidos por HIV por exemplo, e os mais idosos, por conta de um fenômeno chamado imunossenecência, que é uma diminuição da imunidade pela idade, respondem pior às vacinas em sua maioria.

Então, o acompanhamento dessas pessoas mostra que elas produzem menos anticorpos e existe uma queda mais rápida do número de anticorpos quando a gente compara com a população em geral. É esse o racional teórico que sustenta a terceira dose.

RFI – Já há estudos conclusivos sobre a necessidade do reforço para essa população?

G.S. - Temos estudos que demonstram aumento de título de anticorpos [com a terceira dose nessas populações]. Agora, se essa terceira dose vai proteger de fato para a doença, se vai fazer com que essas pessoas se infectem menos, para isso não temos ainda resposta definitiva. Ainda estão sendo feitos os estudos de eficácia que comparam quem tomou a terceira dose com quem tomou placebo.

O médico infectologista Gerson Salvador, do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo)
O médico infectologista Gerson Salvador, do Hospital Universitário da USP (Universidade de São Paulo) © Reprodução

RFI – Alguns estudos mostram que em grupos mais jovens também há queda de anticorpos meses após a vacinação. Isso significa que essa pessoa deixou de estar protegida?

G.S. - Não significa, porque a gente gera memória imunológica. Quando a gente toma uma vacina ou está exposto a uma infecção, a gente vai ter uma resposta imune, vai haver produção de anticorpos, mas se a pessoa não volta a ser exposta àquele agente, existe uma queda natural do título de anticorpos.

E é importante fazer um destaque que os dados que temos hoje mostram que 99% das pessoas que morreram recentemente de Covid nos Estados Unidos foram pessoas que não tomaram a vacina. No Brasil, temos um dado preliminar de que quase 97% das pessoas que morreram de Covid nas últimas semanas também não tinham tomado nenhuma dose da vacina anticovid.

RFI – A OMS tem pedido que os países ricos atrasem a terceira dose e deem preferência à distribuição do imunizante em locais com baixa vacinação. Redes brasileiras, como a do Rio de Janeiro ou a de São Paulo, já falam em distribuir a terceira dose ainda este ano. Qual é a decisão que está em jogo nessa escolha de estratégia sanitária entre dar o reforço aos mais frágeis ou ampliar o número de imunizados?

G.S. - As vacinas que temos hoje são vacinas que não são esterilizantes, ou seja, são vacinas que são mais eficazes para prevenir a hospitalização e eventos graves que para prevenir a doença. Em uma situação em que o vírus continua descontrolado, continua circulando, teremos populações que estarão expostas e é um cenário em que podem surgir novas variantes. Vimos isso acontecer no Reino Unido, em Manaus, na Índia…

Não existe a possibilidade de um país se defender de maneira unilateral, é preciso um pacto global. Em países de baixa renda, pouco mais de 1% da população está imunizada contra a Covid-19, e esses são locais em que podem surgir novas variantes.

É preciso estudar estratégias para proteger as populações imunodeprimidas, mas certamente se conseguirmos reduzir a circulação do vírus, imunizando maciçamente a população, essas pessoas vão ser indiretamente protegidas também.

RFI – Novas variantes podem tornar essas vacinas atuais ineficazes?

G.S. - Temos hoje algumas variantes de preocupação, a mais relevante delas é a variante Delta, que fez voltar a crescer os casos nos Estados Unidos, em Israel, na Europa, na Índia. As vacinas ainda são eficazes para prevenir a variante Delta, pelos estudos que temos hoje.

Mas as variantes têm origem aleatória, e uma nova variante pode eventualmente ter um escape imune, escapar da imunidade desenvolvida por alguém que já teve a infecção ou por alguém que foi vacinado. Felizmente não é o caso do que temos até agora, mas essa é uma perspectiva que preocupa.

RFI – Neste momento, em que o Brasil está com mais de 54% da população imunizada com a primeira dose e 24% está completamente imunizada, qual o principal desafio que temos?

Para superarmos a pandemia, temos que associar a vacina com as chamadas medidas não farmacológicas. As vacinas diminuem o risco de infecção, mas nenhuma delas protege de maneira absoluta. E no Brasil, enfrentamos uma agenda negacionista que parte dos mais altos escalões da República, inclusive o próprio presidente, que fala contra essas medidas.

Felizmente a realidade tem se imposto em relação às vacinas, as pessoas têm se vacinado, mas em relação às medidas não farmacológicas, como o uso de máscara, o distanciamento, a ventilação dos ambientes, evitar as aglomerações, precisamos convencer ainda parte da população, porque infelizmente tem caído a adesão a essas medidas. Nosso grande desafio é confrontar e superar esse negacionismo.

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