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“Temos que prevenir futuros colapsos econômicos”, diz gerente de Ong que pede fim do comércio de animais selvagens

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A ONG Proteção Animal Mundial intensifica suas ações para pôr fim ao tráfico de animais silvestres e o que considera como seus efeitos nefastos sobre as sociedades, como a atual pandemia da Covid-19. Além de uma campanha em vigor deste o início do ano chamada #medeixaserselvagem, a organização encaminhou recentemente uma carta ao ministro da Economia Paulo Guedes para colocar na agenda de discussão da próxima reunião do G20 o tema do comércio de animais silvestres como estratégia para combater futuras pandemias e seus impactos econômicos, ambientais e sociais. 

O gerente de campanhas da Ong Proteção Animal Mundial Maurício Forlani.
O gerente de campanhas da Ong Proteção Animal Mundial Maurício Forlani. © Noelly Castro / Divulgação
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Com a expansão acelerada dos casos do novo coronavírus, a Ong desenvolveu no início do ano a campanha #medeixaserselvagem, com o objetivo de pressionar as autoridades de todo o mundo para adotar ações e banir o comércio de animais silvestres e suas consequências globais, como a eclosão de doenças. “Essa relação do vírus que desencadeou a pandemia com o comércio de animais silvestres impulsionou o desenvolvimento dessa campanha que visa pedir o banimento total do comércio de animais silvestres, tanto para o comércio interno como na relação comercial entre os países”, destaca Maurício Forlani, gerente de campanhas da filial brasileira da Ong. 

A Proteção Animal Mundial (WAP, na sigla em inglês) é uma organização com sede em Londres que há 50 anos luta para por fim ao sofrimento animal. Com escritórios em vários continentes, a entidade atua em campanhas para proteção dos animais silvestres e também de produção, como porcos e aves, como também domésticos, principalmente gatos e cachorros.

O problema é amplo e exige uma ação local e global, segundo Maurício: “Esse comércio existe em todos os lugares e de várias formas, desde o comércio para a produção de pele, de carnes, produzidos e criados para serem pets, para atividades de entretenimento. Muitos deles são tirados da natureza, e esse comércio, que é um grande mercado, atua de várias formas, não apenas afetando a saúde e o bem estar dos animais, mas também trazendo sérios impactos para o meio ambiente. A consequência da Covid-19 veio mostrar que talvez a forma como vemos lidando com os animais, tem que ser repensada”, diz.

Relação do comércio de animais e o novo coronavírus

O surgimento da Covid-19 no final de 2019 é o exemplo mais recente das consequências que a interferência do homem na natureza e no habitat dos animais têm provocado para as sociedades em escala global. 

“Não é possível traçar com 100% o animal que deu origem (à doença). Quando falamos de doenças zoonóticas, das emergentes e das mais novas, a Covid-19 não é uma novidade. Ela é uma ressurgência de outras doenças e endemias que surgiram em regiões localizadas, e que tiveram origem na relação danosa com os animais”; explica, citando como exemplos os vírus HIV, ébola, SARS e MERS.   

“A forma como vemos tratando os animais  sempre trouxe uma troca de patógenos, isso não é novidade. Várias doenças, aproximadamente entre 60 e 70%, têm origem zoonótica, ou seja, de algum animal, seja selvagens ou domésticos. Os animais silvestres muitas vezes trazem novos vírus que não tínhamos contato, enquanto os domésticos trazem modificações de vírus conhecidos”, acrescenta Maurício, biólogo de formação.  

No caso da Covid-19, as evidências científicas apontam uma relação do comércio de animais silvestres que teriam como o epicentro a região de Wuhan, na China. Pelo padrão genético do vírus, dois animais estão vinculados e foram identificados pelas semelhantes com os humanos, o morcego e o pangolim, que integra a lista dos animais selvagens mais traficados no mundo. 

“Existe uma intensa coleta desse animal (pangolim) na natureza, ele é mantido vivo em algumas feiras, assim como os morcegos no caso de Wuhan. Esse processo de extrair o animal da natureza prejudica o bem estar dele e facilita o desenvolvimento de algum tipo de doença porque vai ter uma queda de resistência, ele passa por estresse, fome e más condições. Essa conjuntura de fatores faz com que aconteça o que o pessoal a ciência chama de spillover, ou seja, o pulo de um vírus de uma espécie para a outra”.

Segundo Maurício, ainda não está definido se o vírus da Sars-Cov-2 vem da migração do vírus do morcego para o pangolim e vice-versa, mas o que ficou claro neste episódio é que o comércio de animais silvestres foi a grande fonte propagadora dessa pandemia. “Por isso, esse é um momento único para se pautar o fim do comércio de animais silvestres. E não adianta proibir só em um país”, afirma.

Carta para Paulo Guedes

Dessa constatação, surgiu a iniciativa de colocar esse tema no palco do G20, o grupo das vinte maiores economias do planeta. A próxima reunião do grupo, que será virtual nos dias 20 e 21 de novembro, é vista como a ocasião para incluir a luta contra esse fenômeno a partir de enfoque financeiro. Uma carta enviada pela Ong Proteção Animal Mundial, com o apoio de 42 entidades de luta pelo meio ambiente, foi encaminhada ao ministro da Economia, Paulo Guedes, um dos representantes brasileiros no encontro.

“A Ong acredita que esse é o fórum ideal para discutir essa questão. Quando você junta os grandes líderes  para dialogar e traçar estratégias tanto para a economia como para questões sociais, é o local para discutir grandes avanços na nossa sociedade”, diz.

Segundo ele, a estratégia da Ong foi muito “corajosa” em tentar incluir na agenda de discussões dessa cúpula um assunto transversal, que diz respeito não apenas à saúde ambiental. 

“Essa pandemia trouxe um estrago para a economia, para a saúde pública e para o nosso bem estar, não só dos animais, mas do meu, seu, de todo mundo que está em casa sem poder sair, com medo... há várias  esferas do bem estar das pessoas que foram atacadas por essa pandemia. O problema da pandemia não tem que ser visto como meramente ambiental. Tem que ser visto como uma prevenção para futuros colapsos econômicos. Se tivermos uma pandemia daqui a 10, 15 anos e que seja pior que essa, o que vai acontecer?”, questiona. 

A ONG se baseia também em estudos sobre o impacto econômico global da Covid-19 que poderá atingir entre US$ 9 a US$ 15 trilhões. No caso da prevenção do comércio dos animais silvestres, a estimativa é de que a economia poderia representar 2% desse impacto econômico negativo. O que justifica, segundo o gerente de campanhas da Ong, a iniciativa de diálogo com o Ministério da Economia e não apenas com os ministérios da Agricultura, Pecuária e do Meio Ambiente do país. 

A ideia é sensibilizar Paulo Guedes, um dos representantes do Brasil na reunião, para levar ao palco do G20 o debate sobre os potenciais efeitos benéficos não apenas para o país mas para o planeta do fim do comércio de animais. 

“Ele, mais do que ninguém, deve saber o buraco no qual o Brasil se encontra economicamente agora e fazendo os malabarismos para tentar fazer o país ir para a frente. Queremos mostrar para ele que se a gente trabalhar nesse setor, o do comércio de animais, vamos fazer um bem enorme para os animais e de contrapartida, e também de segurança para toda a nossa sociedade”.

A Ong tentou outros diálogos com autoridades do atual governo, sem grande sucesso até o momento. “Não tivemos uma abertura muito positiva nas outras tentativas, daí a iniciativa de trazermos para a discussão as outras 42 associações, que também assinaram a carta ao ministro para mostrar aos nossos líderes que não é só a Proteção Animal e seus seguidores que estão pedindo. Na verdade, é um conjunto de organizações que representam milhões de pessoas que estão pedindo para que o governo olhe para esse assunto de uma forma estratégica pensando em uma prevenção. Quanto o Brasil sofreu nesse processo todo?  A nosso ver, o governo brasileiro tem que tomar uma decisão, pelo menos neutra, mas não militar para que essa pauta permaneça como está, que está tudo bem comercializar os animais e correr os riscos pandêmicos, de tempos em tempos”, conclui.  

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