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Reportagem

Paris 2024: ex-atletas discutem segurança e igualdade de gêneros no esporte

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A cidade de Saint-Ouen-sur-Seine, futura sede do Comitê Olímpico do Brasil (COB) nos Jogos de Paris 2024, acolheu um animado debate com ex-atletas brasileiros e franceses que lideram projetos de democratização do esporte, atentos à igualdade de gêneros e à violência. A ex-nadadora pernambucana Joanna Maranhão, que disputou quatro Olimpíadas e foi finalista em Atenas (2004), insistiu na necessidade de o meio esportivo se tornar um ambiente seguro e livre de violações dos direitos humanos.

O medalhista francês Pascal Gentil e a a ex-nadadora brasileira Joanna Maranhão durante evento sobre a igualdade de gênero no esporte, em Saint-Ouen-sur-Seine, futura sede do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris 2024.
O medalhista francês Pascal Gentil e a a ex-nadadora brasileira Joanna Maranhão durante evento sobre a igualdade de gênero no esporte, em Saint-Ouen-sur-Seine, futura sede do Brasil nos Jogos Olímpicos de Paris 2024. © RFI/Adriana Moysés
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O evento "Primeiros encontros de inclusão social pelo esporte" foi promovido pela Fundação Gol de Letra, criada pelos ex-jogadores Raí e Leonardo. A associação está completando 25 anos de existência e acompanha 4 mil crianças e adolescentes de comunidades do Rio de Janeiro e São Paulo, além de desenvolver diversas ações na França.

Joanna Maranhão abriu uma mesa-redonda dedicada à igualdade de gêneros. Ela contou à plateia, composta por educadores esportivos, representantes de federações locais e empresários franceses que investem no setor, como teve sua vida e história no esporte marcada pelo abuso sexual de seu treinador, quando tinha apenas 9 anos de idade. "Quando a gente fala sobre democratizar a prática do esporte, a gente tem que democratizar uma prática de esporte seguro", ressaltou.

A recifense, que chegou em 5° lugar nos 400 metros medley na Olimpíada de Atenas, disse à RFI que "as posições de poder no esporte e sua hierarquia muito específica favorecem as violações dos direitos humanos". "O esporte pode ser uma força para o bem, mas para que atinja esse potencial nos seus 100%, isso passa por a gente enfrentar essas mazelas", frisou a ex-nadadora.

A brasileira mora atualmente na Alemanha, onde o marido, o judoca Luciano Corrêa, trabalha como treinador. Antes de se instalar nos arredores de Berlim, Joanna Maranhão concluiu um mestrado de Ética Esportiva e Integridade, na Bélgica, e agora está criando, "junto com outras cabeças", uma rede internacional de atletas que sofreram violência no esporte. "É um espaço seguro, onde a gente pode trocar experiências. Vamos ter fundo de emergência para que pessoas possam aplicar em ajuda psicológica e legal", ressalta.

Membro do Conselho de Ética do COB, a ex-nadadora atua em audiências em que outros esportistas revelam momentos traumáticos de suas carreiras. Nessas ocasiões, com a experiência adquirida, ela busca tornar o depoimento um momento menos sofrido.

"Começar pelas margens"

Joanna Maranhão também faz parte de um grupo de trabalho do Comitê Olímpico Internacional. "O COI anunciou US$ 10 milhões, a cada quatro anos, para fortalecer medidas de esporte seguro em nível local", relata. Joanna Maranhão diz que insistiu muito para que esses recursos não fossem gastos "de forma eurocêntrica", em países que já têm estruturas desenvolvidas.

"É super importante começar pelas margens, e eu fico muito feliz que o COI tenha decidido criar seu primeiro hub desse tipo na África, oferecendo ajuda psicológica, ajuda legal, com investigadores independentes. É super importante que comece a ser criado um modelo em que as pessoas que sofrem no esporte possam confiar", diz a brasileira com entusiasmo.

"Devemos nos olhar no espelho"

O francês Pascal Gentil, duas vezes medalha de bronze no taekwondo (2000 e 2004), hoje encarregado de responsabilidade social na empresa Aeroportos de Paris (ADP), patrocinadora oficial das competições, ouviu o testemunho de Joanna Maranhão com admiração. 

"O esporte é algo fantástico, que aproxima as pessoas. No ano que vem, teremos os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Paris 2024, que serão pela primeira vez igualitários entre atletas homens e mulheres. Acho que não devemos perder essa oportunidade de nos olharmos no espelho e nos aprimorar, seja em questões de acesso, seja de lugar das mulheres. Eu venho de uma família de atletas de alto nível, uma escola de vida. O esporte nos ensina a fazer qualquer coisa", disse o francês.   

Na plateia, Alan Duarte, fundador da ONG "Abraço Campeão", que oferece aulas de boxe, karatê, jiu jitsu, muai thay e capoeira integrados a aulas de cidadania e desenvolvimento pessoal no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, ouvia o debate com interesse.

Alan Duarte, fundador da ONG Abraço Campeão, no Rio de Janeiro.
Alan Duarte, fundador da ONG Abraço Campeão, no Rio de Janeiro. © RFI/Adriana Moysés

Duarte e três atletas de boxe do projeto estão na França para um intercâmbio neste mês de novembro, trazidos pela ONG Human Earth, fundada pela boxeadora Sandra Costa e seu irmão, Filipe Costa, músico de "beatbox". Nascidos e educados na França, Filipe e Sandra são descendentes de portugueses e apaixonados pelo Brasil.

O grupo do Complexo do Alemão tem visitado clubes de boxe em periferias de cidades francesas. "Eu vim aprender e trocar experiências com jovens que têm problemas similares e que a gente procura desenvolver atividades para reduzir o racismo, a violência de gênero e sexualidade por meio do esporte e das artes marciais", disse Alan, apontando "um cenário gritante e parecido que se vê diariamente nas TVs, no Brasil e no mundo".

Sociedade patriarcal

Cristiane Narciso, coordenadora de programas na Gol de Letra, relatou que, por questões culturais, em uma sociedade patriarcal que educa as meninas a ficarem em casa, enquanto os meninos podem ganhar o espaço das ruas, a ONG só recebia, em 2015, cerca de 30% de meninas. Para trazê-las para os centros da associação, foi necessário fazer um amplo trabalho de engajamento das famílias e da comunidade, de conquista de confiança. O esforço deu certo, porque já houve momentos em que as meninas representavam pouco mais de 50% das vagas. 

"Falar sobre a igualdade de gênero no esporte é fundamental, porque o esporte é uma ferramenta de transformação social, que contribui diretamente para a transformação pessoal", destacou Cristiane Narciso. 

O ex-jogador Raí organizou o debate por meio de sua fundação Gol de Letra.
O ex-jogador Raí organizou o debate por meio de sua fundação Gol de Letra. © RFI/Adriana Moysés

Ao final de duas horas de trocas de experiências e questões da plateia, Raí disse acreditar que este foi apenas o primeiro encontro de uma série de atividades que franceses e brasileiros irão desenvolver até a abertura de Paris 2024.

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