Guerras e manifestações marcam cenário político internacional em 2022
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Uma guerra que vem desconcertando o mundo, governos repressores diante de manifestantes corajosos e irredutíveis, guinadas eleitorais para a esquerda e para a direita, a morte de uma rainha eterna. Vamos lembrar alguns fatos marcantes de 2022.
Será que Volodymyr Zelensky, ator popular que se tornou presidente da Ucrânia em 2019, um dia teria imaginado que se transformaria em um estadista com fama e prestígio internacional, com direito a capa da revista Time como personalidade do ano? Esse papel teve início em 24 de fevereiro de 2022, quando a Rússia invadiu o território ucraniano.
No primeiro de muitos vídeos, já com uniforme de soldado, Zelensky fala aos ucranianos e ao mundo:
“O que estamos ouvindo hoje? Não são apenas explosões de foguetes, batalhas, o rugir de aviões. É o som de uma nova cortina de ferro bloqueando a Rússia do mundo civilizado. O exército ucraniano, nossas forças de fronteira, polícia e serviços especiais detiveram os ataques inimigos.”
Zelensky continua, fazendo apelo ao mundo ocidental: “Conversei com muitos líderes, do Reino Unido, Turquia, França, Alemanha, União Europeia, Estados Unidos, Suécia, Romênia, Polônia Áustria e outros. Se vocês, caros líderes europeus, caros líderes mundiais, líderes do mundo livre, se vocês não nos ajudarem hoje, amanhã a guerra vai bater em suas portas.”
Já o presidente russo, Vladimir Putin, apostava em uma ofensiva curta diante de um inimigo frágil e se explicava:
"Decidi lançar uma operação militar especial. Seu objetivo é proteger as pessoas que foram submetidas a abusos e genocídio pelo regime de Kiev por oito anos. E, para isso, trabalharemos para desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia e também para levar à justiça aqueles que cometeram numerosos crimes sangrentos contra civis, incluindo cidadãos da Federação Russa. Nossos planos não incluem a ocupação de territórios ucranianos. Não pretendemos impor nada a ninguém pela força."
É o início de um conflito anunciado, que impressiona pela duração e pelas consequências – perdas humanas, deslocamento de ucranianos, crise energética mundial.
Diante de rumores de que teria fugido, Zelensky grava vídeos em que aparece em Kiev e vira celebridade. Sempre de uniforme militar, ele recebe pessoas famosas, como o ator americano Sean Penn, e é convidado, por videoconferência, a eventos internacionais para reiterar seu apelo por mais fundos e armamentos.
A guerra deflagra o medo de uma crise alimentar mundial, devido ao bloqueio marítimo imposto pela Rússia no Mar Negro. Em julho, um acordo permite à Ucrânia retomar suas abundantes exportações de grãos. O gás e o petróleo entram na guerra; Rússia reage a boicotes e ameaça cortar o fornecimento de energia. As tensões geradas pelo conflito fazem a inflação disparar no mundo todo, ainda mal recuperado dos efeitos da pandemia.
Em setembro, Putin decreta a mobilização de cerca de 300 mil reservistas e assina a anexação de quatro territórios ucranianos total ou parcialmente ocupados, após "referendos" denunciados pela comunidade internacional.
Os ucranianos conseguem retomar territórios, mas a retaliação é imediata. A Rússia lança centenas de ataques à rede de energia ucraniana, deixando milhões de ucranianos no escuro, às vésperas do inverno europeu.
Crise se alastra
A crise de energia e inflacionária também bate à porta na França. Em uma entrevista no começo de dezembro, em viagem aos Estados Unidos, o presidente Emmanuel Macron mandou um recado aos franceses, diante das repercussões a respeito de eventuais apagões para conter o consumo de eletricidade:
"Nada de pânico. Isso é inútil. Estamos trabalhando nisso, o governo estâ se preparando para casos extremos que é de fato a necessidade de cortar a eletricidade por algumas horas durante o dia se faltar energia. Depende de nós. E então minha mensagem é de responsabilidade, mas pânico de forma alguma," disse o presidente francês, reeleito no mês de abril para um segundo mandato.
No entanto, os franceses voltaram às urnas para renovar o parlamento e inflingiram uma derrota ao partido de Macron, que perdeu maioria no poder legislativo.
Ultraconsevadores avançam na Europa
Na Europa, os ultraconservadores obtiveram vitórias importantes nas eleições legislativas de vários países, como a Hungria, França, Suécia e Itália.
Na Itália, Giorgia Meloni conquistou uma vitória histórica em setembro com seu partido pós-fascista Irmãos da Itália ("Fratelli d'Italia") e assumiu como chefe de governo em outubro.
Ela cumpre ao pé da letras as promessas de campanhas, principalmente sobre impedir a entrada de imigrantes ilegais. Em novembro, a Itália recusou que o navio humanitário Ocean Viking atracasse em suas costas, com mais de 230 imigrantes resgatados no Mar Mediterrâneo a bordo.
Instabilidade política no Reino Unido
Após uma sucessão de escândalos e de demissões em seu governo, o primeiro-ministro britânico, o conservador Boris Johnson, apresentou sua renúncia em julho. Liz Truss substitui Johnson por apenas 44 dias. Em seguida os conservadores escolhem o milionário Rishi Sunak para Downing Street. Sunak é o primeiro premiê britânico de origem indiana.
No dia 8 de setembro, dois dias após Liz Truss tomar posse, aconteceu a morte mais marcante do ano, a da rainha Elizabeth II, aos 96 anos. Os súditos britânicos fizeram, sem tumultos, uma fila que durou dias para um último adeus à soberana que reinou por 70 anos. O Reino Unido ganha na sequência um novo rei, Charles III.
Outra morte chocou o Japão e o mundo. No dia 8 de julho, quando o ex-primeiro-ministro Shinzo Abe foi assassinado enquanto fazia campanha para o seu partido. O assassino, de 42 anos, denunciava as ligações do governo com a seita Igreja da Unificação, do reverendo Moon, da Coreia do Sul. Abe foi abatido por tiros de uma arma caseira.
Irã se revolta
Em 16 de setembro, a curdo-iraniana Mahsa Amini, de 22 anos, morre em um hospital três dias depois de ser detida pela polícia moral. Ela foi acusada de violar o código de vestimenta do Irã para mulheres, que as obriga a cobrir o cabelo em público e usar roupas discretas.
Sua morte provocou uma onda de manifestações em todo país, a maior desde a Revolução Islâmica de 1979.
As jovens lideram os protestos. Muitas delas tiram e queima seus véus, como mostram vários vídeos que viralizaram nas redes sociais.
As manifestações pela liberdade das mulheres se transformam, progressivamente, em um movimento mais amplo dirigido contra o regime islâmico e se estendem às universidades e escolas, apesar da repressão.
As autoridades relatam mais de 300 mortes, enquanto uma ONG com sede na Noruega contabiliza pelo menos 448.
A repressão avança, com enforcamento público de manifestantes
Vírus sem controle
O líder chinês Xi Jinping conquista um terceiro mandato consecutivo à frente do Partido Comunista em outubro e se cerca de figuras leais para se tornar o líder mais poderoso da China moderna.
Em represália, a China faz manobras militares terrestres e marítimas de uma amplitude sem precedentes desde meados dos anos 1990. E o presidente americano, Joe Biden, diz que suas tropas defenderão a ilha autônoma, se ela for invadida pela China comunista, que a considera parte de seu território.
A estratégia "Covid zero" do país, que implica confinamentos de bairros ou cidades inteiras logo que um caso aparece, provoca manifestações no final de novembro de uma magnitude inédita há décadas. As autoridades reagem reprimindo, mas também decidem flexibilizar sua política sanitária. O número de contaminações explode em dezembro.
Retrocesso americano
Os Estados Unidos marcam o ano com um retrocesso jurídico histórico. Em junho, a Suprema Corte dos Estados Unidos devolveu a cada estado da União o poder de proibir o aborto em seu território, deixando de ser um direito constitucional – arduamente conquistado em 1973 no caso conhecido como “Roe contra Wade”.
Depois dessa mudança, cerca de 20 estados proíbem totalmente ou limitam seriamente o direito ao aborto. O assunto se impõe entre os temas mais importantes da campanha das eleições de meio de mandato ("midterms") de novembro.
Os resultados das eleições não geram a onda conservadora que os simpatizantes do ex-presidente Donald Trump esperavam. Os democratas mantêm o controle do Senado, e os republicanos têm uma apertada maioria na Câmara dos Representantes.
Apesar de tudo, Trump anuncia sua candidatura à eleição presidencial de 2024. A disputa pela indicação dos republicanos deve ser dura, em particular com o governador da Flórida, Ron DeSantis, uma nova estrela da direita americana.
Esquerda, volver
Enquanto isso, a Colômbia dá uma guinada histórica para a esquerda, com a eleição do ex-guerrilheiro Gustavo Petro para a presidência. Em entrevista exclusiva à RFI, a vice-presidente Francia Marquez falou sobre a nova gestão:
“No nosso governo está sendo construída uma institucionalidade para o povo que o Estado nunca representou, ou quando marcou presença, foi apenas em termos de presença militar. Essa institucionalidade para os ninguéns e as ninguéns, como dizia Eduardo Galeano, não estou disposta a fazer concessões no que diz respeito a isso. A elite que vinha governando este país nunca se dispôs a fazer concessões sobre a justiça social para o afrodescendente e indígenas”.
Lula voltará ao poder no Brasil, em 1º de janeiro.
(Com AFP)
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