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Reportagem

Em meio à violência no Haiti, ONG brasileira resiste e mantém distribuição de ajuda humanitária

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Quando a ONG Viva Rio chegou ao Haiti, em 2004, a convite das Nações Unidas (ONU) o cenário era de instabilidade, principalmente por conta da ação de grupos armados nas comunidades da capital Porto Príncipe. O objetivo na época era que representantes da ONG brasileira integrassem a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), que visava mediar os conflitos envolvendo esses grupos armados.

Os restos carbonizados de veículos que foram queimados em uma garagem são vistos em Porto Príncipe, Haiti, em 25 de março de 2024.
Os restos carbonizados de veículos que foram queimados em uma garagem são vistos em Porto Príncipe, Haiti, em 25 de março de 2024. AFP - CLARENS SIFFROY
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Renan Tolentino, em colaboração para a RFI

Hoje, 20 anos depois, a Viva Rio tenta resistir para continuar oferecendo ajuda humanitária à população vulnerável, principalmente em Porto Príncipe, um dos locais mais afetados. 

“A situação em Porto Príncipe principalmente, mais do que no resto do país é que aumentou muito a violência e se concentra sobretudo nos bairros Cité Soleil, Martissant, Croix-des-Bouquets, e no Centro da cidade", disse em entrevista à RFI o peruano Antonio González, chefe de missão da Viva Rio Haiti. 

Segundo ele, a estimativa é que nos três primeiros meses do ano já houve 50 mil deslocamentos internos no país."O aeroporto está fechado desde 29 de fevereiro, por conta de um ataque, e o porto está fechado desde 5 de março”.

Trabalho da ONG Viva Rio no Haiti
Trabalho da ONG Viva Rio no Haiti © Viva Rio Haiti

“Atualmente há um fenômeno de retirada de estrangeiros, que trabalham em diferentes empresas, e de funcionários das embaixadas, como fizeram os governos da República Dominicana, México e França. Eles vão embora de helicóptero ou barco”, relata González.

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Desde o começo de 2024, uma onda de violência assola o Haiti, que já atravessava uma crise política e de segurança. Segundo a ONU, foram mais de 1,5 mil mortos durante os três primeiros meses deste ano. A organização aponta que “fronteiras porosas” facilitam o fornecimento de armas e munições às gangues.

Aproveitando-se desta instabilidade, vários grupos armados uniram forças para atacar locais estratégicos na capital, Porto Príncipe, visando derrubar o primeiro-ministro, Ariel Henry.

Neste cenário, a violência também começou a afetar as atividades da ONG brasileira. Além da segurança de funcionários e beneficiários, González conta que a Viva Rio vem tendo que lidar com desafios logísticos e até mesmo saques a instituições auxiliadas, como escolas.

“Temos problemas logísticos atualmente com a violência, sobretudo, por exemplo, para fornecer materiais, para deslocamento… também uma das escolas que atendemos foi saqueada. Roubaram toda a comida que tínhamos levado. Além disso, como há problemas de segurança, tem momentos que precisamos paralisar obras por um ou dois dias e retomamos quando tudo volta quase ao normal”, lamenta.

O peruano também teve sua rotina afetada devido à onda de violência. Ele relata que a insegurança é grande e, por conta disso, tem passado os dias trancado dentro de casa, saindo apenas em casos de necessidade, como, por exemplo, para ir ao mercado.

“Com respeito à minha rotina, estamos basicamente confinados. Não se pode sair além de ir ao supermercado pontualmente para se abastecer. Porque às vezes quando a gente sai, pode encontrar barricadas na rua, então, pode acontecer de sair e não saber se poderá retornar para casa. Está bastante difícil, bem complexa a situação no momento”, explica González.

Trabalho da ONG Viva Rio no Haiti
Trabalho da ONG Viva Rio no Haiti © Viva Rio Haiti

De acordo o chefe de missão da ONG, atualmente, a Viva Rio Haiti emprega 100 funcionários e atende cerca de 25 mil pessoas por mês, principalmente nas escolas, dando suporte a 20 mil crianças em 54 unidades de ensino. Também há projetos que incentivam a capacitação profissional e empregabilidade, que ajudam quase 3 mil jovens e adultos.

Os serviços de apoio humanitário são variados e vão desde auxílio alimentar a escolas, limpezas nos bairros e suporte sócio-emocional aos funcionários, “para poderem lidar com o estresse e evitar conflitos, sobretudo neste momento que é muito perigoso”.

A ONG segue tentando encontrar caminhos para manter as atividades em meio ao contexto de insegurança. Não houve ataques diretos ao trabalho da Viva Rio no país. Entretanto, segundo González, duas pessoas ligadas à instituição foram vítimas da violência, que se tornou parte do cotidiano de Porto Príncipe nos últimos meses. Entre elas, uma criança atendida pela instituição e um funcionário.

“Com relação a situações de risco, vivemos dois incidentes na semana retrasada. Uma criança que fazia parte de um projeto de capoeira morreu vítima de uma bala perdida. E em outro, também um incidente de bala perdida, um dos nossos motoristas foi atingido no pé, mas quando estava em casa. Não houve nenhum atentado contra nossos empregados ou nossos beneficiários ou contra a Viva Rio de maneira direta”, conclui González.

Cenário mais grave que 2004

Para Pedro Braun, coordenador de Segurança Humana da Viva Rio no Brasil, a situação no Haiti atualmente é mais grave do que em 2004, quando a ONU deu início à missão de estabilização do país (que terminou em 2017).

Doutor em antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), ele também trabalhou para a ONG brasileira no Haiti até 2022 e acredita que os problemas políticos e de segurança que assolam o país desde o começo do ano são resultados de uma crise maior que vem se agravando nos últimos quatro anos.

“Este último ciclo de piora do país começa em 2018, na minha opinião. E a cada ano vai piorando. Desde então, existe um nível de violência e instabilidade política muito acentuada no país. Inicialmente com uma crise econômica aguda, crise de abastecimento de combustível, que desencadeou um grande movimento chamado "pays lock", com barricadas nas ruas, protestos, enfraquecimento paulatino do governo e a ascensão das gangues”, diz.

“Teve também a crise econômica que veio depois com a pandemia (a partir de 2020) [...] Então houve uma escalada desde 2018 até chegar a esse momento agora, com uma situação muito, muito difícil. O que todos falam é que a situação por lá é pior do que em 2004, quando iniciou a missão da ONU [para estabilização do país]”, avalia Pedro.

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