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Reportagem

Tratado de Amizade, Navegação e Comércio sela aproximação entre Brasil independente e França em 1826

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O reconhecimento da Independência do Brasil por Portugal, em agosto de 1825, abriu caminho para que outras nações da Europa realizassem o mesmo gesto político. Após a Inglaterra, que mediou o tratado entre o Rio de Janeiro e Lisboa, a França foi o segundo país europeu a reconhecer a soberania da ex-colônia portuguesa.

Quadro "A Coroação de D. Pedro I", de Jean-Baptiste Debret.
Quadro "A Coroação de D. Pedro I", de Jean-Baptiste Debret. © A. Brandão/ RFI
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O reconhecimento francês foi declarado em outubro de 1825, mas só foi oficializado em janeiro de 1826 com a assinatura do Tratado de Amizade, Navegação e Comércio entre Dom Pedro I, imperador do Brasil, e Carlos X, rei da França, assinado no Rio de Janeiro em 8 de janeiro de 1826, e ratificado pelo Brasil em 6 de junho e pela França em 19 de março do dito ano:

“Em nome da Santíssima e indivisível Trindade, sua majestade o imperador do Brasil e sua majestade El-rei de França e de Navarra, querendo estabelecer e consolidar as relações políticas entre as duas coroas, e as de navegação e comércio entre o Brasil e a França, julgaram por conveniente fazer o presente Tratado de Amizade, Navegação e Comércio, em benefício comum dos seus respectivos súditos e em vantagem recíproca de ambas as nações.

"Por este ato, sua majestade El-rei de França e de Navarra, no seu nome e de seus herdeiros e sucessores, reconhece a independência do império do Brasil e a dignidade imperial na pessoa do Imperador D. Pedro I e de seus legítimos herdeiros e sucessores (...)”, reconhece a introdução do tratado.

“Demora clássica”

A França demorou mais de três anos para reconhecer o novo país, enquanto a Argentina levou cerca de onze meses e os Estados Unidos cerca de 20 meses.

Na opinião do historiador Laurent Vidal essa demora do reconhecimento da independência do Brasil pela França e por outras potências europeias “é uma demora clássica” no contexto da época.

“Essencialmente, a Europa estava olhando para a posição de Portugal e Portugal só foi reconhecer em agosto de 1825. Só depois do reconhecimento dessa independência por parte de Portugal é que os outros países europeus vão começar a se posicionar. Um segundo elemento que explica essa demora é que a situação política francesa é a da restauração com Carlos X. E ele não queria muito a independência de uma ex-colônia, queria mais a volta da colonização do Brasil”, contextualiza o historiador francês.

Aspecto econômico

Além do aspecto político, há o aspecto econômico. A invasão de Lisboa por tropas de Napoleão em 1807 obrigou Dom João e a corte portuguesa a irem para o Brasil, sua colônia mais rica. França e Portugal entraram em guerra, inclusive com a ocupação da Guiana Francesa por tropas portuguesas.

A França ficou de fora da Abertura dos Portos às Nações Amigas assinada em 1808, que beneficiou principalmente a Inglaterra. A queda de Napoleão e o Congresso de Viena, em 1815, trouxeram a paz e possibilitaram o início da aproximação entre França e Portugal.

Paris quis aproveitar as negociações para o reconhecimento do Brasil independente para obter as mesmas vantagens e tarifas alfandegárias que os ingleses, mas apesar do tratado de 1826 as relações comerciais só se firmaram quase 20 anos depois, após a realização de um casamento real que uniu as famílias Bragança e Orléans

 “O tratado comercial de 1826 melhorou a situação, mas a França demora para investir, notadamente porque está com uma boa parte da economia voltada para novas políticas coloniais em relação à África. Essa aproximação da França com o Brasil só vai ser firmada definitivamente com o casamento, em 1843, do filho do rei Luís Felipe, o príncipe de Joinville, com a irmã do Dom Pedro II, Dona Francisca. O final dos anos 20 e os anos 30 são momentos de tensão, mas a partir desse casamento a gente passa a um outro momento”, lembra o historiador francês. 

Mas essa aproximação e influência francesa no Brasil começaram muito antes desse casamento ou do reconhecimento da ex-colônia portuguesa como nação soberana pela França. Muitos franceses tiveram participação na construção do Brasil independente pós 7 de setembro de 1822. Um desses personagens foi Pierre Labatut, ex-general de Napoleão, que emigrou para o Brasil, e ajudou a pacificar províncias contrárias a independência brasileira.

“É uma história complexa a história da França e do Brasil nesses anos que seguem a Independência. Esse general francês vai ser recrutado por Dom Pedro I para coordenar e liderar as tropas que vão defender a Independência. Ele vai até o Nordeste para lutar contra as tropas portuguesas que tentavam organizar uma contra revolução. Essa luta pela independência vai ser um pouco difícil, mas o general Labatut vai conter as tentativas contra a revolução”, conta Laurent Vidal.

Influência francesa no campo cultural

A influência e presença francesa no campo cultural também foram importantes. Desde 1816, artistas da Missão Francesa desembarcam no Rio de Janeiro para fundar a Academia de Belas Artes do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Um dos integrantes da missão, o pintor Jean-Baptiste Debret, foi o responsável por criar a iconografia do novo país independente e por organizar a encenação do 7 de setembro. Foi Debret quem pintou o quadro da “A Coroação de Dom Pedro I” e foi ele quem desenhou a bandeira do Brasil Império

“A transformação da bandeira do Brasil foi um processo lento. O losango amarelo no retângulo verde da bandeira do Império era a forma do escudo do D. João VI. Tem outros elementos, os ramos de tabaco e café que sustentam a esfera. É uma reciclagem permanente das formas com interpretações distintas. O Debret não inventou completamente, foi uma recolocação dos elementos tradicionais para criar essa bandeira”, descreve o sociólogo francês Jacques Lenhardt, organizador da reedição do livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, de Jean-Baptiste Debret.

Em primeiro plano, a Bandeira Imperial do Brasil, seguida pela Bandeira em vigor e ao fundo, Bandeira provisória da República.
Em primeiro plano, a Bandeira Imperial do Brasil, seguida pela Bandeira em vigor e ao fundo, Bandeira provisória da República. © Foto: José Cruz/Agência Brasil

A bandeira do Brasil Império foi utilizada de 1822 até a Proclamação da República em 1889, quando foi substituída pelo símbolo atual, que recupera vários elementos desenhados pelo francês Debret. A influência francesa e a relação bilateral, tanto comercial quanto cultural, cientifica e universitária, continuaram nos anos seguintes e apesar de divergências recentes, a França continua sendo um dos principais parceiros do Brasil.

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