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Radar econômico

Déficit em alta leva França quebrar tabu de cortes de gastos sociais

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As contas públicas da França estão em pior situação do que o governo esperava: o déficit em 2023 chegou a 5,5% do Produto Interno Bruto, 0,6% a mais do que o previsto. Além disso, a França ainda é um dos únicos seis países da União Europeia com endividamento público superior a 100% do PIB nacional (111,6%). Os resultados colocam Paris nas últimas posições no ranking do equilíbrio fiscal no bloco e levam o país a mexer em um de seus tabus: o corte de gastos sociais e de saúde.

Franceses agora precisam gastar mais do próprio bolso quando compram medicamentos.
Franceses agora precisam gastar mais do próprio bolso quando compram medicamentos. AP - Francois Mori
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Na escolha entre aumentar as receitas ou diminuir as despesas, o governo tem optado pela segunda opção. Os franceses se beneficiam de um dos sistemas sociais mais generosos do mundo, mas restrições ao acesso universal à saúde vêm sendo impostas progressivamente. Assim, desde o último 31 de março, a contribuição financeira dos pacientes para cada consulta paramédica – como fisioterapeutas ou enfermeiros – ou na compra de uma caixa de medicamentos passou de € 0,50 para € 1. Já a subvenção dos transportes sanitários, que permitem a doentes terem acesso a táxis, caiu pela metade. 

Graças às mudanças, o governo espera uma economia de € 360 milhões ao ano. Em uma entrevista à emissora francesa RMC, o ministro da Economia e das Finanças, Bruno Le Maire, disse que a compra de medicamentos "não pode ser um open bar”.

Sinalização para investidores

O analista Bruno de Moura Fernandes, head de macroeconomia da seguradora Coface, lembra que o país teria margem para cortes, já que está no topo da lista dos gastos públicos na Europa. Ele avalia que as decisões recentes visam enviar uma mensagem para os mercados financeiros.

“Acho que são anúncios mais para as agências [de avaliação de crédito], para dizer que ‘nós estamos dispostos a tocar no nosso sistema social’”, afirma. “O problema é que estamos numa fase em que vai ser muito difícil reduzir as despesas de investimentos na transição ecológica, de defesa, por causa da guerra na Ucrânia, e no digital, ao mesmo tempo em que precisamos diminuir o déficit. O governo está frente a uma equação difícil, por isso já anuncia que vai reduzir algumas despesas sociais.”

Primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, anunciou novas regras de acesso ao seguro-desemprego na França. (20/03/2024)
Primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, anunciou novas regras de acesso ao seguro-desemprego na França. (20/03/2024) via REUTERS - LUDOVIC MARIN

Em março, Paris já havia promovido uma nova reforma das regras de acesso ao seguro-desemprego, cuja duração passou a ser indexada ao índice oficial de desemprego no país. Na prática, isso significa que o limite máximo para o recebimento do benefício passa de 24 para 18 meses. Foi a terceiro aperto das regras em quatro anos.

A França é o país europeu que mais gasta com benefícios sociais, num total de € 849 bilhões em 2022, ou 32% do seu PIB. O valor destinado à saúde também é o maior no bloco, ao consumir 10% do total de riquezas francesas.

Impacto da Covid-19

A degradação das contas públicas se aprofundou na sequência da crise da Covid-19, quando o país adotou a política arriscada de manter a economia funcionando “custe o que custar”. Ao final de três anos, o montante para enfrentar o choque da pandemia chegou a € 170 bilhões. 

Só que, nos anos seguintes, a economia não cresceu como esperado. A arrecadação caiu, em vez de subir para compensar o rombo da Covid. O cenário atual é visto como preocupante e a redução da nota de crédito da França não está descartada, observa Moura Fernandes.

“É muito possível”, indica. “A dívida é sustentável enquanto os investidores acreditam que ela é. Se as taxas de juros começam a subir muito, as despesas com os juros também sobem e a dívida fica ainda mais difícil, como foi o caso da Itália.”

Queda de impostos é ‘dogma’ de Macron

O Ministério da Economia e das Finanças mantém a determinação de reduzir o déficit a 3% até 2027, e assim se adequar à determinação europeia, mas descarta mexer na carga tributária para aumentar as receitas. A redução dos impostos é um dogma do presidente Emmanuel Macron desde a sua eleição, em 2017.

O economista Henri Sterdyniak, do Observatório Francês de Conjuntura Econômica, ressalta que os cortes de impostos daquele ano até 2020 tiveram um impacto de € 70 bilhões no orçamento – justamente o valor estimado para a França atingir a meta de 3% estabelecida por Bruxelas.

“Vai ser extremamente difícil encontrar esse dinheiro, uma vez que o governo se recusa a voltar atrás sobre essas diminuições de impostos, a taxar mais os ricos ou as empresas que registram altos lucros”, salienta. “Também poderíamos esperar mais crescimento, o que geraria mais arrecadação e diminuiria, relativamente, o peso do déficit. Só que não estamos nesta trajetória. Então vai ser muito, muito difícil”, avalia Sterdyniak.

Os planos de cortes de gastos já revelados chegam a € 20 bilhões. Em paralelo, em março, o governo francês anunciou que um programa para identificar fraudes fiscais e sociais resultou em € 15 bilhões de receitas suplementares em 2023. 

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