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Radar econômico

Juros altos nos EUA mantêm economias em desenvolvimento sob a sombra de crise

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Os juros elevados nos países ricos, sem qualquer sinal de queda, desenham um futuro nebuloso no horizonte das economias menos desenvolvidas, estranguladas pelo aperto monetário. Os países mais vulneráveis estão na África, mas grandes emergentes como o Brasil também ficam à mercê das decisões dos Bancos Centrais americano e europeu.

Presidente do Federal Reserve, o Banco Central americano, Jerome Powell, está à frente da política monetária da maior economia do planeta. (14/12/2022)
Presidente do Federal Reserve, o Banco Central americano, Jerome Powell, está à frente da política monetária da maior economia do planeta. (14/12/2022) © REUTERS/Evelyn Hockstein
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As taxas altas no norte para conter a inflação persistente levam a uma cadeia de problemas nos países do sul, que também se veem obrigados a manter os seus índices elevados para evitar uma fuga ainda maior de capitais e a desvalorização das suas moedas nacionais, com efeito dominó sobre toda a economia.

A questão que se coloca é: esse ciclo só vai se inverter quando os juros começarem a cair no norte? "O que os Bancos Centrais, todos, estão comunicando é que nenhum deles sabe avaliar muito bem o porquê da persistência inflacionária, principalmente no hemisfério Norte. E isso tudo traz à tona uma série de perguntas sobre o nosso entendimento geral sobre as causas inflacionárias, como funciona realmente a política monetária hoje, quais são os fatores que a gente desconhece e de tal forma que nem o curto prazo os Bancos Centrais estão conseguindo enxergar”, avalia a economista Monica de Bolle, pesquisadora senior do Instituto Peterson de Economia Internacional, em Washington.

"O próprio Jerome Powell, presidente do Fed, já disse que a política monetária não atinge mais a economia com a mesma força que atingia anteriormente, afinal houve a subida extraordinária de juros nos Estados Unidos, de praticamente zero para 5%, e quase não houve queda inflacionária depois", constata.

Além da depreciação cambial, as consequências imediatas nas economias mais vulneráveis são a explosão da dívida, a dificuldade de acesso ao crédito e risco de crise monetária, podendo resultar em crise de dívida soberana, nos casos mais graves.

Sem risco sistêmico

Quatorze países já se encontram em situação de dívida excessiva ou quase excesso. Em 2022, um quinto das nações mais pobres queimaram mais de 15% das suas reservas oficiais para compensar o impacto da desvalorização das suas moedas.

"Em comparação com o que aconteceu nos anos 1990, essa crise gerada pela alta das taxas nos Estados Unidos é completamente diferente. Na década de 90, tínhamos 40 países em crise, e hoje são menos de 10”, minimiza Thais Baptista, especialista em mercados emergentes no Schelcher Prince Gestion, em Paris.

"Os que estão em estresse são muito pequenos, e não são sistêmicos. Alguns já estão quebrados, como Líbano, Sri Lanka, e a Argentina, dado o vencimento da dívida, é esperado que ela entre em default entre outubro e novembro”, aponta. “Mas tem grandes emergentes indo super bem, como Índia, Indonésia, México”, salienta a gerente de portfólio.

De maneira geral, a situação atual leva a atraso no desenvolvimento, já que mais recursos estão sendo redirecionados para pagar juros da dívida. Sem investimentos, é o crescimento econômico que encolhe.

O Banco Mundial espera resultados pífios nos países em desenvolvimento e emergentes neste ano e no próximo, à exceção do leste e sul da Ásia. Até o fim de 2024, a atividade econômica na maioria destes países deve ser 5 pontos percentuais a menos do que o esperado antes da pandemia de Covid-19, levando quase um terço deles a registrar uma renda média por habitante inferior ao patamar de 2019, principalmente na América do Sul e Central e na África Subsaariana, indicou um relatório da instituição, no início de junho.

Baixar ou não a Selic?

No Brasil, a taxa básica a índices recordes, de 13,75% deve continuar a estrangular o crescimento. O Banco Mundial espera que o país vá crescer apenas 1,2% em 2023, bem abaixo da média de 4% projetada para os países emergentes. O fraco desempenho deve continuar no ano que vem, com alta de 1,4% do PIB brasileiro, ante a 4,3% no conjunto de emergentes.

"O Banco Central do Brasil reluta em reduzir as taxas porque os outros estão mantendo as suas muito altas – e faz sentido que seja assim, embora a gente talvez gostasse da ideia de ver taxas mais baixas nesse momento, afinal isso pode ter consequências graves na economia, que podem levar o país para uma situação mais complicada à frente. Mas os bancos centrais nunca podem estar muito desalinhados uns dos outros porque tem efeitos diversos”, salienta De Bolle. "Entretanto, alguns países, e no meu entender o Brasil é um deles, teriam a capacidade de começar a dar um apoio à sua economia doméstica por meio de uma redução gradual da taxa de juros sem que isso trouxesse grandes prejuízos – porque o país está frágil, mas não está tão frágil assim”, afirma.

Thais Baptista também segue nesta linha. "Nos últimos meses, as moedas emergentes estão subindo, então eu acho que tem espaço já para começar a baixar a taxa de juros. Vendo que as moedas estão se comportando dessa maneira fora, acho que vão começar a baixar antes, e já está acontecendo: a Hungria, que era o país que tinha o juro mais alto, já baixou duas vezes, de 18 para 16%. O próximo deve ser o Chile e depois, o Brasil”, aposta.

Perda de renda

A Unctad, Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, previu em abril que esse ciclo de aumento de juros vai custar mais de US$ 800 bilhões em perda de renda nos países em desenvolvimento, nos próximos três anos.

Nesta conjuntura de incertezas, os países em desenvolvimento se tornam menos atraentes para a entrada de capitais estrangeiros: o investimento bruto deve crescer apenas 3,5% em média entre 2022 e 2024, menos da metade do que foi registrado nas últimas duas décadas, apontou o Banco Mundial. Tudo isso os torna “muito vulneráveis a novos choques”, advertiu a instituição.

A pressão tem aumentado para uma reestruturação da dívida soberana dos países mais fragilizados, como Zâmbia, Chade ou Etiópia. Mas o problema, ressalta De Bolle, é que atualmente a maioria deles tem a China como principal credora.

"No que diz respeito ao papel da China como financiadora do resto do mundo, a China não pertence a nenhum desses fóruns internacionais de negociação de dívida soberana. Então, está tudo nas mãos dos chineses e como eles vão renegociar”, frisa. "E como é que você traz a China para a mesa, numa situação em que a geopolítica global está completamente intrincada porque os países do Atlântico Norte estão hoje extremamente preocupados com a ascensão da China e o que isso significa para a sua própria atuação na economia mundial?”, questiona a economista.

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