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Planeta Verde

Como Paris vai despoluir o rio Sena 100 anos depois da proibição para o banho?

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Faz décadas que os parisienses esperam o cumprimento de uma promessa que parecia inatingível: voltar a tornar o rio Sena próprio para o banho, como era comum no século 19. Mas os Jogos Olímpicos de 2024, realizados na capital francesa, impuseram um prazo sem volta para esse objetivo.

Despoluição do rio Sena será o principal legado dos Jogos Olímpicos de Paris para os moradores da cidade. (11/07/2023)
Despoluição do rio Sena será o principal legado dos Jogos Olímpicos de Paris para os moradores da cidade. (11/07/2023) AP - Christophe Ena
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Lúcia Müzell, da RFI

Quem circula pelo Canal Saint Martin num domingo neste verão já pode ver a promessa saindo do papel: um trecho de 100 metros do local está aberto para banhistas. A novidade sinaliza o fim de uma epopeia iniciada há quase 10 anos, quando Paris foi escolhida como a sede da Olimpíada do ano que vem. O projeto prevê que algumas das provas mais emblemáticas da competição, como a maratona aquática e o triatlo, acontecerão no rio que corta a Cidade Luz.

Os três maiores desafios são desviar a água de esgoto, que ainda vai parar no Sena, melhorar a eficiência das estações de tratamento e acabar com a poluição gerada pelo tráfego fluvial, com a circulação de embarcações de turismo e transporte de pessoas e mercadorias.

Durante todo o verão na França, parisienses podem se banhar aos domingos no Cala Saint-Martin, que desemboca no rio Sena.
Durante todo o verão na França, parisienses podem se banhar aos domingos no Cala Saint-Martin, que desemboca no rio Sena. © Prefeitura de Paris/ divulgação

Pierre Rabadan, secretário municipal encarregado dos Jogos Olímpicos e do Sena, ressalta que o evento vai forçar a reparação de uma “anomalia da industrialização”, que levou as grandes cidades a poluírem os seus rios – historicamente fonte de vida nas zonas urbanas.

"Obras muito grandes foram feitas nas duas maiores estações de tratamento da região parisiense, para que a água jogada no Sena seja de melhor qualidade e tenha menos impacto bacteriológico. E uma segunda etapa é reajustar as canalizações de modo a não mais permitir que as águas de esgoto sejam despejadas no Sena”, explica. "É uma etapa que ainda está sendo cumprida, progressivamente. Em Paris, os 260 barcos que circulam no rio serão todos obrigados, até 2024, a se conectar ao sistema municipal de esgotos, algo que antes não era possível tecnicamente, mas agora é.”

Os dejetos dos barcos representam uma gota d’água perto do esgoto gerado por cerca de 30 mil casas, cujas canalizações não estavam conectadas como deveriam às estações de tratamento. Assim, a água poluída ia parar no Sena ou no Marne, outro importante rio da região parisiense.

Reservatório captará água da chuva

A segunda maior obra do projeto é a construção de um imenso reservatório subterrâneo no bairro de Austerlitz, ao leste da capital, para captar água das chuvas quando ocorrem fortes tempestades. A estrutura tem 50 metros de diâmetro por 30 metros de profundidade, com capacidade máxima de 46 mil metros cúbicos de água. 

"Quando a chuva cai, a água corre e vai parar no mesmo local para onde vai a água usada nos vasos sanitários, nas pias e nas duchas das moradias. Para evitar que não transborde em plena rua, nós jogamos essa mistura de esgoto e água pluvial no Sena”, diz Samuel Colin Canivez, diretor de Saneamento da prefeitura. "Com essa obra, queremos interceptar as águas excedentes, deixá-las nesse reservatório enquanto a tempestade não passa e depois, encaminhá-las para tratamento, antes de serem despejadas no rio”, complementa.

Obras para a construção de um reservatório de água pluvial estão quase prontas no bairro de Austerlitz, no leste de Paris, e ajudarão a cidade a evitar a poluição do rio Sena nos dias de fortes chuvas. (15/06/2023)
Obras para a construção de um reservatório de água pluvial estão quase prontas no bairro de Austerlitz, no leste de Paris, e ajudarão a cidade a evitar a poluição do rio Sena nos dias de fortes chuvas. (15/06/2023) AFP - ANNE-CHRISTINE POUJOULAT

Com o avanço das obras, a um custo total de 1,4 bilhão de euros, Paris tem realizado eventos pontuais no Sena, para reconquistar a confiança dos parisienses. Uma pesquisa realizada em 2021 apontou que apenas 12% dos moradores estariam dispostos a se jogar no local e nadar – algo que era comum um século atrás, quando os habitantes costumavam se esbaldar no rio.

Agora, um argumento de peso é que 32 espécies de peixe já voltaram a viver no Sena – 10 vezes mais do que nos anos 1980.

Legado para os parisienses

Uma vez que o projeto estiver finalizado, a prefeitura realizará testes regulares na água para verificar a presença de bactérias e coliformes fecais e assegurar que continua própria para o banho, no que deve ser o principal legado dos Jogos para a cidade.

Três pontos do Sena serão adaptados até 2025 para receber banhistas, no oeste, centro e leste da cidade.

Rabadan salienta que o governo municipal ainda não decidiu se o rio ficará permanentemente aberto para os visitantes ou se o nado será autorizado em apenas alguns períodos do ano, como nos dias quentes.

"No último verão, por exemplo, a água já esteve apta para o banho em 70% dos dias, com qualidade da água satisfatória ou excelente. E para dar uma ideia, no ano passado, durante os mesmos dias em que vão ocorrer os Jogos Olímpicos em 2024, a água estava própria em 92% dos dias”, afirma o secretário municipal. "O nosso compromisso é que sempre que a qualidade da água permitir, segundo as normas europeias, o Sena estará aberto para banho."

A despoluição também se insere nos objetivos de longo prazo para a capital se preparar para enfrentar temperaturas cada vez mais elevadas e mais frequentes, devido às mudanças climáticas. Paris tem ampliado as áreas verdes e o rio será um refúgio para quem estiver na cidade em dias de picos de calor.

"Na evolução climática que estamos vendo, será necessário termos cada vez mais espaços de frescor nas cidades e o Sena será um deles”, indica Rabadan.

Produtos químicos

Embora a despoluição seja bem recebida pelos moradores, entidades ecologistas alertam para aspectos do projeto que podem ser perigosos para o meio ambiente. A organização France Nature Environnement teme vazamentos de ácido peracético, utilizado para a desinfecção química da água, e que poderia ser altamente tóxico para o ecossistema fluvial.

A entidade também alerta que a prefeitura visa a eliminação de bactérias potencialmente mortais, como escherichia coli, mas não prevê um plano para controlar a poluição química gerada por indústrias e produções agrícolas na região parisiense, que também vão parar no Sena.

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