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Planeta Verde

Ofensiva antiambiental no Congresso brasileiro está ainda mais forte que no governo Bolsonaro

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Enquanto o governo envia sinais contraditórios sobre o rumo da política ambiental no país, a bancada ruralista no Congresso acelera a ofensiva para promover retrocessos na legislação. O chamado “pacote da destruição” em tramitação na Câmara ou no Senado mais que triplicou em relação aos anos Jair Bolsonaro, denunciam organizações ambientalistas. 

No último acampamento Terra Livre, promovido por indígenas de todo o Brasil na capital federal, as críticas à falta de ação do governo federal se acentuaram. (25/04/2024)
No último acampamento Terra Livre, promovido por indígenas de todo o Brasil na capital federal, as críticas à falta de ação do governo federal se acentuaram. (25/04/2024) REUTERS - Adriano Machado
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A lista atualmente conta com mais de 20 projetos de lei, entre eles alguns que visam desidratar o Código Florestal, maior instrumento legal de proteção das florestas no país. Os textos vistos como os mais perigosos são o PL 3.334/2023, que pode reduzir a área de preservação da Amazônia para 50%, em vez dos atuais 80%, o PL 364/2019, que transforma em áreas rurais aquelas com vegetação de tipo não florestal, como as do Cerrado e do Pantanal, os PLs 1366/2022 e o 10.273/2018, que amputam recursos financeiros de órgãos ambientais responsáveis pela fiscalização, como o Ibama, e o chamado PL da devastação, 2.159/2021, pelo qual as regras de licenciamento ambiental no Brasil seriam amplamente flexibilizadas. 

“O Brasil tem uma legislação forte, consistente, embora a gente tenha dificuldade de implementação. Mas eles estão tentando flexibilizar essa legislação de forma geral”, alerta Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima. “Estamos vendo isso todo dia. Esses são os que estão na pauta nas últimas semanas. Eles ainda têm que tramitar nas duas Casas de forma completa, mas as chances de passarem são grandes.”

A bancada ruralista conta com uma maioria de 324 dos 513 deputados federais e 50 dos 81 senadores – o que significa que é capaz de aprovar ou barrar qualquer texto. O grupo, hoje mais numeroso do que durante o governo anterior, encara as regras ambientais como entraves que precisam ser combatidos. A Comissão do Meio ambiente sequer tinha presidente e não havia realizado nenhuma sessão este ano, até o fim de abril.

Exemplos recentes do que essa força representa foram a aprovação da nova lei dos agrotóxicos e sobre o marco temporal, referente à delimitação dos territórios indígenas, em 2023.

Lula no exterior x realidade do Congresso

Nas viagens ao exterior, o presidente Lula tem exaltado o desempenho do governo, com trunfos como a queda do desmatamento da Amazônia e a adoção do primeiro Plano de Transformação Ecológica, pelo Ministério da Fazenda. Mas no âmbito nacional, está mais difícil de avançar na pauta ambiental do que parece

Com a configuração atual do Congresso, os projetos que envolvem o tema viraram "moeda de troca" para o governo aprovar outras agendas prioritárias, a exemplo da Reforma Tributária, aprovada no fim de 2023. Os paradoxos dentro do próprio governo sobre até que ponto o meio ambiente é, de fato, uma prioridade, fortalecem a percepção de que existe um olhar dúbio sobre o assunto – e abrem a brecha para que os projetos de lei envolvendo a pasta fiquem reféns do Congresso.

“A demanda da bancada ruralista é a pauta ambiental. Tem uma racionalidade. O que não dá é para aceitar que a pauta ambiental seja a moeda de troca”, aponta Araújo.

Os embates entre os ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, de um lado, e dos Minas e Energia, do outro, são frequentes. O ministro Alexandre Silveira planeja alçar o país de nono para quarto maior produtor mundial de petróleo e defende que os recursos financiem o desenvolvimento do Brasil, em contradição com a emergência climática.

O próprio presidente Lula também não esconde o desejo de ver avançar novas frentes de exploração do óleo no Brasil, como na bacia da foz do rio Amazonas. Na Câmara, até o deputado petista Nilto Tatto, coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, defende essa posição.

“É papel nosso, enquanto ambientalistas, trabalhar para que se pare de utilizar as energias fósseis, mas eu também não posso falar aqui, de forma simples, que é fácil para o Brasil abandonar essa energia, por aquilo que ela representa, do ponto de vista de recursos e de capacidade do país, em termos de investimentos – inclusive na transição ecológica”, afirmou o parlamentar, à RFI Brasil.

A dinâmica das votações também tem pego o governo de surpresa, ao passarem pelas comissões parlamentares – dominadas pelos ruralistas – sem sequer a realização de debates. Foi assim que o projeto de lei para limitar a cobrança da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental acabou de avançar. Se aprovada, a mudança resultará em um corte estimado em 25% das receitas do Ibama, o órgão responsável por coibir crimes ambientais no país.

"É evidente que a atual legislatura é desfavorável, mas, em geral, o governo não tem oferecido a resistência necessária para conter os graves retrocessos socioambientais em tramitação no Congresso, mesmo que sua aprovação signifique o descumprimento das metas climáticas, das promessas presidenciais e das políticas públicas em andamento, como o PPCDAm, que visa a proteção da Amazônia", salientou Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).

Mais firmeza com deputados da base

O deputado Nilto Tatto avalia que o Planalto deveria ser mais firme com os deputados da base que não têm seguido as orientações do governo.

“Na hora da votação, o governo recomenda e eles não seguem. Não é tão simples dizer que a pauta está sendo moeda de troca para aprovar outras pautas”, argumenta. “Eu gostaria que o governo adotasse medidas mais drásticas. Poderia usar outros instrumentos para pressionar, como cargos reivindicados pelos partidos políticos e parlamentares, e emendas. Tem outros instrumentos para fazer valer o plano de governo que foi eleito e está sendo implementado pelo Executivo, e que o Congresso Nacional acaba atrapalhando em parte”, salienta.

Além dos projetos do “pacote de destruição”, os ruralistas se mobilizam para alterar o DNA dos projetos voltados à transição energética do país – ainda sem estratégia clara, nem prazos, para se concretizar. O processo começou no ano passado, com a aprovação da regulamentação sobre as usinas eólicas offshore. Só que a Câmara incluiu no texto uma série de incentivos para indústrias poluentes, como gás e carvão.

Da mesma forma, o projeto sobre os créditos de carbono no Brasil passou pelo Senado, mas os senadores excluíram do mercado regulado o setor agropecuário – que responde por 75% das emissões de gases de efeito estufa brasileiras.

Os parlamentares também têm na mira as futuras leis sobre o hidrogênio verde e os biocombustíveis, entre outros projetos.

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