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Planeta Verde

Cúpula em Paris: por que o financiamento climático não sai do papel?

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A presidência francesa organiza nesta quinta (22) e sexta-feira (23) uma cúpula internacional para acelerar as negociações de acesso a mecanismos a financiamento, principalmente pelos países do sul global. O encontro tem a crise climática como pano de fundo e a urgência de colocar em prática recursos bilionários para os países em desenvolvimento serem capazes de enfrentar o desafio da transição ecológica. Cerca de 100 líderes estarão presentes, entre eles o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva.

Ativistas realizam protesto para pedir imposto climático de grandes emissores de gases de efeito estufa, como a indústria fóssil. (21/06/2023)
Ativistas realizam protesto para pedir imposto climático de grandes emissores de gases de efeito estufa, como a indústria fóssil. (21/06/2023) REUTERS - GONZALO FUENTES
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O assunto azeda há anos o diálogo nas Conferências do Clima da ONU (COPs), nas quais os países definem um caminho comum a seguir para combater as mudanças climáticas. Desde 2009, pelo menos, o que não faltam são compromissos não respeitados: até hoje os US$ 100 bilhões por ano prometidos pelos países desenvolvidos a partir de 2020 não saíram totalmente do papel, embora tenham sido oficializados no Acordo de Paris, com o Fundo Verde do Clima. Esse valor – que já se mostrou subestimado – deveria ser disponibilizado ao longo de ao menos cinco anos para ajudar as nações mais vulneráveis.

“Primeiro foi muito difícil de determinar de onde viria esse dinheiro. Os países mais endividados, com as economias menos avançadas e mais dependentes dos fluxos internacionais de financiamento climático, cobraram ao longo do tempo que esses recursos fossem públicos, dos contribuintes dos países ricos – enquanto estes, que têm responsabilidade maior em relação ao aquecimento global, alegavam que os recursos privados também tinham que ser contabilizados”, explica Natalie Unterstell, especialista em financiamento climático e presidente do Instituto Talanoa.

Retomada da confiança entre Norte e Sul

O aumento da transparência é o ponto-chave para desbloquear as ajudas financeiras: os países ricos alegam não ter as garantias necessárias quanto ao destino dos recursos. Neste contexto, a confiança entre ricos e pobres se rompeu, o que tem levado a COPs cada vez mais travadas para a chegada de acordos em outros temas cruciais, a começar pela redução de emissões de gases de efeito estufa.

“Na verdade, para os países ricos, é muito interessante que as nações em desenvolvimento avancem, porque se não tiver mitigação por parte de todos, nós todos vamos sofrer os efeitos. Por isso é tão importante que eles coloquem o dinheiro na mesa”, complementa Unterstell.

Na tentativa de restabelecer os laços perdidos entre o Norte e o Sul, durante o evento o governo da França deve anunciar, enfim, o cumprimento da promessa dos US$ 100 bilhões neste ano. Entretanto, os cálculos atualizados elevam os valores necessários a pelo menos cinco vezes mais, podendo chegar a US$ 2,4 trilhões por ano a partir de 2050, conforme apontou um relatório encomendado pela presidência da COP do Egito, em 2022.

O tema tem tudo para se transformar em uma nova ‘novela’, que a Cúpula para o Novo Pacto Global de Financiamento almeja começar a desenrolar.

O encontro em Paris visa reformular a estrutura financeira internacional em vigor, adotada há 60 anos com os acordos de Bretton Woods. O funcionamento e o acesso às instituições multilaterais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial são considerados obsoletos para atenderem às necessidades de recursos para os países enfrentarem a pobreza, promoverem o desenvolvimento e, ao mesmo tempo, encararem o desafio da transição ecológica.

Até hoje, a maior parte da transferência dos recursos ocorreu por meio de empréstimos, muitas vezes com taxas altas, que os países pobres têm dificuldades de honrar. A renegociação dessas dividas, à luz dos impactos que essas economias já sofrem devido às mudanças climáticas, será um ponto delicado dos debates.

“O problema central a atacar é que os mais pobres pagam mais para acessar ao capital. É isso que os mais pobres querem mudar: eles acham que o sistema está quebrado”, diz a especialista. “A verdade é que uma reforma depende bastante dos países que têm assento e mais poder de mudança dessas grandes instituições, como a França e os Estados Unidos. Além disso, essas instituições multilaterais precisam promover um desenvolvimento que seja resiliente ao novo clima e compatível com a transição para baixo carbono. Muitas vezes, elas ainda estão financiando um tipo de desenvolvimento em infraestrutura, por exemplo, que não é compatível com o desafio climático”, salienta.  

Papel dos bancos de desenvolvimento

A diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, o novo presidente do Banco Mundial, Ajay Banga, e os presidentes de cerca de 150 bancos públicos de desenvolvimento estão entre os participantes do evento. “Nós vamos falar bastante dos compromissos já assumidos. Ninguém duvida que muitos dos chefes de Estado presentes vão perguntar: ‘afinal, onde está o dinheiro?’”, afirma o diretor-geral da Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), Rémy Rioux.

“Espero que consigamos nos reaproximar porque o tema da cúpula também é ir além: é abrir novas discussões de financiamento internacional, num diálogo global, estrutural. Queremos uma discussão sobre como podemos entrar em um novo pacto financeiro, incluindo todos os bancos públicos de ajuda ao desenvolvimento, e com uma arquitetura financeira mais vasta, que mobilize também mais investimentos privados”, detalhou Rioux.

A ideia de criação de um imposto internacional, possivelmente sobre o transporte marítimo e com o objetivo de bancar as ações climáticas, também estará sobre a mesa.

As reuniões previstas na cúpula visam a costurar propostas para os próximos encontros multilaterais, em especial do G20, na Índia, e na COP 28, nos Emirados Árabes Unidos, além das assembleias gerais do FMI e do Banco Mundial. Paris vê Brasília como um aliado de peso nessa agenda, de olho na presidência brasileira do G20, no ano que vem, e na realização da COP 30 em Belém, em 2025.

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