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Planeta Verde

Contra desperdício, França organiza ajuda financeira inédita para conserto de eletroeletrônicos

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Até pouco tempo atrás, o lixo era o destino certeiro de uma televisão pifada em uma casa na Europa – o conserto era caro demais ou, pior ainda, impossível, já que as peças de reposição não são postas à venda. Mas a crise climática e a pressão de organizações de consumidores, revoltados com a chamada obsolescência programada dos aparelhos eletroeletrônicos, estão possibilitando mudanças de paradigmas.

Um voluntário tenta consertar um computador em um Repair Café de Malmo, na Suécia.
Um voluntário tenta consertar um computador em um Repair Café de Malmo, na Suécia. AP - James Brooks
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Laetitia Vasseur, cofundadora de uma das principais entidades do gênero na França, a HOP, já nota uma grande diferença no comportamento dos consumidores e das fabricantes desde que a associação foi criada, há sete anos.

"Mais de 70% das pessoas têm vontade e estão dispostas a consertar os produtos que estragam, segundo algumas pesquisas, em vez de jogar fora e comprar outro. A dificuldade é realizar esse desejo, que enfrenta barreiras como encontrar novas peças, o objeto ser muito difícil de abrir ou desmontar, ou o preço elevado das peças para o conserto”, explica.

O problema, que antigamente era tratado com resignação pelos consumidores, ganhou os holofotes nos últimos anos e a pressão aumentou sobre as fabricantes. Hoje, as lojas de consertos de telefones ganharam espaço até em shopping centers, algo inimaginável há uma década. Mas o caminho ainda é longo para uma solução à altura, para a telefonia. 

"Na Europa há diretivas, regulamentações, que impõem um prazo mínimo legal de disponibilidade de peças para conserto. Quando está indicado que o prazo mínimo é sete anos, já temos um período bastante longo e para alguns produtos, como uma máquina de lavar roupas, chega a 10 anos”, afirma Laetitia. "Portanto é óbvio que é necessário poder encontrar as peças durante todo o período de uso.”

Smartphones hoje são os aparelhos cujo conserto é mais difícil, principalmente pela falta de peças disponíveis.
Smartphones hoje são os aparelhos cujo conserto é mais difícil, principalmente pela falta de peças disponíveis. AP - Ben Margot

Fundo para consertos

Na França, uma ampla lei de 2020 sobre a economia circular prevê uma iniciativa inédita na União Europeia: ajuda financeira para incitar os consumidores a levar eletrodomésticos e material de informática para o conserto. A ideia é que eles possam recorrer a uma rede certificada de profissionais, associada oficialmente à medida, e tenham cerca de 10% da conta coberta pelo governo. Com o tempo, o objetivo é adaptar essa parcela conforme a longevidade do produto: geladeiras e lavadoras deverão ser melhor atendidas do que smartphones, por exemplo.

A verba, de incialmente € 20 milhões por ano, será financiada por uma "ecotaxa" cobrada na venda de produtos novos. A meta é que, em seis anos, o valor do fundo ultrapasse os € 100 milhões.

O projeto, entretanto, está atrasado – vítima, por um lado, do contexto econômico de inflação alta e, por outro, das dificuldades de os organizadores contemplarem toda a cadeia envolvida. A ideia de adoção de um teto para os valores dos consertos assusta os profissionais, por exemplo. Já os especializados em reciclagem temem recolher menos produtos quando a lei entrar em vigor.

Loja de consertos em Amsterdã reúne voluntários que se ajudam para evitar de jogar fora aparelhos que ainda podem ser utilizados.
Loja de consertos em Amsterdã reúne voluntários que se ajudam para evitar de jogar fora aparelhos que ainda podem ser utilizados. AFP - NICOLAS DELAUNAY

"É muito decepcionante, considerando que é uma obrigação legal. Estava previsto em lei que entraria em vigor em 2022 e o governo teve tempo de se preparar. Alguns dos atores envolvidos se prepararam, afinal o sistema não é simples, mas é possível”, lamenta Laetitia Vasseur "Porém o que estamos vendo é que os envolvidos não chegam a um acordo. Deveríamos estar acelerando o passo, mas o que acontece é que parou tudo, num momento em que já enfrentamos o aumento da inflação e da emergência climática”, ressalta.

Do It Yourself

Enquanto isso, os consumidores tentam se virar como podem. Antes restrita a sites especializados em eletrônicos, agora a revenda de peças ocorre também dentro de plataformas comuns de transações de usados, como LeBoncoin, líder do setor na França. No Youtube, pipocam influenciadores de Do It Yourself (DIY), determinados a ajudar qualquer um a consertar uma lavadora ou um tablet.

Uma iniciativa já antiga, o Repair Café, nasceu na Holanda e se espalhou por várias cidades europeias na Espanha, Alemanha ou França. No local, um café, amadores ajudam-se uns aos outros e trocam dicas para consertar os mais diversos produtos. Muitas vezes, basta uma limpeza adequada para fazer funcionar novamente uma máquina de café.

Laetitia Vasseur, da organização HOP, lembra que, a cada ano, um francês joga fora 23 quilos de lixo eletroeletrônico. A reciclagem pode parecer um fim digno para o produto, mas as aparências enganam.

"Antes disso, há muito coisa a ser feita. A reciclagem não deve ser vista como uma solução ideal”, frisa a militante. "Precisamos alongar a duração de vida dos produtos, consertá-los, antes de entregá-los à reciclagem.”

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