A três meses da COP de Glasgow, limitar aquecimento global a 1,5˚C já é "quase impossível”
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Um novo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas), a ser divulgado em 9 de agosto, promete tornar ainda mais ambiciosa a missão dos 195 países que se reunirão na Conferência do Clima de Glasgow. A COP 26 acontecerá daqui a três meses na cidade escocesa, num evento marcado pelas promessas de uma "retomada verde” da pandemia de coronavírus.
Antes disso, o grupo de trabalho do IPCC sobre emissões de gases de efeito estufa se debruça, atualmente, sobre cinco cenários globais da trajetória de emissões até o fim deste século. O horizonte inclui opções mais ou menos otimistas em relação às ações dos países para conter as mudanças climáticas, indica a ex-pesquisadora do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) Thelma Krug, vice-presidente do respeitado painel de cientistas internacionais.
“Eu acho que esse relatório do grupo 1 vai reforçar ainda mais a importância e a necessidade de reduções muito substantivas, muito ambiciosas de emissões”, afirma.
O IPCC tem três grandes grupos de trabalho, que analisam centenas de milhares de publicações científicas sobre os diferentes aspectos do tema. O painel publica relatórios a cada sete anos, nos quais aprofunda, confirma ou afasta hipóteses da ciência para explicar o aquecimento verificado no planeta desde a era industrial. Os documentos costumam embasar as negociações dos governos sobre o clima, no âmbito das COPs, promovidas pelas Nações Unidas.
Pior e melhor cenários afastados
No último estudo, divulgado em 2014, o cenário mais negativo de emissões apontava para um aumento de até 6˚C na temperatura do planeta até 2100. Porém, os compromissos assumidos no Acordo de Paris hoje rebaixam essa possibilidade para em torno de 4˚C.
Por outro lado, o objetivo mais audacioso do tratado, de limitar o aquecimento a 1,5˚C, já "é quase impossível" de ser atingido, adverte Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da UFRJ e membro do grupo de trabalho do IPCC sobre mitigação.
"O cenário mais negativo hoje não é tão ruim quanto já foi no passado, mas estamos muito longe de conseguir cumprir a meta de no máximo 2˚C, e ainda mais de cumprir a meta de apenas 1,5˚C mais quente. Hoje, estamos na iminência de já entregar os pontos e vermos que limitar a 1,5˚C não dará mais”, sublinha o especialista.
"A mensagem científica está cada vez mais clara, mais robusta. O que se espera é que haja uma reação que seja em conformidade com o que a ciência está dizendo”, complementa Krug. "Se pegarmos as contribuições que todos os países estão colocando à mesa, hoje nós estamos numa trajetória mais compatível com um aquecimento de 3˚C do que 1,5˚C ou bem menos do que 2˚C”, salienta a vice-presidente do painel.
Planos abalados pelas mudanças climáticas
Até pouco tempo atrás, as mudanças climáticas eram um conceito distante, previstas para um futuro pouco palpável, de 2050 ou mais. Mas a frequência e a intensidade dos eventos extremos nos últimos 10 anos mostram que eles são, desde já, o resultado das alterações do clima.
Isso significa uma necessidade de adaptação ainda mais urgente à nova realidade. O Brasil, por exemplo, se orgulha da sua matriz energética limpa, baseada sobretudo na produção das hidrelétricas. O problema é que as mudanças do clima já atingem o funcionamento dessas usinas – que dependem de um ciclo regular de chuvas, cada vez mais alterado. Num contexto pós-pandemia, Roberto Schaeffer chama a atenção para o risco de os governos adotarem medidas ainda mais danosas ao meio ambiente, na ânsia de enfrentar a crise.
Riscos para o Brasil
"Estamos vivendo hoje uma seca que, aparentemente, é a pior dos últimos 100 anos, pelo menos, com risco de faltar energia elétrica no Brasil. O que está acontecendo hoje é que, para tentar preservar a água dos reservatórios, estão acionando todas as usinas térmicas possíveis”, diz o pesquisador da UFRJ. "Não é impossível que tenhamos um movimento no Brasil – espero que não – de se tentar voltar a ter mais térmicas para não se depender tanto das hidrelétricas."
Este é um exemplo do quanto as soluções que contam com os recursos naturais estão ameaçadas. "Se não houver uma enorme redução de emissões no setor de energia, incluindo a parte de transportes, que não é muito simples, mas também de edificações etc, teremos impacto nas alternativas baseadas em ecossistemas. Eles são muito vulneráveis ao aumento de incêndios florestais, à inundações, como vimos agora na Alemanha – sem dizer que elas estejam totalmente ligadas à mudança do clima”, explica Krug. "As secas e outros eventos podem tornar todas essas alternativas que estamos fazendo, não só para mitigação como para a adaptação, muito vulneráveis”, frisa a cientista.
Schaeffer também antecipa que uma das novidades do novo relatório do IPCC será demostrar qual será o pesado custo, para os países, de não fazer nada para limitar as emissões. "Já se sabe hoje que o ‘pagar para ver' será muito mais caro do que o pagar para não acontecer”, destaca.
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