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Planeta Verde

Clima: Brasil condiciona ação a mais verba externa, mas não faz sua parte, diz Izabella Teixeira

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Há cinco anos, depois de 13 dias de intensas negociações, 196 países chegaram a um consenso histórico para enfrentar as mudanças climáticas. O Acordo de Paris traçou o caminho para limitar o aquecimento do planeta a 1,5˚C ou, no máximo, 2˚C até o fim do século, em relação às temperaturas anteriores à Revolução Industrial.

Izabella Teixeira,  ex-ministra do Meio Ambiente
Izabella Teixeira, ex-ministra do Meio Ambiente © Captura de tela
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A pandemia de coronavírus adiou a Conferência do Clima deste ano, que aconteceria em Glasgow, na Escócia. No evento, os países deveriam detalhar as suas metas de redução de emissões de gases de efeito estufa já para 2030 e aumentar a ambição das promessas futuras. Para não perder tempo, o governo britânico e a ONU organizam uma reunião virtual neste sábado (12), à espera desses novos compromissos. Poucos, porém, apresentaram um plano até agora.

O Brasil reforçou o que já tinha proposto: diminuir 37% as suas emissões até 2025 e 43% em 10 anos. Também prometeu atingir a neutralidade de carbono em 2060, em consonância com outro grande país emergente, a China. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, condicionou antecipar esse prazo se Brasília receber US$ 10 bilhões por ano das nações desenvolvidas, já a partir de 2021.

Para a ex-ministra Izabella Teixeira, à frente do ministério na assinatura do Acordo de Paris, o governo brasileiro exige mais recursos, mas não está cumprindo a sua parte. “O Brasil afirma que pode fazer mais desde que paguem para ele fazer. Há uma série de contradições, para dizer o mínimo. Exige o pagamento de recursos que são condicionados à queda do desmatamento, mas ele só tem aumentado”, sublinha.

Os dados mais recentes indicam que cerca de 47% das atuais emissões de gases de efeito estuda do Brasil têm origem no desmatamento ilegal, que registra altas sucessivas desde o início do governo de Jair Bolsonaro. "Nós estamos perdendo a Amazônia por crime ambiental, é simples assim. É importante ressaltar que a sociedade brasileira vê o desmatamento da Amazônia como um sinal absolutamente errado e não pactua com isso”, afirma a ex-ministra, que na Conferência do Clima de Paris atuou como uma das “facilitadoras" dos diálogos para um tratado internacional, a pedido do governo francês, na época. Por anos, o Brasil desempenhou um papel de protagonista nas negociações climáticas.

Sem transparência, nem projeto

Izabella frisa ainda que, agora, o governo brasileiro pede mais recursos, mas não mostra como pretende concretizar a sua promessa de diminuir as emissões, não oferece transparência, tampouco sinaliza promover uma economia sustentável como política de Estado. "O que o governo anunciou é que mantém o compromisso do Brasil. Poderia ter feito uma atualização com base no perfil mais recente de emissões do Brasil. Estamos discutindo ambição e o Brasil reafirma o mesmo quadro que já existia”, frisa a ex-ministra.

Ex-ministra Izabella Teixeira e embaixador Luiz Alberto Figueiredo se emocionaram na hora do anúncio do Acordo de Paris, há cinco anos.
Ex-ministra Izabella Teixeira e embaixador Luiz Alberto Figueiredo se emocionaram na hora do anúncio do Acordo de Paris, há cinco anos. RFI

A ONU sustenta que, para atingir o objetivo de no máximo 1,5˚C de aquecimento global, as emissões devem cair 7,6% ao ano até 2030, o que só será possível com mudanças profundas no sistema econômico dos maiores poluidores – o Brasil é o sexto maior emissor. “O mundo está discutindo como produzir energia e alimentos com menos impacto de CO2, uma economia circular para aproveitar melhor os recursos, como envolver toda a cadeia de produção em um sistema mais sustentável”, explica.

Mudança de paradigmas levaram à perda da relevância do país no mundo

Cinco anos depois, o cenário geopolítico mudou, o multilateralismo está fragilizado e a ciência, inclusive a ambiental, é contestada. Uma parte do governo brasileiro adere ao discurso negacionista, uma postura que enfraquece a posição do país nas negociações internacionais, na opinião da ex-ministra. "Do ponto de vista nem da diplomacia, nem da relação com a sociedade civil, tampouco da decisão estratégica do Brasil de trabalhar os temas ambientais como instrumento de softpower e inserção internacional, o governo atual não tem alinhamento com tudo que foi feito anteriormente, nos últimos 30 ou 35 anos”, conclui.

Izabella Teixeira avalia, entretanto, que a convergência política internacional atingida no evento em Paris permanece protegido, apesar de percalços importantes com a retirada dos Estados Unidos do tratado, durante o governo de Donald Trump. O futuro presidente Joe Biden promete voltar atrás na decisão logo ao assumir o cargo, em janeiro.

“A Covid veio nos mostrar que nós não temos controle de uma crise global a partir da natureza. Acho que nem o ambientalista mais radical imaginou o mundo parar e todos nós ficarmos dentro de casa”, analisa. Ela ressalta que"paralisar o mundo não é a solução para enfrentar a crise climática”. Segundo ela, a Covid abre a oportunidade de a questão climática estar no foco dos pacotes de retomada econômica para a saída da crise, com efeitos já nos próximos anos.

Porém, para que os países consigam implementar Paris e cumprir o que a ciência recomenda para evitar um aquecimento global superior a 2˚C em 2100, serão necessários mais ações do que se imaginava em 2015.

“Há uma pressão muito legítima da ciência mostrando que, a despeito de todos os esforços políticos, o que estamos tendo é um aumento de emissões. Os países devem cumprir as suas metas. Ninguém está cumprindo, nem os europeus”, destaca. "É preciso acelerar as medidas de mitigação. É como se você fosse começar um jogo já no segundo tempo: o primeiro tempo já não existe mais. Você vai ter que ganhar em 45 minutos, e não em 90”, compara a ex-ministra petista.

Para ouvir a entrevista completa, clique no podcast no alto de página.

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