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Linha Direta

Argentina vai às urnas numa disputa liderada pela extrema direita com resultado incerto

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Embora o candidato ultraliberal e "outsider" Javier Milei apareça cotado para ganhar a eleição presidencial argentina no próximo domingo (22), a disputa tende a ir a um segundo turno. Milei tem vaga garantida, mas o atual ministro da Economia, o peronista Sergio Massa, apoiado pela ex-presidente Cristina Kirchner, e a ex-ministra da Segurança Patricia Bullrich, próxima do ex-presidente Mauricio Macri, têm chances de classificação.

Apoiadores da candidata a presidente da Argentina Patrícia Bullrich do partido Juntos pela mudança, seguram bandeiras no comício de encerramento da campanha, em Buenos Aires, Argentina, em 19 de outubro de 2023.
Apoiadores da candidata a presidente da Argentina Patrícia Bullrich do partido Juntos pela mudança, seguram bandeiras no comício de encerramento da campanha, em Buenos Aires, Argentina, em 19 de outubro de 2023. REUTERS - MARTIN COSSARINI
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Os três candidatos repartem três terços do eleitorado numa disputa aberta. Tanto Javier Milei quanto Patricia Bullrich se apresentam como novas alternativas, mas enquanto a extrema direita representa uma mudança radical, que assusta até os mercados, a concorrente de centro-direita é uma reformista moderada.

“Esta é uma eleição de mudança. O mais provável é que seja ganha por quem representa uma mudança, independentemente de quem for”, sintetiza à RFI o analista político Carlos Fara.

Isso explica por que tanto Milei quanto Bullrich se apresentam como a "verdadeira alternativa". Já Sergio Massa, candidato governista, encarna a continuidade das políticas atuais.

“Temos essa particularidade de que um dos candidatos seja o ministro da Economia de um governo que protagoniza fracassos, a ponto de o presidente, Alberto Fernández, e a vice, Cristina Kirchner, estarem literalmente ‘desaparecidos’ da campanha e da gestão”, acrescenta Sergio Berensztein, consultor em estratégia política.

Berensztein ressalta que esta é a primeira vez que a corrida eleitoral na Argentina tem três forças políticas que concorrem numa espécie de empate triplo, cuja diferença só ficará clara depois da apuração.

“É a primeira vez que vemos três jogadores em relativa igualdade de condições, com diferenças que não parecem significativas, sobretudo se avaliarmos um considerável número de indecisos. Este é um jogo sem definição ainda”, afirma.

Carlos Fara ressalta que os três últimos governos da Argentina, de correntes políticas diferentes, terminam seus mandatos com saldo negativo: Cristina Kirchner (2007-2015), Mauricio Macri (2015-2019) e Alberto Fernández (2019-2023). Com isso, há mais de 10 anos, os argentinos acumulam frustrações, uma das chaves para entender o surgimento de uma terceira alternativa que não venha dos dois líderes polarizantes: Kirchner e Macri.

“É um processo contínuo e acumulativo de frustração que permitiu gerar uma terceira alternativa totalmente fora do ‘status quo’, Javier Milei. A situação tornou-se suficientemente desesperante para que surja essa alternativa por fora dos padrões políticos da Argentina, desde 1945, quando aparece o Peronismo”, observa Fara.

O ultraliberal Javier Milei é um antissistema sem estrutura política e com um discurso inflamado contra o que ele chama de “a casta política que sempre governou o país”. Milei rejeita o Estado e se autoproclama um 'anarcocapitalista'.

“Na Argentina, a rebeldia, tradicionalmente, ficou vinculada à esquerda", diz. "Mas Javier Milei seduz os mais jovens e representa a modificação de um segmento majoritário da população”, compara Berensztein. “Resta saber qual será o comportamento quando começarem a pagar o custo do ajuste fiscal”, questiona.

Para Carlos Fara, a maioria dos que votam em Milei não o fazem por uma questão ideológica, mas pelo desespero com a atual situação social e econômica do país. Grande parte dos que votam no candidato de extrama direita são de uma classe média empobrecida ou de baixa renda, a mesma que sempre votou no Peronismo.

“A demanda de mudança pretendida pela maioria da população não é ideológica, mas pragmática. É um eleitor muito pouco ideologizado que só quer que as coisas funcionem”, interpreta Fara.

Dentro desses segmentos sociais, os principais eleitores de Milei são os jovens de faixas etárias abaixo de 35 anos, que não veem o país crescer desde 2011.

A foto montagem mostra os três andidatos às eleições presidenciais na Argentina. Da esquerda para a direita, o deputado e candidato da Alianza La Libertad Avanza, Javier Milei; a candidata pelo partido Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich e o ministro da Economia e pelo partido Union por la Patria, Sergio Massa.
A foto montagem mostra os três andidatos às eleições presidenciais na Argentina. Da esquerda para a direita, o deputado e candidato da Alianza La Libertad Avanza, Javier Milei; a candidata pelo partido Juntos por el Cambio, Patricia Bullrich e o ministro da Economia e pelo partido Union por la Patria, Sergio Massa. AFP - ALEJANDRO PAGNI,JUAN MABROMATA,LUIS ROBAYO

Estratégias políticas

O que está em jogo é a magnitude da mudança desejada pelos argentinos. Pode uma sociedade dar uma guinada do tamanho que Javier Milei propõe? O apoio popular ao libertário é efêmero ou vai resistir ao ajuste fiscal que o candidato propõe com a sua motosserra, como símbolo do drástico corte no gasto público?

Berensztein observa que Milei parou de crescer em intenção de voto e que pode começar a se desinflar se não ganhar logo no domingo. “Milei corre um risco considerável se não ganhar no primeiro turno. Pode descobrir que o seu teto de crescimento eleitoral é relativamente baixo”, adverte.

Outro ponto em discussão: Milei poderia eliminar o Banco Central e dolarizar a economia, abolindo o peso como moeda e adotando o dólar? Boa parte das promessas do ultraliberal são inconstitucionais ou requerem uma maioria parlamentar que não terá por mais que some todos os votos nesta eleição. Milei argumenta que convocará plebiscitos, algo que os juristas também questionam.

Já a estratégia de Bullrich para se posicionar como a verdadeira possibilidade de uma mudança é mostrar que sua coalizão terá maioria no Congresso para aprovar as reformas estruturais, além de 10 dos 24 governadores. A candidata também soma bandeiras que Milei menospreza ou nega, como a feminista e do meio ambiente.

“Nós precisamos mudar a Argentina, mas precisamos de uma mudança possível. Além de possível, razoável, porque o outro lado propõe uma mudança exagerada. E isso só Patricia Bullrich pode oferecer. Além disso, temos uma equipe de governo, algo que o outro lado não tem”, disse à RFI o deputado Fernando Iglesias, da coalizão Juntos pela Mudança (Juntos por el Cambio), de Bullrich.

A estratégia de Sergio Massa nesta reta final é a do medo. Ele alerta que os seus oponentes vão aumentar as tarifas e os preços a ponto de ninguém conseguir pagar ou que as pessoas vão perder subsídios sociais.

“Mas longe de gerar medo está consagrando Javier Milei como a renovação. O eleitor de Milei trocou a palavra ‘cautela’ por ‘aposta’ e decidiu arriscar por algo novo”, observa Carlos Fara.

Disputa embolada

As pesquisas de opinião perderam a credibilidade nestas eleições depois que nenhuma previu a liderança de Javier Milei nas primárias, em agosto. Boa parte dos consultores têm optado por não divulgar os seus números publicamente; apenas para os seus clientes. As que divulgam, apresentam resultados completamente diferentes umas das outras, devido à dificuldade de conseguir que os eleitores ofereçam respostas transparentes e confiáveis. Tanto Carlos Fara quanto Sergio Berensztein preferem falar sobre tendências.

Milei lidera a corrida com alguns pontos à frente, mas não o suficiente para ganhar no primeiro turno. Logo atrás, vêm Massa e Bullrich, tecnicamente empatados, com ligeira vantagem do ministro da Economia. 

As pesquisas apontam que a única que poderia ganhar de Milei num eventual segundo turno é Bullrich. Ela parece estar em crescimento nesta reta final, enquanto Milei teria caído e Massa se mantém estável. Resta saber se Bullrich cresceu o suficiente para entrar no segundo turno.

Os indecisos são o principal elemento de incógnita. De 12% a 15% dos eleitores dizem estar dispostos a mudar seu voto, o que é suficiente para mudar qualquer cenário de disputa acirrada. Outro fator que dificulta qualquer análise precisa é que cerca de 30% dos eleitores não votaram nas primárias em 13 de agosto. Historicamente, a coalizão de Bullrich cresce entre as primárias e as gerais, mas a irrupção de Milei pode alterar esse comportamento.

Na Argentina, ganha-se no primeiro turno com 45% dos votos ou mesmo com 40%, desde que haja uma diferença de, pelo menos, dez pontos em relação ao segundo colocado. Se houver segundo turno, será em 19 de novembro.

O dia seguinte nos mercados

Se Milei ganhar no domingo, pode haver uma corrida cambial, já que o candidato promete dolarizar a economia e muitos agentes econômicos vão preferir se antecipar a essa política monetária. O candidato é sinônimo de incerteza para os mercados.

Uma classificação de Bullrich para o segundo turno, poderia acalmar o mercado financeiro que vê com bons olhos a política econômica da candidata. 

Se Massa passar ao segundo turno, sinalizaria uma provável continuação da atual política econômica, com emissão monetária e elevado déficit fiscal, gerando uma pressão cambial.

“Se a disputa for entre Milei e Massa, sem julgar as suas propostas, os indicadores financeiros devem ficar no vermelho, devido à incerteza que geram. Milei é um signo de interrogação para os mercados”, avalia Carlos Fara.

Além da eleição para presidente e vice-presidente, a eleição parlamentar simultânea irá eleger 21 governadores, senadores de oito províncias  e um novo chefe de governo da Cidade Autônoma de Buenos Aires.

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