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Radar econômico

Impacto econômico da eleição nos EUA: "Quem perde com Biden é Bolsonaro, não o Brasil”

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A eleição do democrata Joe Biden nos Estados Unidos foi esnobada pelo governo brasileiro, mas celebrada no meio empresarial do Brasil. Se, num primeiro momento, o fim do governo de Donald Trump traz incertezas e acentua o isolamento internacional do Brasil, a médio e longo prazo a gestão Biden pode resultar em benefícios econômicos para o país.

A ascensão do democrata Joe Biden, um liberal centrista de perfil conciliador, tende a restabelecer uma relação mais pragmática com países como o Brasil, apesar das divergências ideológicas com Jair Bolsonaro.
A ascensão do democrata Joe Biden, um liberal centrista de perfil conciliador, tende a restabelecer uma relação mais pragmática com países como o Brasil, apesar das divergências ideológicas com Jair Bolsonaro. © AP/ Paul Sancya/Eraldo Peres
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Para analistas ouvidos pela RFI, a ascensão do democrata, um liberal centrista de perfil conciliador, tende a restabelecer uma relação mais pragmática com países como o Brasil, apesar das divergências ideológicas entre os governos a partir de agora.

"Agora, é pior para o Brasil, mas existe muito exagero sobre o grau em que a vitória do Biden pode repercutir mal para o Brasil. Eu não acredito que o Brasil vai entrar numa fase de ostracismo internacional pela proximidade do presidente Jair Bolsonaro com o atual presidente, Trump”, afirma Christopher da Cunha Bueno Garman, diretor de América Latina da consultoria Eurasia Group, em Nova York. "O presidente eleito tem muita experiência na política externa e entende o papel estratégico do Brasil na América do Sul. Ele não vai virar as costas ao Brasil devido à uma birra ideológica com Bolsonaro."

Christopher da Cunha Bueno Garman, diretor de América Latina do Eurasia Group.
Christopher da Cunha Bueno Garman, diretor de América Latina do Eurasia Group. © Arquivo Pessoal

“Diplomacia de conchavo” com Trump trouxe poucos resultados

Na prática, a aproximação política entre Bolsonaro e Trump resultou em poucos resultados concretos. Em outubro, os dois países fecharam um minipacote para facilitar as transações comerciais bilaterais, uma iniciativa que deve permanecer e pode até avançar, mediante novas condições, como a ambiental. Trump também apoiou a entrada do Brasil na OCDE, mas não promoveu nenhum esforço significativo nesse sentido.

Por outro lado, o Brasil não foi poupado da política de America First do republicano, que aumentou as taxas de importação ao aço e ao alumínio brasileiros. Sob ameaças de retaliação do republicano, Brasília ainda prorrogou a isenção do imposto sobre a importação do etanol americano, que gerou prejuízos à produção nacional.

Ou seja, a pretendida parceria não trouxe maiores benefícios ao Brasil, na opinião do ex-presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e consultor Ernesto Lozardo, que também leciona economia internacional na FGV-SP. "Houve uma confusão entre o que é simpatia pessoal com o papel do Estado. Na relação de Estados, essa amizade nunca aconteceu”, resume Lozardo. 

Ernesto Lozardo, ex-presidente do IPEA e professor da FGV.
Ernesto Lozardo, ex-presidente do IPEA e professor da FGV. © Arquivo Pessoal

O economista José Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ, avalia que quem mais perde com a eleição de Biden é Bolsonaro – e não o Brasil.

"Não tem nenhuma dúvida quanto a isso: quem perde é o Bolsonaro, que fez uma diplomacia presidencial quase de conchavo. Eu acho que nós tivemos uma intenção de parceria entre o governo Bolsonaro e o governo Trump, mas pouco foi realizado ou construído”, complementa Niemeyer. "A relação entre Brasil e Estados Unidos é uma relação entre Estados. Agora, Bolsonaro exagera: não cumprimentar o presidente eleito mostra que ele está precisando vestir calça de adulto."

 Economista José Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ.
Economista José Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec-RJ. © Arquivo Pessoal

Exportadores veem oportunidades

Para o presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil, José Augusto de Castro, a vitória de Biden força o país a reavaliar a sua diplomacia e aprimorar o seu modelo de desenvolvimento e crescimento, incluindo maior controle ambiental da produção.

"Antes, nós víamos que o Brasil estava fora das cadeias globais de valor. Agora, se nós não fizermos nada, estaremos fora do mundo comercial. Então, teremos de fazer uma adaptação”, sublinha Castro. "Não vou dizer se tem que mudar ministro ou não. Temos é que nos inserir no cenário internacional e, até agora, estamos fora. Eu acho que é importante o Brasil se adaptar a uma realidade mundial. Quando? Não sei, mas vai ter que chegar esse dia porque ou nos adaptamos, ou estaremos fora do jogo.”

José Augusto de Castro, presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB).
José Augusto de Castro, presidente da Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB). © Arquivo Pessoal

O foco do governo Biden na questão ambiental acentuaria uma pressão que já é forte da Europa em relação ao Brasil. Um maior controle do desmatamento poderia acelerar a ratificação do tratado de livre comércio com a União Europeia, bloqueado do lado europeu por pressão de ambientalistas.

Entretanto, nesta terça-feira, na primeira declaração sobre Biden desde a eleição, o líder brasileiro parece ter optado pela linha da confrontação – disse que há "malandros" interessados nas riquezas da Amazônia, continuou chamando o presidente eleito de "candidato" e sugeriu que "apenas a diplomacia" não resolveria as pressões externas quanto à preservação das florestas. "Quando acaba a saliva, tem que ter pólvora, senão, não funciona", completou Bolsonaro. 

Para Christopher Garman, o meio ambiente é o grande tema que pode unir ou separar o governo do Brasil da futura gestão democrata. “Para um governo que está com o compromisso de avançar em temas climáticos e uma transição energética, ter um presidente, Bolsonaro, que é visto como vilão na pauta ambiental pelo desmatamento da Amazônia, a reação belicosa e a retórica do Palácio do Planalto, é um problema. Num cenário de bate e retruca, o custo econômico para o Brasil pode ser maior", analisa o especialista do Eurasia Group.

"Mas não significa que Biden vai entrar batendo. Ele vai estender a mão, tentar trabalhar junto com o Brasil, por exemplo, para um acordo nas negociações climáticas de Glasgow, na COP26, de 2021, já que os Estados Unidos vão voltar a fazer parte do Acordo de Paris”, ressalta Garman.

José Augusto de Castro ressalta, porém, que a pressão de Biden em relação à Amazônia não ocorrerá por mera preocupação com o planeta e esconde interesses econômicos: Estados Unidos e Brasil são os maiores concorrentes mundiais em commodities.

Multilateralismo beneficia comércio mundial

Espera-se, ainda, que a derrota de Trump represente o fortalecimento do multilateralismo, que favorece as transações mundiais.

"O Partido Democrata americano tem uma visão global desde Clinton, um grande entusiasta da globalização, e Biden vai nessa linha, muito mais de cooperação do que confrontação. O Brasil vai fazer parte de um alinhamento global não dos Estados Unidos, mas dos Estados Unidos, Europa e China”, destaca Lozardo, da FGV. "Nós tiramos da economia mundial o grande risco que era o presidente Trump."

O economista ressalta, no entanto, que para se beneficiar do multilateralismo, "o Brasil precisa mostrar ser um país confiável e, até agora, não mostrou". 

Niemeyer frisa que o fim do alinhamento do Brasil aos Estados Unidos tende a favorecer a ampliação das relações comerciais com outros parceiros da Ásia, além dos países árabes e da África. A guerra comercial entre Washington e Pequim tende a continuar em alguma medida sob Biden, mas o democrata ainda não detalhou suas intenções sobre o tema.

"A China não veio ao mundo a passeio. Ela tem interesses cada vez mais claros dentro do sistema”, indica o professor do Ibmec-RJ. "Não dá para menosprezar a intenção da China do ponto de vista do poder."

A pandemia fez o comércio bilateral com os americanos encolher em 2020, com maior prejuízo para o Brasil. As exportações brasileiras para os Estados Unidos recuaram 29% nos primeiros 10 meses do ano, enquanto as importações diminuíram 19%, conforme dados do Ministério da Economia.

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