Acessar o conteúdo principal
Brasil-Mundo

Mostra de cinema Novocine leva música brasileira para a tela grande em Madri

Publicado em:

No Cine Paz, um cinema situado no centro de Madri, tem sido comum escutar comentários em português e espanhol sobre obras brasileiríssimas. A 16.ª edição da mostra de cinema brasileiro Novocine, que tem como tema central a música, é a razão para que isso aconteça. Iniciado na última quarta-feira (1), o evento vai até sábado (4).

A roda de conversa que deu início à XVI edição da mostra de cinema brasileiro Novocine na Casa de América. Na foto, Luis Prados, diretor de programação da Casa de América; Iona de Macedo, curadora da mostra; Antonio Maura, ex-diretor do Instituto Cervantes no Rio de Janeiro; Natália Dias, diretora do documentário “Belchior — Apenas um coração selvagem” e Carlos Galilea, diretor e apresentador do programa de rádio espanhol
A roda de conversa que deu início à XVI edição da mostra de cinema brasileiro Novocine na Casa de América. Na foto, Luis Prados, diretor de programação da Casa de América; Iona de Macedo, curadora da mostra; Antonio Maura, ex-diretor do Instituto Cervantes no Rio de Janeiro; Natália Dias, diretora do documentário “Belchior — Apenas um coração selvagem” e Carlos Galilea, diretor e apresentador do programa de rádio espanhol © Casa de América
Publicidade

Uma das espectadoras que compareceram ao Novocine já no primeiro dia foi a espanhola Violeta Mateo. Ela é estudante de português há algum tempo, mas nunca esteve no Brasil. Assistir ao filme “Tudo que aprendemos juntos” foi uma maneira diferente de se aproximar da realidade do país latino-americano.

“Tudo que aprendemos juntos” é estrelado por Lázaro Ramos e conta a história, baseada em fatos reais, de um professor de violino que começa a dar aulas na comunidade de Higienópolis, em São Paulo, transformando profundamente a realidade de jovens em situação de vulnerabilidade social.

“Nos jornais, nas notícias sempre se fala dos conflitos das comunidades. Mas é muito mais, não? O que acontece lá. Não só é violência policial, violência das comunidades”, reflete Violeta, iniciando a conversa.

A espanhola Patricia Moro, que já viveu em São Paulo, pôde ver na telona facetas de uma história já conhecida.

“Eu conhecia o filme e a história real do professor. Como eu conheço a cidade, para mim foi muito perto da realidade. Eu adorei o filme, as imagens… Muitas coisas da cidade estão dentro do filme. E eu gostei muito também de ver como a música tem um valor para a gente, não? Eu acho que a música está dentro do povo brasileiro”, diz Patricia.

Se tomarmos como exemplo Edimundo Santos, músico brasileiro que vive há 15 anos em Madri, podemos dizer que Patricia está coberta de razão. Ele, que tem a música como ofício e como paixão, também fez questão de comparecer à primeira exibição da mostra. 

“Eu acho essa mostra excepcional, necessária. É uma forma de aproximar a cultura brasileira da cultura espanhola. Eu como músico acho fantástico aproximar mais a música brasileira do público espanhol”, comenta.

O músico brasileiro Edimundo Santos, que vive em Madri há 15 anos
O músico brasileiro Edimundo Santos, que vive em Madri há 15 anos © Frances McKenzie

Uma trilha “caleidoscópica”

Além de “Tudo que aprendemos juntos”, ao longo da semana, a mostra exibe “Belchior — Apenas um coração selvagem”, “Elis”, “Clementina”, “Chico, artista brasileiro” e “Eduardo e Mônica”.

A curadoria foi feita por Iona e Olivia de Macedo, mãe e filha compartilham o amor pelo cinema. Iona explica que, na intenção de trazer boas histórias que tivessem a ver com a música brasileira, o processo de escolha dos filmes foi um caminho “caleidoscópico”.

“Eu e a Olivia somos disléxicas. E, dentro da dislexia, fazemos uma viagem gigante para chegar num ponto, não é essa coisa de trocar de letra. Nada disso. E esse caleidoscópio faz parte dessa visão que dá um passeio através da música e do cinema”, introduz Ione.

Olivia destaca que o início do processo de construção da programação veio com a escolha do documentário “Clementina”. O filme aborda a vida e a obra de Clementina de Jesus, que teve seu talento reconhecido aos 62 anos e, com um timbre de voz único, se tornou um dos maiores expoentes do samba brasileiro.

“Era uma parte da música brasileira que eu (praticamente) desconhecia. Conhecia de histórias, também pelo Emicida, do Amarelo, em que ele conta a história africana da música brasileira. Eu achei um começo bem legal e importante também. Porque eu acho que o que a gente exporta é bastante branco e a música brasileira tem a raiz na cultura negra, né?”, explica Olivia.

A partir daí, o quebra-cabeça foi sendo montado. Primeiro, veio um filme que simboliza o que Olívia chama de “raiz da música brasileira”. Logo, veio a escolha de “Belchior — Apenas um coração selvagem”, que, por sua vez, faz alusão às raízes nordestinas da curadora. 

Interconexões brasileiras

O diretor e apresentador de rádio, Carlos Galilea, aprecia a música brasileira e vê com bons olhos a mescla de expressões artísticas presente nesta edição: “A música brasileira e o cinema estão muito unidos, assim como a literatura. Não dá pra separar. Eu acredito que no Brasil há uma interconexão entre as diferentes expressões: cinema, literatura, poesia, música”.

Além disso, Carlos destaca outra característica tipicamente brasileira: “Também existe uma conexão intergeracional, que é uma coisa que marca o Brasil, que o diferencia de outros países. Não existe essa separação entre gerações, musicalmente falando. De repente, Emicida fala de Caetano e Caetano diz que Emicida é muito bom. O rapper reconhece o cantor de 80 anos. Eu acredito que essa mistura intergeracional faz com que a cultura brasileira seja fascinante”.

A tese de Carlos se comprova na história contada por Natália Dias, que é diretora, junto a Camilo Cavalcanti, do documentário “Belchior, apenas um coração selvagem”. 

“O Belchior estava desaparecido. A gente tinha muita vontade de apresentar e mostrar pra ele que toda uma nova geração tinha um grito meio engasgado de ‘volta, Belchior’ que já estava nos muros da cidade e sendo dito por jovens. A gente faz parte de uma geração de trinta e poucos anos, mas até gerações mais novas que a nossa também já estavam fazendo esse chamado de ‘volta, Belchior’”, contextualiza Natália, em entrevista à RFI.

Natália Dias, uma das diretoras do filme Belchior
Natália Dias, uma das diretoras do filme Belchior © Casa de América

Mais que na vida pessoal, a obra cinematográfica se centra na trajetória artística de Belchior. Para personificar parte desse caminho, o filme traz um conterrâneo do cantor. “A gente trouxe a palavra, a força da poesia dele descolada da canção, através do Silvero Pereira. Então a gente tem, no filme, além do Belchior contando sua própria história, porque é um filme em primeira pessoa, o Silvero trazendo as poesias faladas”, conta Natália.

O trabalho de pesquisa, produção e realização aconteceu, em parte, de forma remota, por conta da pandemia. Ainda assim, quando possível, a equipe do filme foi a campo: “Nós fomos até Fortaleza, Sobral… Conhecemos primos, tios, o irmão mais velho do Belchior, conversamos muito com ele. Fomos à fazenda onde o pai dele nasceu e viveu, passamos um dia inteiro lá… Essa vivência, esse pé na terra, esse respirar o ar do sertão que tanto faz parte da obra dele foi muito importante pra criarmos um descolamento necessário para a nossa própria interpretação”.

A diretora sorri ao lembrar de um momento que aconteceu quando o filme ia ser lançado: “Eu voltei a ouvir um áudio de uma conversa que a gente teve com o Fausto Nilo e havia coisas ditas ali, no áudio, que estavam no filme, mas de outra forma. Através do Belchior, com ele mesmo falando. Eu acho que a potência de ter ele falando sobre ele é algo que atravessa as pessoas”.

Depois de estrear em solo brasileiro, o filme já rodou os Estados Unidos, Portugal, Espanha e deve chegar à França nos próximos meses.

Um acontecimento que vem como prelúdio

A décima sexta edição da mostra de cinema brasileiro Novocine, que acaba neste sábado (4), é a prévia de uma versão estendida que deve acontecer em Madri no mês de novembro.

“Nessa retomada depois da pandemia, a mostra vem com poucos filmes, com seis filmes, mas é quase que uma entrada para a mostra que deve vir depois. Nossa tentativa agora foi a de estabelecer uma curadoria e um perfil mais unificado da mostra. Eu acho que esse filão de cinema e música estará presente na mostra do fim do ano, porque foram muitos os que ficaram de fora dessa vez”, anuncia Marcos Derizans, chefe do setor cultural e de educação da embaixada brasileira em Madri.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.