Acessar o conteúdo principal

“Dizem que mulher não aguenta o ritmo”: Índia quer cotas para ter ao menos um terço de deputadas

A Câmara Baixa do Parlamento indiano aprovou nesta semana o projeto de lei que reserva um terço das cadeiras de deputados às mulheres. O texto, que suscita debates há mais de 20 anos no país, representa uma reforma constitucional histórica em uma sociedade dominada pelo patriarcado. O sistema ainda não tem data exata para entrar em vigor.

Parlamento indiano em Nova Délhi
Parlamento indiano em Nova Délhi AFP - -
Publicidade

Com informações de Sébastien Farcis, correspondente da RFI na Índia

No total, 454 deputados votaram a favor do projeto e dois contra. Uma maioria de dois terços era necessária para a adoção do texto, que ainda deve ser validado pela Câmara Alta, mas tem poucas chances de ser recusado. Em seguida, a lei tem que ser aprovada por menos metade dos 28 Estados.

A maior democracia do mundo foi o segundo país a nomear uma mulher ao cargo de primeira-ministra, quando Indira Gandhi assumiu o governo, em 1966, seis anos após Sirimavo Bandaranaike, no Sri-Lanka. Atualmente, a presidente da Índia é Droupadi Murmu, a segunda mulher a ocupar essa função – que é apenas protocolar na política indiana. Além disso, o país conta com várias ministras.  

No entanto, a Índia continua sendo uma das grandes democracias mais desiguais em se tratando de presença de mulheres na política. Atualmente elas representam apenas 15% das deputadas da Câmara Baixa federal e 9% nas assembleias regionais.

Entregar flores e servir chá

“Durante a última campanha, eu era a única mulher entre mais de 300 homens”, relata Shaguna Kanwar, que participou da corrida eleitoral em Uttar Pradesh, o estado mais populoso da Índia, no norte do país. “Eles dizem que as mulheres não aguentam o ritmo intenso, trabalhar até tarde... Sobra para as mulheres entregar flores aos líderes [políticos] ou servir chá”, resume.

Draupadi Murmu é a atual presidente da Índia, um cargo puramente protocolar no país.
Draupadi Murmu é a atual presidente da Índia, um cargo puramente protocolar no país. © REUTERS - AMIT DAVE

Diante dessa situação, Kanwar comemora a aprovação da reforma constitucional, que impõe um mínimo de 33% dos assentos para deputadas. “Agora eles serão obrigados a encontrar boas candidatas. Para mulheres com experiência e que estudaram, como eu, isso cria novas oportunidades”.

Assobios no Parlamento

O projeto de lei foi apresentado pela primeira vez em 1996, mas não obteve a maioria dos votos no Parlamento. O texto foi apresentado, sem sucesso, outras seis vezes. Ao longo dos anos, o assunto encontrou forte oposição de alguns partidos políticos no norte do país.

Em 2010, Mulayam Singh Yadav, o ex-ministro de Uttar Pradesh, se opôs ao projeto alegando que, se o texto fosse aprovado, incitaria os deputados a assobiar cada vez que uma deputada se pronunciasse no Parlamento.

Atraso no Censo pode bloquear entrada em vigor

No entanto, o sistema de cotas pode levar um certo tempo antes de ser implementado, já que depende da reestruturação das sessões eleitorais, processo que será realizado apenas após a finalização do Censo indiano. Porém, a contagem dos cerca de 1,4 bilhão de habitantes do país, que estava prevista para 2021, teve que ser adiada por causa da pandemia e ainda não tem data prevista para ser concluída. 

“A implementação imediata desse projeto de lei é necessária e possível”, insistiu durante as discussões no Parlamento Sonia Gandhi, do partido de oposição, que apoia o sistema de cotas. “Todo atraso em sua implementação constitui uma injustiça contra as mulheres”, completou.  

Porém, mesmo que o projeto leve anos para ser implementado, sua aprovação pode beneficiar o atual primeiro-ministro, Narendra Modi, que tenta se reeleger para um terceiro mandato em 2024 e cujo partido, o nacionalista Partido do Povo Indiano (BJP - Bharatiya Janata Party), já conta com uma forte popularidade entre as mulheres. 

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.