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COP 27: compensação financeira para países mais vulneráveis ​​às mudanças climáticas deve se impor

Antiga batalha dos países mais vulneráveis ​​às mudanças climáticas, a questão da compensação financeira pelos danos causados pelo aquecimento global ​​pode se impor, pela primeira vez, na agenda oficial da COP27, evento que vai acontecer em Sharm el-Sheikh, no Egito, de 6 a 18 de novembro.

A cidade de Sohbat Pur, na província paquistanesa do Baluchistão, coberta por água em 29 de agosto de 2022. As perdas e danos econômicos e não econômicos chegam a dezenas de bilhões de dólares.
A cidade de Sohbat Pur, na província paquistanesa do Baluchistão, coberta por água em 29 de agosto de 2022. As perdas e danos econômicos e não econômicos chegam a dezenas de bilhões de dólares. AP - Zahid Hussain
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No jargão da ONU, perdas e danos designam uma realidade trágica para quem a vivencia: é o dano causado pelas mudanças climáticas e que inevitavelmente ocorrerá – mesmo que o aquecimento global seja mantido em 1,5°C , o principal objetivo do Acordo de Paris – e que as populações (de um país, de uma aldeia) não estão em condições de enfrentar ou superar. As perdas e danos estão, portanto, intimamente ligados às reparações (humanas, morais, materiais, financeiras, etc.) que daí resultam.

Enquanto os efeitos das mudanças climáticas afetam todo o planeta e não poupam os países ricos (veja as inundações na Alemanha, incêndios na Europa e nos Estados Unidos etc.), os países pobres ou em desenvolvimento são tanto ou mais afetados: são mais expostos à mudança, menos preparados, não têm capacidade financeira para se recuperar por conta própria.

Além disso, eles contribuem muito menos, historicamente e atualmente, para o aquecimento global que os ameaça: 80% das emissões de gases de efeito estufa vêm dos 20 países mais desenvolvidos do mundo.

Pilar econômico

Os países vulneráveis ​​exigem, portanto, que as perdas e danos sejam considerados como o terceiro pilar da luta global contra o aquecimento global, após a mitigação (ou seja, a redução dos gases de efeito estufa) e a adaptação (a prevenção da ameaça). “Quando falamos de perdas e danos, significa que não podemos mais nos adaptar. É fundamental considerar a questão das perdas e danos como um terceiro elemento, além da adaptação e da mitigação, para completar o quebra-cabeça necessário para lutar contra as mudanças climáticas”, explica o negociador senegalês Aïssatou Diouf.

Essas perdas e danos são principalmente econômicos e consequência de fenômenos extremos e súbitos. Recentemente, o supertufão Noru nas Filipinas ou as devastadoras inundações no Paquistão causaram as mortes de 1.700 pessoas e 33 milhões foram afetadas. O Estado paquistanês reavaliou o custo da destruição em US$ 40 bilhões: 13.000 km de estradas, mais de 400 pontes e 2 milhões de casas foram danificadas.

Apesar de seus 220 milhões de habitantes, este país é responsável por menos de 1% das emissões globais de gases de efeito estufa. “Portanto, é razoável esperar pelo menos um pouco de justiça em relação a essas perdas e danos”, defendeu o primeiro-ministro paquistanês, Shehbaz Sharif, na tribuna da ONU.

As mudanças climáticas trazem com elas elevação do nível do mar, salinização e perda de terras cultiváveis, destruição gradual dos ecossistemas (manguezais, lagos, etc.), secas repetidas, efeitos de longo prazo sobre a saúde, a ruptura de atividades econômicas locais e obrigam ao deslocamento de populações, etc.

Em Bangladesh, um país onde um quarto de sua superfície poderá em breve ser consumido pelo mar, o número de vítimas de desastres caiu drasticamente em algumas décadas, mesmo com o aumento do número de ciclones. Este progresso se deve à implementação de sistemas de alerta precoce para as populações e ao oferecimento de abrigos.

Porém, depois dessa adaptação ao risco, vêm as perdas e danos, e aí o sapato aperta. “As pessoas estão sobrevivendo, mas não podem voltar à sua antiga vida. Além de dar-lhes comida durante três meses e de armar tendas, é preciso promover os meios para construir um habitat sustentável, para poder reavivar uma atividade econômica, etc”, explica Fanny Petitbon, especialista no assunto da ONG Care.

Consequências na saúde física e mental das populações

Este dano material é muitas vezes acompanhado por perdas e danos não econômicos: exílio forçado, sofrimento psíquico, desaparecimento de patrimônio cultural e imaterial como tradições, até línguas podem mudar após a separação das populações. Em Bangladesh, novamente, um estudo publicado no dia 7 de outubro mostra como os efeitos das mudanças climáticas têm uma série de consequências na saúde física e mental das populações, especificamente das mulheres.

Um exemplo marcante é o aumento crescente da exposição à água salgada, que causa queda de cabelo, hiperpigmentação da pele e múltiplos problemas ginecológicos - muitas vezes não tratados por falta de médicos. Em resposta, os habitantes são obrigados a raspar o cabelo, tingi-los com henna, comprar xampu com mais frequência ou simplesmente aceitar essa fatalidade.

A transmissão do conhecimento (cultivo de arroz, silvicultura etc.) não ocorre mais de uma geração para outra e o uso de fertilizantes químicos está aumentando para combater a degradação do solo. "As tradições seculares que sustentam essas sociedades estão ameaçadas", observa Simon Anderson, coautor do estudo. “É devastador para as comunidades”, diz.

Mas com os danos climáticos se tornando mais frequentes e a paciência dos países do Sul global diminuindo, as perdas e danos entram para o centro das preocupações. De acordo com um relatório da OCDE de março de 2022, as mudanças climáticas podem levar mais de 130 milhões de pessoas à pobreza, até 2030.

Na próxima semana, na abertura da COP 27, os países do Sul negociarão para que a questão seja colocada na ordem do dia das negociações. O que, salvo uma reviravolta, deve ser feito. Para os países solicitantes, seria uma vitória.

Início na Eco 92 no Rio

A discussão das perdas e danos remonta às origens da criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (o texto que criou as COPs, nascida no Rio de Janeiro, em 1992, à qual os 198 Estados Partes aderiram).

O Acordo de Paris consagrou pela primeira vez “perdas e danos”, mas simplesmente para dizer a “necessidade” de “evitá-los”, “minimizá-los” e “remediá-los”. Liderados pelos Estados Unidos, os países ricos se protegem ao obter que esta declaração “não pode dar origem ou servir de base para qualquer responsabilidade ou compensação”.

Em 2021, a pressão está aumentando em vários níveis. A sociedade civil fortemente mobilizada desfilou pelas ruas de Glasgow pedindo “justiça social”. Mas, do lado diplomático, os US$ 100 bilhões anuais prometidos desde 2009 para o pilar de adaptação e do financiamento climático ainda não foram alcançados. Faltam US$ 16,7 bilhões. Os Estados Unidos e a União Europeia concordaram com o estabelecimento de um "Diálogo de Glasgow" programado para durar três anos, até 2024.

Para Fanny Petitbon, advogada da Care, “há muito claramente um antes e um depois da COP26 sobre a questão das perdas e danos”. Ela diz que “uma mudança de tom foi incorporada no início da COP26, quando Antígua e Barbuda e Tuvalu anunciaram uma comissão de pequenos estados insulares para considerar, juntamente com os canais diplomáticos, opções legais para buscar compensação de países desenvolvidos e empresas de combustíveis fósseis”.

O que os países vulneráveis ​​esperam

Os países em desenvolvimento levantam esse assunto porque sabem que as Contribuições Nacionalmente Determinadas [os compromissos assumidos pelos Estados para reduzir suas emissões] são insuficientes. Esta crescente exposição à vulnerabilidade requer financiamento, insistem. “Isso deve ser adicionado ao que já existe: ajuda humanitária de emergência, ajuda ao desenvolvimento, operações de seguros, sistemas de alerta precoce etc.” indica Fanny Petitbon.

Para Avinash Persaud, consultor econômico da primeira-ministra de Barbados, perdas e danos ainda são, aos olhos dos países desenvolvidos, um “conceito vago e pesado que, primeiro, precisa ser redefinido para ser respondido”.

Quanto custa?

Há poucas estimativas sobre os valores e é difícil calcular o que representam as perdas e danos. Um estudo de 2018, no entanto, estabelece uma faixa de US$ 280 a 590 bilhões até 2030 para suprir as necessidades dos países do Sul, apenas para perdas econômicas.

De acordo com um relatório publicado pelo Fórum de Países Vulneráveis ​​(CVF) em junho, a mudança climática já lhes custou US$ 525 bilhões entre 2000 e 2019, ou 1/5 de sua riqueza. O continente africano perde entre 5 e 15% do seu PIB por ano devido ao aquecimento global, segundo o Banco Africano de Desenvolvimento.

Esses países pedem que um relatório sobre a lacuna entre o financiamento disponível e as necessidades reais dos países seja elaborado e publicado pela ONU, como já é o caso para adaptação e mitigação. “Isso forneceria uma base para um entendimento comum", observa Fanny Petitbon.

Por fim, os requerentes querem ter a certeza de que se trata efetivamente de uma doação e não de um empréstimo. Na semana passada, o enviado climático dos Estados Unidos, John Kerry, disse que os EUA trabalharão na COP27 "para desenvolver diretrizes multilaterais para que os bancos disponibilizem mais dinheiro para empréstimos".

De acordo com os números mais recentes da OCDE (agosto de 2022), 71% do financiamento público para o clima (mitigação e, em menor grau, adaptação) foram empréstimos (US$ 48,6 bilhões).

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