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Talibã controla acesso ao aeroporto de Cabul e impede saída de milhares de pessoas

Uma operação para salvar 145 afegãos diretamente ameaçados pelo Talibã foi lançada por pesquisadores e jornalistas estrangeiros que trabalham ou já trabalharam no Afeganistão. O grupo fez um apelo à comunidade internacional, em especial à França, nesta terça-feira (18): "Acolham sem demora esses intelectuais e ativistas na mira do Talibã".

Centenas de pessoas esperam para conseguir embarcar em algum voo no aeroporto de Cabul, único portão de saída no Afeganistão ainda sob controle americano. Em 17 de agosto de 2021.
Centenas de pessoas esperam para conseguir embarcar em algum voo no aeroporto de Cabul, único portão de saída no Afeganistão ainda sob controle americano. Em 17 de agosto de 2021. REUTERS - STRINGER
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Lou Roméo, da RFI, com informações da AFP

"É agora ou nunca para tirá-los do Afeganistão", alertou Nama Vanier, diretora do Centro de Pesquisa Sayara, que co-assina a tribuna publicada no site France Info. O grupo de pesquisadores e jornalistas conseguiu um financiamento para um voo fretado para retirar esses 145 afegãos especialmente ameaçados pelo Talibã.

A Fundação Rockefeller e a Fundação Bertha ajudaram a custear o voo. Agora o que falta é um país disposto a receber essas 145 pessoas em seu território. “Temos todas as autorizações americanas necessárias para pousar e decolar do aeroporto de Cabul”, explica Margaux Benn, ex-correspondente da France 24 no Afeganistão e signatária da tribuna. “Tudo que precisamos é um país de destino.”

Sem uma carta de autorização de pouso emitida por um terceiro país, o avião não pode fazer seu voo de emergência. "Todos os elementos estão lá, só falta um destino", acrescentou Nama Vanier. E o tempo está se esgotando: assim que o aeroporto for completamente assumido pelo Talibã, não será mais possível para essas pessoas em perigo deixar o Afeganistão. O apelo se dirige ao presidente francês: "Apelamos ao presidente Macron para permitir que esses 145 rostos marcados pelo medo e pelo terror aterrissem na França".

A lista de passageiros atualmente escondidos em Cabul inclui ex-funcionários do centro de pesquisa, mas também membros da sociedade civil, um maestro, esportistas de alta performance, ativistas feministas, arqueólogos, tradutores, poetas. “Todos correm perigo imediato”, insiste Margaux Benn. “Colocamos na lista apenas pessoas que conhecemos bem e por quem damos garantias. Todos já sofreram ameaças do Talibã e até tentativas de assassinato”, alerta.

Esperança de encontrar um voo

Milhares de pessoas continuam tentando acessar embaixadas estrangeiras e o aeroporto de Cabul, nesta quinta-feira (19), na intenção de deixar o Afeganistão, desde a retomada de poder pelos talibãs no último domingo (15). Os Estados Unidos e outros países, entre eles a Alemanha, acusam o Talibã de obstruir a saída de afegãos do país.

Presa entre os postos de controle operados pelo Talibã e a cerca de arame farpado erguida pelos militares dos EUA no aeroporto de Cabul, uma enorme multidão de civis afegãos aguarda na esperança de encontrar um voo para fugir para longe dali.

As imagens de segunda-feira (16) de uma maré humana correndo na pista do aeroporto da capital ou de pessoas desesperadamente agarradas à fuselagem de um avião chocaram o mundo. Há cenas de pessoas em queda com a aeronave já em voo, e militares americanos revelaram nesta quarta-feira terem encontrado “restos humanos” no trem de pouso de um avião que realizou a retirada de pessoas de Cabul.

Esses afegãos buscam escapar do novo regime do Talibã, que reassumiu o controle de todo o país, exceto por uma zona de resistência no vale de Panchir, a nordeste de Cabul, após uma campanha militar de dez dias. Perto das embaixadas, eles rezam para serem resgatados. Muitos já têm visto de entrada para outros países, mas não conseguem acessar zonas diplomáticas.

“Falei com meu amigo que está lá. Ele tem um visto dos espanhóis garantindo que pode ir embora com eles, mas quando tenta chegar à porta [do aeroporto], ameaçam de atirar nele”, conta à AFP um homem que pediu o anonimato. "Os espanhóis disseram que, se ele conseguir entrar, vai ficar tudo bem, mas ele não consegue", acrescentou.

Adel Abdul Raziq, presidente da Associação dos Ex-Auxiliares do Exército Francês, explica que no Afeganistão "a situação de segurança é completamente precária e caótica. Especialmente para os ex-auxiliares do exército francês. Eles se sentem ameaçados pelo Talibã e seus apoiadores".

Imagens de mulheres são escondidas

Todos ainda se lembram do regime talibã anterior, entre 1996 e 2001, e de seu histórico catastrófico em termos de respeito aos direitos humanos, e não confiam nas múltiplas garantias dadas nos últimos dias pelos líderes do movimento islâmico.

Na terça-feira (17), um porta-voz do Talibã, Zabihullah Mujahid, garantiu que o grupo aprendeu muito em relação ao seu primeiro exercício no poder, antes de ser expulso em 2001 por uma coalizão liderada pelos Estados Unidos, e que haverá "muitas diferenças" em sua maneira de governar o país agora. Na época, os talibãs impuseram uma versão ultra rigorosa da lei islâmica. As mulheres não podiam trabalhar nem estudar, e os crimes eram punidos com penas como apedrejamento em público, mutilação de órgãos e até a morte.

O Talibã prometeu não buscar vingança e até afirmou ter perdoado ex-funcionários do governo e colaboradores das forças estrangeiras. Mas para muitos afegãos e para a comunidade internacional, a desconfiança permanece.

Uma das evidências da angústia que afeta os habitantes de Cabul em relação ao novo regime é o fato que cartazes publicitários com imagens de mulheres e fotos que decoravam vitrines de lojas foram cobertos, quando não vandalizados.

Imagens de mulheres em publicidades são escondidas ou vandalizadas no Afeganistão com a retomada do poder pelo Talibã. Em 18 de agosto de 2021.
Imagens de mulheres em publicidades são escondidas ou vandalizadas no Afeganistão com a retomada do poder pelo Talibã. Em 18 de agosto de 2021. AFP - WAKIL KOHSAR

"Caos inevitável"

O Talibã parece permitir que cidadãos americanos acessem o aeroporto de Cabul, mas estariam "impedindo que os afegãos que desejam deixar seu país cheguem ao local", onde as complexas operações de retirada continuam com grande dificuldade, lamentou Wendy Sherman, número dois no Departamento de Estado americano.

Os Estados Unidos esperam que eles "permitam que todos os cidadãos americanos, todos os estrangeiros e todos os afegãos partam se quiserem, de maneira segura e sem serem incomodados", ela acrescentou.

Os EUA enviaram 6 mil soldados para proteger o aeroporto de Cabul e retirar cerca de 30 mil civis americanos e afegãos que trabalhavam para eles e temiam por suas vidas. Segundo informações divulgadas pelo Pentágono nesta quinta-feira, os militares americanos já resgataram cerca de 7 mil pessoas, incluindo seus profissionais e milhares de refugiados afegãos. Outros países ocidentais, incluindo Espanha, França e Reino Unido, também realizaram operações.

Fortemente criticado nos Estados Unidos e no exterior por sua gestão da retirada das tropas americanas após 20 anos de ocupação, considerada precipitada, o presidente Joe Biden admitiu nesta quarta-feira que um certo "caos" era de alguma forma inevitável.

Apresentando-se como mais moderado, o Talibã parece receber uma recepção internacional menos hostil do que há duas décadas, quando apenas três países – Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Arábia Saudita – reconheceram seu regime, embora ninguém tenha ido tão longe ainda desta vez. China, Rússia, Turquia e Irã enviaram sinais de abertura. Mas os países ocidentais, principalmente Alemanha, Estados Unidos, França e Reino Unido, estão mais relutantes e esperam para decidir "com base nos fatos".

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