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O Mundo Agora

Por que Merkel transformou a visita ao Brasil em ofensiva político-econômica

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A visita da chanceler Angela Merkel ao Brasil já estava prevista há muito tempo. Mas dessa vez ela decidiu aproveitar para sair do figurino dos encontros ditos de “alto nível” e seus comunicados finais insossos. Acompanhada de 19 ministros e secretários de Estado e nenhum empresário, como seria de costume, Merkel não veio para trocar amabilidades e generalidades óbvias com Dilma Rousseff. O objetivo era dar dois recados claros.

A presidenta Dilma Rousseff e sua homóloga alemã, a chanceler Ângela Merkel, no Palácio do Planalto, em 20 de agosto de 2015.
A presidenta Dilma Rousseff e sua homóloga alemã, a chanceler Ângela Merkel, no Palácio do Planalto, em 20 de agosto de 2015. REUTERS/Ueslei Marcelino
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Os empresários alemães estão interessados em investir mais no Brasil, particularmente no ambicioso programa de investimento em logística que Brasília tenta desesperadamente vender aos investidores internacionais. Mas o vice-ministro das Finanças da Alemanha fez questão de deixar bem evidente que isso não ia acontecer se não houvesse um “quadro mais interessante” – isto é, segurança jurídica, legislação tributária decente e previsível, regulação dos contratos de maneira garantir os investimentos e o retorno das empresas dispostas a encarar o “risco Brasil”.

Em outras palavras: se quiser capital de fora para começar a resolver os problemas de competitividade do país, o governo brasileiro vai ter que fazer um baita dever de casa – profundas reformas estruturais acompanhadas de um pesado choque de modernidade. E a delegação alemã deixou claro que estava disposta a conversar e ajudar os brasileiros a trilhar esse caminho pedregoso.

Não é por acaso que a chancelar alemã decidiu transformar a visita em ofensiva político-econômica. A Alemanha está cada vez mais preocupada com o futuro da sua própria economia. O modelo alemão, que tanto deu certo nos últimos anos, está baseado no estrondoso sucesso de suas exportações. As vendas ao exterior representam 50% do PIB do país, uma cifra impressionante para uma economia desenvolvida carente de petróleo e matérias primas.

Maior exportador do planeta

Aliás, a Alemanha, desde o início do ano, já se tornou o principal exportador do planeta. Sem o dinamismo do comércio exterior o “milagre alemão” pode ir por água abaixo. Só que os últimos sinais dados pela economia global não são nada alvissareiros.

Mais da metade das exportações alemães vão para os outros membros da União Européia. Mas o mercado europeu está praticamente estagnado desde a crise de 2008. Alguns sinais recentes mostram que algumas regiões ou setores do Velho Continente estão começando a emergir desse marasmo, mas ainda falta muito para ver uma Europa mais dinâmica.

Na verdade, além dos efeitos da crise, a transição irreversível para um novo modelo de produção baseado nas novas tecnologias digitais está provocando uma queda estrutural da demanda. Os consumidores europeus continuam sendo fundamentais, mas não serão eles a bala de prata que vai salvar o modelo exportador alemão.

Os “emergentes” também estão cambaleando. Mercedes, BMW e Audi já estão chorando os bons tempos da festa chinesa. Hoje, está claro que a China bateu na parede e que a bonança acabou. A economia chinesa está se desmontando, com bolhas financeiras e imobiliárias estourando e carregando junto boa parte das outras economias asiáticas. A Rússia, também outro grande mercado alemão e totalmente dependente dos preços do petróleo, entrou em recessão ladeira abaixo. Só os Estados Unidos continuam segurando o aumento do comércio alemão.

Brasil, uma aposta

Nesse quadro sombrio, o Brasil pode ser uma boa aposta. Quase todas as grandes empresas alemãs já estão presentes no país há décadas, e o mercado de consumo privado brasileiro ainda representa mais de 60% do mercado chinês. Ainda por cima, o país precisa urgentemente de infra-estruturas modernas. As oportunidades para a economia alemã são, portanto, suculentas. Mas só se Brasília conseguir realmente implementar um “upgrade” consistente nas políticas públicas, na regulamentação, nas regras de competição interna, nas garantias para os investimentos, no funcionamento da justiça para os negócios, no modelo energético e por aí vai.

Para os dirigentes alemães, um país democrático e com uma cultura ocidental como o Brasil, tem mais chances do que os outros emergentes de sair do buraco e encontrar um nicho na nova economia global. E a atual e profunda crise econômica e política brasileira é uma boa ocasião para vir com novas ideias, conselhos e promessas de ajuda. Angela Merkel e seus 19 ministros não fizeram por menos.

Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, escreve às terças-feiras para a RFI Brasil.

 

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