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O Mundo Agora

Futebol globalizado da Fifa afastou torcedores

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Quando a “pátria de chuteiras” do grande Nélson Rodrigues começa a utilizar o futebol e a própria Seleção para bradar reivindicações sociais não é só o país que vai mal, é também o futebol "globalizado" da FIFA que não tem quase mais nada a ver com as torcidas. Hoje, a Copa do Mundo é um acontecimento midiático global no qual o futebol é só um pretexto. O que conta são os rios de dinheiro dos contratos de televisão exclusivos, da propaganda dos diversos patrocinadores – os Nike, Adidas, marcas de cerveja, desodorantes ou barbeadores elétricos – dos “bichos” milionários, dos investimentos de prestígio para os políticos dos países organizadores, sem falar da corrupção e compra de votos na própria FIFA. É todo um ecossistema que vive às custas do talento dos craques e do entusiasmo dos torcedores.

REUTERS/Mike Segar
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Copa do Brasil excluiu o povão das arenas

Só que essa transformação do futebol em simples negócio, às vezes bastante sórdido, está ameaçando matar a galinha dos ovos de ouro. Isto é: a fidelidade da galera. Para começar, a Copa no Brasil está praticamente excluindo o povão das arenas. Os preços são tão caros que nem pobre nem remediado têm condições de comprar entradas. Sem falar no preço dos transportes aéreos internos que vai limitar a capacidade de assistir jogos longe de casa. Os turistas que vieram já com pacotes comprados vão se esbaldar. Mas até aí tudo bem, o pessoal vai sair em busca dos telões. Afinal de contas, na copa da Alemanha isso funcionou super bem criando um bom ambiente nas cidades alemães. Não é a mesma coisa, claro, mas não vai estragar a festa toda – sobretudo se os canarinhos estiverem jogando bem e ganhando.

O Brasil virou um exportador de jogadores

O problema é que até a identificação com a Seleção é mais complicada do que antigamente. Hoje, quase todos os craques brasileiros jogam no exterior: dos 23 convocados só 4 atuam em clubes nacionais – Atlético, Botafogo e Fluminense. O Brasil é um grande exportador de jogadores que são comprados cada vez mais jovens. Os melhores estão no elenco dos grandes clubes europeus e muitos viraram ídolos, na Espanha, na Itália, na França ou na Inglaterra. Os fabulosos times europeus são compostos quase inteiramente por estrangeiros e as torcidas se habituaram a torcer pelos jogadores do clube, independentemente da nacionalidade de cada um. A tal ponto que hoje o Barcelona, o Manchester United ou o Bayern têm fan-clube no mundo inteiro.

Até no Brasil, onde basta andar pela rua para ver gente com a camisa desses clubes. A torcida se globalizou. A maioria dos brasileiros só viu jogar os craques brasileiros na televisão. E pior ainda, os clubes no Brasil atraem pouquíssimos “cobras” estrangeiros. O país do futebol tem que se contentar com um relacionamento virtual com os melhores jogadores e melhores jogos do planeta. Isso obviamente não ajuda uma identificação forte com a Seleção que vira só um instrumento dentro de uma competição nacionalista onde é o “país” que tem de ganhar a qualquer custo contra outro “país”.

O futebol vai perdendo as suas características de arte, de jogo bonito e de simples esporte para se transformar em esquemas táticos dessas pseudo-guerras nacionalistas, onde o fervor das torcidas, por vezes agressivo e perigoso, é aproveitado por cartolas e patrocinadores. E isto é um fenômeno perceptível em todos os países que jogam bola.

Portanto, não surpreende que essa distância cada vez maior entre imagens televisivas que exaltam as paixões nacionalistas, e o amor pelo futebol e os craques, acabe abrindo espaço para a instrumentalização da Copa por todos os descontentes. A Copa não é mais vista como um grande jogo mas como um acontecimento político global, ideal para dar o máximo de repercussão às reclamações, reivindicações e esperanças de mudanças políticas e sociais. Mesmo se no final das contas, todo o mundo vai morrer de alegria se a Seleção ganhar, até os que manifestam contra.

Mas se o escrete tropeçar a Copa pode virar o que ela já é na realidade: uma queda de braço política. Há alguns anos atrás, a música do Edu Krieger pedindo desculpas ao Neymar por não torcer pela Seleção era inconcebível. Ela só foi possível com a globalização do futebol, a arrogância corrupta da FIFA e o descalabro da classe política na “pátria de chuteiras”. Mas tomara que venha o hexa!

Clique no ícone acima para ouvir a crônica O Mundo Agora de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris
 

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