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O Mundo Agora

No Mercosul há muita verborragia e pouca integração, diz analista

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O general De Gaulle, confrontado com um subordinado que arguia que o movimento estratégico escolhido carecia de meios para ser executado, teria respondido com desdém: “A intendência seguirá”. Ninguém sabe se a anedota é verdadeira, mas o grande presidente francês estava convencido de que pronunciamentos e manobras políticas sempre deveriam ter precedência sobre a mundana administração econômica do dia a dia. De Gaulle era um mestre do gogó e com isso ele conseguiu fazer com que os franceses – sempre nostálgicos da grandeza passada – e boa parte do resto do mundo esquecessem que a velha Gália era uma potência em declínio. Só que no mundo globalizado de hoje, mais do que antigamente, o poderio de uma nação é estreitamente vinculado ao sucesso econômico.

Os presidentes (E-D) da Bolívia, Evo Morales; da Argentina, Cristina Fernandez; do Uruguai, José Mujica; do Brasil, Dilma Rousseff e da Venezuela, Nicolas Maduro durante a reunião da Cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, 12 de julho de 2013.
Os presidentes (E-D) da Bolívia, Evo Morales; da Argentina, Cristina Fernandez; do Uruguai, José Mujica; do Brasil, Dilma Rousseff e da Venezuela, Nicolas Maduro durante a reunião da Cúpula do Mercosul em Montevidéu, no Uruguai, 12 de julho de 2013. REUTERS/Nicolas Garrido
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Sem uma poderosa base econômica não há gogó que salve. A própria França, até bem pouco, ainda era a quarta economia do planeta e um dos poucos polos de excelência mundiais em matéria de alta tecnologia. A arrogância verbal “gaullista” tinha algumas bases concretas para agüentar o tranco. E o general sempre cuidou da boa administração e da modernização da economia francesa. Hoje, infelizmente, com o modelo econômico francês em frangalhos, os discursos altissonantes feitos em Paris são motivo de chacotas.

Pelo visto, os países emergentes ainda não aprenderam essa velha lição das relações internacionais. A América Latina é o exemplo típico dessa fuga da realidade. A região é campeã da retórica estrambótica sem nenhuma base sólida para sustentá-la. Quantas tentativas não foram feitas para criar processos de integração econômica regionais e que acabaram em instituições vazias, com pífios resultados concretos, mas sempre exaltadas em discursos ditirâmbicos como se fossem gloriosas realizações que iriam finalmente libertar os povos latinos do “colonialismo”, do “imperialismo” ou da “dependência”.

O último avatar deste primado da verborragia é o Mercosul. Na sua criação foi considerado um modelo. Pela primeira vez na América Latina, esse tipo de iniciativa parecia sério. E é pura verdade, que o processo avançou rapidamente, com ótimos resultados. Basta lembrar que o comércio entre os países membros quadruplicou nos primeiros anos de existência do bloco, e que várias iniciativas de integração nos domínio das regulamentações, da educação ou dos direitos dos cidadãos deram certo. Só que depois das crises, na passagem do século, o Mercosul se atolou. A União Aduaneira ficou mais perfurada do que queijo suíço e os contenciosos entre os países membros aumentaram até se tornarem estridentes.

Nenhum dos países membros está satisfeito com o bloco, que deixou de ser um incentivo para a modernização econômica de seus integrantes e está se tornando um simples palco para declarações políticas irrelevantes. A suspensão do Paraguai, a entrada pela janela da Venezuela, a vontade explícita de agregar ao processo a Bolívia, foram as últimas pás de cal. As economias dos sócios estão em crise e não há mais o mínimo consenso interno quanto ao modelo econômico que deveria ser seguido para sair do buraco.

Resultado: na recente Cúpula do bloco nada foi dito sobre os problemas internos que estão inviabilizando todo o processo de integração. Em compensação, houve declarações solenes condenando a espionagem cibernética americana e o tratamento dado pelos europeus ao vôo do presidente Evo Morales de volta para casa. Tudo bem, só que nenhum dos países membros, nem mesmo o Brasil, tem hoje cacife para ser escutado.

A mesma irrelevância está também ameaçando os famosos BRICS. Enquanto os grandes emergentes acumulavam taxas de crescimento econômico estratosféricas, o resto do planeta estava disposto a escutar o que tinham a dizer – apesar de todo mundo saber que não há nenhuma visão comum entre os membros do BRICS, salvo a reivindicação de terem mais voz nos grandes foros de decisão internacionais.

Mas hoje, o tão celebrado “modelo chinês” está com problemas seríssimos, a Índia tropeçou pesado, a economia russa não se sustenta vendendo só gás, petróleo e armas e o Brasil está quase parando com multidões na rua pedindo governo competente. A conseqüência imediata é que pouca gente ainda leva a sério as declarações das Cúpulas dos BRICS.

É claro que o protagonismo político é essencial, mas sem a “intendência” econômica não há projeto de potência que se sustente. Os “emergentes” tiveram o seu momento de glória durante a década da “globalização feliz” no começo do século. Se quiserem manter um pouquinho do status adquirido vão ter que arregaçar as mangas e ter coragem de realizar as profundas reformas internas necessárias para voltar a crescer. Também terão que abandonar a retórica oca de que o “Norte” acabou e de que agora é vez do “Sul” ser o rei da cocada.

Clique acima para ouvir a crônica de política internacional de Alfredo Valladão, professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris.

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