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França/Imprensa

Leitores se mobilizam para salvar centenário jornal comunista L’Humanité

O histórico jornal francês L’Humanité enfrenta sérias dificuldades financeiras e corre o risco de fechar, ameaçando a pluralidade da imprensa na França. O diário de tendência comunista ainda circula, mas passa por uma recuperação judicial e tem seis meses para se reerguer. Como os franceses, leitores brasileiros do L’Humanité também estão preocupados com um eventual desaparecimento do jornal independente que “melhor cobre a realidade brasileira, sem o pensamento único que domina os outros diários.”

O pedido de recuperação judicial do jornal L'Humanité foi aceito pela Justiça francesa no último dia 7 de fevereiro..
O pedido de recuperação judicial do jornal L'Humanité foi aceito pela Justiça francesa no último dia 7 de fevereiro.. Martin BUREAU / AFP
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“O fim do L’Humanité” seria uma grande perda para os leitores do jornal e para a pluralidade da imprensa francesa, que é uma coisa rara no mundo”, adverte a jornalista brasileira Leneide Duarte, radicada na França desde 2001 e leitora assídua do diário. Ela lembra que o jornal, que “nunca negou o comunismo e defende o socialismo, está na contracorrente de outros veículos”, comprometidos com o grande capital. Para Leneide, L’Humanité é o diário francês que melhor cobre, por exemplo, o Brasil, a Venezuela e o conflito israelo-palestino. Segundo a jornalista, ele não se alinha com a posição dos Estados Unidos sobre essas regiões como os outros.

L’Humanité é o “único da França que diz que Lula é um prisioneiro político, que não associa o nome de Lula a julgamento por corrupção, como os outros dizem, sem nunca dizer que esse julgamento é contestado por juristas; é o único que diz claramente que o impeachment da presidente Dilma foi um golpe; foi o único que fez uma capa com a campanha pelo Nobel da Paz para Lula”, ressalta Leneide.

Essa primeira página com Lula, do final do mês de janeiro, também é citada por Thomas Lemahieu, representante do jornal no Sindicato Nacional dos Jornalistas, para exemplificar a relação entre L’Humanité e o Brasil. A publicação mobilizou nas redes sociais dezenas de internautas no Brasil que não são leitores tradicionais. “Ela suscitou reações de partidários de Bolsonaro, indignados que um jornal francês faça uma capa com Lula”, explica Thomas Lemahieu, que cobriu durante anos o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, e lamenta que no ano passado o jornal não tenha mandado, por medida de economia, nenhum enviado especial para cobrir a eleição presidencial no Brasil.

Crise antiga

A crise na imprensa é geral e atinge, na França como em outros países, vários jornais. Mas a situação do L’Humanité é mais frágil. O jornal é um dos únicos diários independentes do país, pois não pertence a nenhum grupo industrial ou milionário. Fundado pelo socialista Jean Jaurès em 1904, ele foi órgão oficial do Partido Comunista Francês até 1994, quando passou a ser propriedade da Sociedade Amigos do L’Humanité.

A crise financeira, provocada pela queda do número de vendas, assinaturas e publicidade, já dura alguns anos. Em 2008, o jornal foi forçado a vender sua sede histórica em Saint-Denis, periferia de Paris, para pagar parte das dívidas. O belo prédio, projetado pelo brasileiro Oscar Niemeyer, foi vendido ao governo francês por € 12 milhões e deu um pouco de fôlego à publicação.

Vários planos estratégicos, com cortes de gasto e pessoal, foram adotados. Mas, entre 2017 e 2018, o jornal que tem uma tiragem de 50 mil exemplares, perdeu 6,2% de seus leitores. Ele acumula dívidas de € 7 milhões e teve que entrar, no final de janeiro, com um pedido de recuperação judicial para continuar funcionando e não demitir os cerca de 200 funcionários, sendo 170 jornalistas. O jornal lançou uma campanha por doações e novos assinantes que ganha grande adesão de militantes, ativistas políticos e leitores, de todas as tendências políticas. Em poucas semanas, mais de € 800 mil euros foram doados.

Novo modelo econômico

Apesar da “simpatia e do engajamento dos leitores, que nenhum outro jornal na França tem” as doações não são suficientes e o diário tem que encontrar um novo modelo econômico e editorial sustentável, salienta Thomas Lemahieu. Várias pistas estão sendo estudadas. O objetivo principal é manter a versão impressa, que tem um público fiel, e desenvolver os conteúdos na internet, para atrair novos assinantes, inclusive no estrangeiro.

Os funcionários propõem adotar o sistema de “empresa solidária de empresa” que existe na França, permitindo que “leitores mais ricos, como artistas e intelectuais, se transformem em acionistas”. Isso “evitaria o controle por um único acionista”, antecipa o jornalista. Outra pista é pedir ao governo francês um reequilíbrio do fundo de ajuda à imprensa, um subsídio que garante o pluralismo. “O governo tem a obrigação constitucional de preservar a diversidade na imprensa. Não podemos imaginar que esse governo, que o presidente Macron, deixem desaparecer um jornal que nasceu há 115 anos”, salienta Lemahieu.

Uma grande festa de apoio a L’Humanité acontece no próximo 22 de fevereiro, no Centro de Convenções de Montreuil, na periferia de Paris, e já conta com a adesão de mais de cinco mil pessoas. Uma nova audiência na Justiça está prevista para 27 de março.

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