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França: comissão sobre violência sexual contra menores pede que pedofilia seja crime sem prescrição

Uma comissão sobre a violência sexual contra menores, criada em 2021 pelo presidente francês, Emmanuel Macron, divulgou nesta sexta-feira (17) um relatório de mais de 700 páginas, recomendando que o governo declare imprescritíveis os crimes de pedofilia. O documento também defende a criação de um protocolo para tratar as consequências das agressões, entre outras propostas.

O copresidente da comissão Edouard Durand ouve uma vítima de abuso sexual durante uma reunião pública da "Commission Independante sur l'Inceste et les Violences Sexuelles faites aux Enfants" (CIIVISE)
O copresidente da comissão, Edouard Durand, ouve uma vítima de abuso sexual durante uma reunião pública da Comissão Independente sobre o Incesto e Violências Sexuais contra crianças. AFP - JULIEN DE ROSA
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Após três anos de trabalho em que recolheu 30.000 testemunhos, a Comissão Independente sobre o Incesto e Violências Sexuais contra Crianças (Ciivise) publicou um relatório de 730 páginas que explica o mecanismo das agressões.

O documento foi apresentado à Secretária de Estado da Criança, Charlotte Caubel, segundo um comunicado do governo, que parabenizou a comissão pela "qualidade do trabalho” e afirmou que faria “anúncios na segunda-feira sobre a prevenção da violência sexual contra crianças”. Entre as recomendações estão a identificação sistemática de crianças vulneráveis, a extensão da noção de incesto aos primos e o reembolso de terapias psicológicas de​ todas as vítimas. 

Na França, o incesto, considerado qualquer relação sexual de um menor de 18 anos com um membro da família, é criminalizado. No Brasil, a lei é diferente. Para ser considerado como abuso sexual ou estupro, deve envolver uma criança menor de 14 anos e um adulto da mesma família. 

"Um enorme problema de ordem pública e de saúde pública, que destrói muitas crianças. As consequências para a sociedade são consideráveis ​​e os agressores de crianças são extremamente perigosos”, explica o co-presidente da comissão, o juiz da Infância, Edouard Durand.

O número de crianças vítimas de violências sexuais na França é de 160 mil todos os anos. Segundo o governo francês, a cada três minutos, uma criança é agredida sexualmente no país. 

De acordo com o órgão, para lutar contra este crime, todas as crianças devem ser questionadas sistematicamente pela enfermeira escolar ou pelo médico. A comissão também sugere que seja criada uma “consulta anual de rastreio e prevenção sobre o bem-estar e desenvolvimento” do menor.

Outra recomendação é a detecção generalizada da violência sexual em determinadas situações como gravidez na adolescência ou hospitalização de crianças e adolescentes após tentativa de suicídio.

Sem prescrição

A comissão também insiste na melhora do tratamento judicial dos casos. Na França, 70% das queixas por violência sexual contra crianças são rejeitadas ou arquivadas. Além disso, a criança deve ser imediatamente levada para um local seguro. Baseando-se em ordens de proteção usadas em casos de agressão contra mulheres, a comissão recomenda uma ordem de segurança infantil (OSE) que poderia ser acionada pelo juiz “em caso de provável incesto”.

Outro ponto é a “imprescritibilidade” de violências sexuais e estupros cometidos contra menores, porque revelar a agressão que acontece dentro de uma família, muitas vezes leva décadas. “Não devemos impor às crianças um dia a partir do qual não poderão procurar justiça”, disse Durand. A imprescritibilidade em caso de estupro de menores existe na Suécia, Noruega, Bélgica e Canadá, segundo o relatório.

Para ajudar as vítimas a “se reconstruirem”, o documento também recomenda um curso de cuidados especializados em psicotrauma financiado pelo plano de saúde, que ajudaria a reduzir as sequelas como comportamentos de risco, vícios, problemas psicológicos, entre outros. 

Causa nacional

Mas como um país, onde houve uma certa complacência durante o período após 1968 marcado pela liberação da moral, da sexualidade e da sociedade, conseguiu transformar este problema em uma causa nacional?

Para os especialistas, a publicação do livro "O Consentimento" de Vanessa Springora, em 2020, vítima do escritor Gabriel Matzneff, cuja pedofilia era conhecida do mundo literário parisiense, foi um marcoi.

Outro livro, "A Grande Família", em que Camille Kouchner acusa o padrasto, o conhecido cientista político Olivier Duhamel, de ter agredido sexualmente o seu irmão gêmeo quando este era adolescente, ajudou a quebrar o tabu sobre o incesto.

Em outubro de 2021, a Ciase, outra comissão independente, calculou que 216 mil menores de idade foram vítimas de padres e religiosos entre 1950 e 2020 na França, e que cerca de 5,5 milhões de adultos sofreram violência sexual na infância.

Outros dados fornecidos completam o quadro na França: 97% dos agressores são homens (em 27% dos casos, os pais) e apenas 3% dos ataques terminam com a condenação do agressor (1% em caso de incesto).

A comissão defende, entre as suas 82 recomendações, além da proteção do menor, a garantia da segurança do progenitor protetor em caso de incesto parental.

Os efeitos na saúde da vítima ao longo da vida, assim como o uso de recursos policiais e judiciais, têm atualmente um custo de quase 10 bilhões de euros por ano (cerca de R$ 52,4 bilhões de reais), alerta a comissão.

(Com informações da AFP)

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