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Relatório inédito revela amplitude da violência sexual contra menores por religiosos católicos na Espanha

Mais de 200 mil menores podem ter sido vítimas de violência sexual por parte de religiosos na Espanha, segundo uma estimativa publicada nesta sexta-feira (27) por uma comissão independente de inquérito sobre a pedocriminalidade na Igreja Católica.

Defensor do Povo na Espanha,  Angel Gabilondo, apresentou os resultados dos trabalhos de uma comissão organizada para apurar os crimes sexuais contra as crianças no país. (27/10/2023)
Defensor do Povo na Espanha, Angel Gabilondo, apresentou os resultados dos trabalhos de uma comissão organizada para apurar os crimes sexuais contra as crianças no país. (27/10/2023) AFP - JAVIER SORIANO
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O relatório não fornece números precisos, mas contém uma investigação realizada a pedido da comissão junto a mais de 8 mil pessoas. Com base nessa amostragem, os resultados indicam que 0,6% da população adulta espanhola (quase 39 milhões de pessoas) afirmou ter sido abusada sexualmente quando eram menores por religiosos.

Além disso, um número ligeiramente inferior de espanhóis (0,53%) relatou ter sido abusado sexualmente quando era menor por laicos que trabalhavam em instituições religiosas. Estas estimativas constam em um relatório apresentado à Câmara dos Deputados espanhóis pelo Defensor do Povo, Ángel Gabilondo, no final dos trabalhos de uma comissão independente, a primeira criada no país para avaliar a extensão dos crimes contra crianças na Igreja Católica.

O relatório critica a atitude da instituição e lamenta que a reação da Igreja aos casos de abuso infantil tenha sido “insuficiente”.

Entre as medidas propostas no relatório, está a criação, por parte do Estado, de um fundo para pagar indenizações às vítimas. Gabilondo esclareceu, durante uma coletiva de imprensa, que os casos diziam respeito principalmente ao período “de 1970 até ao presente”.

Espanha estava atrasada 

Ao contrário da França, da Alemanha, da Irlanda e dos Estados Unidos, a Espanha, um país com uma forte tradição católica, nunca realizou uma investigação independente sobre o tema. Os deputados espanhóis quiseram remediar esta falha ao decidir, em março de 2022, criar uma comissão de peritos responsável por “esclarecer” os “atos pessoais execráveis ​​cometidos contra crianças indefesas” na Igreja espanhola.

Para efeito de comparação, uma comissão independente identificou 216 mil vítimas menores desde 1950 em França. Na Alemanha, um estudo identificou 3.677 casos entre 1946 e 2014, e na Irlanda, mais de 14.500 pessoas receberam compensação financeira através de um mecanismo criado pelo governo.

Os parlamentares espanhóis solicitaram ao Defensor do Povo, órgão constitucional encarregado de verificar o cumprimento dos princípios básicos da Constituição, que dirigisse esta comissão. O objetivo era determinar “responsabilidades” nos casos de violência sexual, oferecer “reparação” às vítimas e prevenir novas ocorrências.

Para realizar o trabalho, a comissão contou com especialistas em direito e assistência às vítimas, e se baseou em seus depoimentos.

Pouco antes de o relatório ser apresentado, a Conferência Episcopal da Igreja Católica anunciou que iria realizar uma assembleia plenária extraordinária na próxima segunda-feira (30), durante a qual os bispos debaterão o relatório.

A Igreja, que durante anos recusou qualquer investigação aprofundada, não quis participar nos trabalhos da comissão. No entanto, concordou em fornecer-lhe, em março, informações sobre casos de abuso infantil recolhidos pelas dioceses.

'Ponta do iceberg'

Perante a crescente pressão política e acusações de obstrução, a Igreja deu um primeiro passo em fevereiro de 2022 ao lançar a sua própria auditoria externa, feita pelo escritório de advogados Cremades & Calvo Sotelo.

Apesar das liminares da Conferência Episcopal, que há algumas semanas ordenou ao escritório de advogados que publicasse o seu relatório no prazo de dez dias, os resultados desta auditoria só deverão ser apresentados no final do ano, após a publicação de um resumo em novembro.

A Igreja, que afirma em sua defesa ter implementado protocolos para lidar com a violência sexual e gabinetes de “proteção das crianças” nas dioceses, admitiu, em junho, ter recolhido os depoimentos de 927 vítimas. Este número ficou, no entanto, muito abaixo das 2.206 vítimas contabilizadas pelo diário espanhol El País, que criou a sua própria base de dados em 2018. Os primeiros casos datam de 1927.

O diário madrileno identificou também 1.036 figuras religiosas acusadas de agressão sexual a menores. “Segundo os especialistas, isto é apenas a ponta do iceberg”, escreveu o El País na sexta-feira. O relatório publicado sexta-feira prova que o jornal está certo.

Com informações da AFP

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