Acessar o conteúdo principal

Revolta de franceses extrapola reforma da Previdência para denunciar ataque de Macron à democracia

O presidente Emmanuel Macron foi o principal alvo de críticas dos franceses que participaram das manifestações contra a reforma da Previdência nesta quinta-feira (23) nas principais cidades do país. A atitude de Macron, considerada autoritária e vista como um desprezo à população, extrapolou a insatisfação com a aprovação da reforma e se transformou em uma ampla reivindicação de defesa da democracia.

Manifestantes em Paris.
Manifestantes em Paris. © Adriana Moysés / RFI
Publicidade

Adriana Moysés, da RFI

Em Paris, o nono dia de mobilização nacional contra a reforma das aposentadorias foi marcado por um aumento da participação de estudantes e de pessoas que não foram a manifestações anteriores, mas ficaram "chocadas" com a adoção do projeto sem votação dos deputados e revoltadas com o desdém de Macron em relação aos grevistas e aos protestos pacíficos das últimas semanas. 

"A oposição à reforma já era grande, por ser um assunto que envolve toda a sociedade, mas eu percebo que o movimento cresceu desde a aprovação do texto por meio do artigo 49.3, e envolve agora a defesa da democracia", disse Alberto, um universitário de 22 anos, estudante de Biologia na Universidade Paris 7, unidade da Sorbonne.

Ele esteve nesta quinta-feira (23) na manifestação que partiu da praça da Bastilha em direção à Ópera Garnier, no centro da capital. "O fato que esta reforma seja rejeitada por um número tão grande de franceses e, assim mesmo, seja aplicada, é revoltante, principalmente num país democrático que ensina à sua juventude os valores da democracia e uma certa concepção da República, inclusive da República social", afirmou Alberto à reportagem da RFI

O estudante participou da manifestação ao lado de Christian, um aposentado de 65 anos, também indignado com a insistência de Macron em ignorar o apelo popular.

"Temos um sistema que é representativo, mas os políticos eleitos representam cada vez menos seus eleitores. Essa reforma é rejeitada por 70% dos franceses e por 90% dos ativos do país. Os parlamentares deveriam agir como porta-vozes dos eleitores. Mas quando vemos que esse projeto de lei passou por apenas nove votos na Assembleia, fica evidente a defasagem entre o que as pessoas expressam nas ruas e o que faz o Parlamento", argumenta o aposentado, que foi educador social. 

A maioria dos cartazes dos manifestantes se dirigia diretamente ao presidente Emmanuel Macron.
A maioria dos cartazes dos manifestantes se dirigia diretamente ao presidente Emmanuel Macron. © Adriana Moysés / RFI

Comparação descabida com bolsonaristas

Para Christian, a comparação feita por Macron sobre os incidentes de violência no final de alguns protestos e os extremistas brasileiros que atacaram o Congresso no dia 8 de janeiro, assim como os supremacistas brancos partidários de Donald Trump, é mais um excesso "descabido e calculado" do presidente centrista. 

Christian é um ferrenho defensor do sistema previdenciário francês, no qual os ativos contribuem para sustentar os pensionistas. Ele reconhece que atualmente existe um desequilíbrio que deve ser corrigido por uma reforma, mas argumenta que o projeto de Macron focou no curto prazo, além de o presidente ter como "segunda intenção" favorecer a capitalização nas próximas gerações, atrelando o sistema francês a fundos de pensão.   

Cartaz de manifestante repudia estratégia política de Macron, que fortalece a opositora Marine Le Pen, de extrema direira, para a eleição presidencial de 2027.
Cartaz de manifestante repudia estratégia política de Macron, que fortalece a opositora Marine Le Pen, de extrema direira, para a eleição presidencial de 2027. © Adriana Moysés / RFI

"As manifestações têm sido amplas, misturam muitos extratos sociais e abrangem várias reivindicações. Os coletes amarelos continuam nas ruas. Aí percebemos que o governo não aprendeu a lição de 2018 [quando o movimento dos coletes amarelos eclodiu]", diz o aposentado. "Existe uma verdadeira revolta da população. Se as pessoas exprimem esse descontentamento de forma pacífica e mesmo assim não são ouvidas, existe o risco de terminar em violência."

No cartaz que levou à manifestação, Christian critica a estratégia de Macron, que em sua opinião, assim como para a maioria dos analistas políticos, fortalece a líder de extrema direita Marine Le Pen na eleição presidencial de 2027.

Desrespeito à democracia

Lison, 21 anos, estudante de História na Sorbonne, esteve na manifestação da praça da Bastilha pela primeira vez. "Na maior parte do tempo fiquei em casa porque estou com um bebê pequeno. Mas depois da aprovação da reforma pela validação do artigo 49.3, e os deputados terem rejeitado a moção de censura contra o governo, acho que não é normal que a democracia não se faça respeitar na França. Ela é o nome do nosso regime. Tanto meu futuro quanto o do meu bebê dependem do que está sendo decidido nesse momento, por isso acho importante participar desse protesto", destacou a estudante.

Perto dela, Emilie Pierrot, doutoranda em sismologia na Universidade da Cité, também participou pela primeira vez da manifestação contra a reforma que eleva, gradualmente até 2030, a idade mínima de aposentadoria para 64 anos, associada a 43 anos de contribuições. "Depois que a Assembleia rejeitou a moção de censura contra o governo, acho que se tornou mais importante ainda mostrar que a população não aprova este governo", afirmou.

Mensagem de manifestante rebate afirmação de Macron que associou grevistas a facção de extremistas.
Mensagem de manifestante rebate afirmação de Macron que associou grevistas a facção de extremistas. © Adriana Moysés / RFI

Joel Minet, 65 anos, professor e pesquisador aposentado do Museu de História Natural de Paris, resume o que muitos franceses têm repetido com insistência. "Dinheiro existe. Eles acharam com a maior facilidade no momento de isolar as pessoas e solucionar os problemas econômicos da pandemia. Agora também encontram dinheiro para enviar armas à Ucrânia. Infelizmente, os aposentados não têm uma longa esperança de vida, mas o governo continua agindo a curto prazo sem pensar numa reforma de longo prazo", opina o ex-professor.

Desde o início do processo de discussão da proposta, em outubro do ano passado, o governo recorreu a vários mecanismos institucionais para acelerar a tramitação do projeto. A primeira-ministra Élisabeth Borne privilegiou a aliança política com deputados da bancada de direita, em detrimento de negociar com os sindicatos questões relacionadas à insalubridade de algumas profissões, como lixeiros, operadores de tratamento de esgoto, enfermeiros e cuidadores de idosos, entre outros, que podem ter dificuldade para exercer essas funções até 64 anos. Muitos franceses estão nas ruas para defender os interesses desses trabalhadores precários.

Manifestações em Paris terminam em violência
Manifestantes entraram em confronto com a polícia durante o protesto contra a reforma da Previdência em Paris, em 23/03/2023
Manifestantes entraram em confronto com a polícia durante o protesto contra a reforma da Previdência em Paris, em 23/03/2023 © Damien Vasile/RFI

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Compartilhar :
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.