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Festival de Cinema de Biarritz: especialistas debatem tensão política no Brasil às vésperas das eleições

Em sua 31ª edição, o tradicional Festival de Cinema Latino-Americano de Biarritz se interessa pelo Brasil: "Um gigante derrubado?", questionou um debate organizado, nesta terça-feira (27), pelo Instituto de Ensinos Avançados da América Latina da Universidade Sorbonne Nouvelle dentro da programação paralela do festival. O Brasil está representado na mostra competitiva e na seção Focus Brésil, uma seleção de filmes nacionais.

Professores de diversas instituições de ensino europeias participaram de um debate sobre os desafios do Brasil, as vésperas das eleições de 2 de outubro. Na ordem da esquerda para a direita: Frédéric Louault, Nathalia Capellini, Mélanie Toulhoat e Camille Goirand.
Professores de diversas instituições de ensino europeias participaram de um debate sobre os desafios do Brasil, as vésperas das eleições de 2 de outubro. Na ordem da esquerda para a direita: Frédéric Louault, Nathalia Capellini, Mélanie Toulhoat e Camille Goirand. © RFI/Maria Paula Carvalho
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Maria Paula Carvalho, enviada especial da RFI a Biarritz

Reunidos no Cassino Municipal de Biarritz, um time de professores internacionais se debruçou sobre o caso brasileiro, em um ano considerado crucial para o maior e mais populoso país da América Latina. 2022 marca o Bicentenário da Independência do Brasil, bem como o Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922, que constituiu um momento decisivo no processo de criação da identidade nacional.  

Além disso, em 2 de outubro, acontece o primeiro turno da eleição presidencial, uma disputa que será acompanhada por todo o mundo e que determinará se o presidente Jair Bolsonaro (PL), no poder desde janeiro de 2019, cumprirá um segundo mandato ou não. Ele disputa a liderança das intenções de voto com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2011).  

“Saímos de quatro anos complicados. Bolsonaro é fruto da soberania popular e da democracia, de maneira inegável, pois ele foi eleito. Mas agora há um combate entre a extrema direita e o retorno de Lula, que possivelmente não será o mesmo Lula de antes”, contextualiza Olivier Compagnon, professor de história do Instituto de Estudos Avançados da América Latina (IHEAL). “Acho que a questão mais importante, num momento em que existe um movimento de direita ultraconservador internacional, do qual Bolsonaro já fazia parte, é saber se depois da vitória da extrema direita na Itália, uma derrota de Bolsonaro poderia representar uma inversão desse movimento na América Latina”, completa. 

Acadêmicos da Suíça, França, Bélgica e Portugal foram convidados a pintar um novo retrato desse "Brasil, país do futuro", em comparação ao perfil que já foi descrito pelo escritor Stefan Zweig, no início dos anos 1940, de um país continental, de natureza exuberante, mas também um dos lugares mais desiguais da região.  

O público lotou o Salão dos Embaixadores, no Cassino Municipal de Biarritz, para a conferência sobre o Brasil, país homenageado durante o Festival de Cinema Latino-Americano da cidade.
O público lotou o Salão dos Embaixadores, no Cassino Municipal de Biarritz, para a conferência sobre o Brasil, país homenageado durante o Festival de Cinema Latino-Americano da cidade. © RFI/Maria Paula Carvalho

Os pesquisadores abordaram a situação do Brasil pós-pandemia de Covid-19 e a luta para sair de uma profunda crise política, econômica e social.   

“Nós tentamos refletir sobre o contexto histórico social, econômico, cultural e racial em que acontecem as eleições. Nesse trabalho de reflexão, a gente tenta pensar como Jair Bolsonaro chegou ao poder. E não foi de um dia para outro. Ele se insere em dinâmicas históricas, econômicas, sociais, culturais e raciais que já existem há muito tempo no Brasil”, explica Mélanie Toulhoat, historiadora, pós-doutoranda na Universidade Nova de Lisboa.

“O bolsonarismo como prática política reativou uma nostalgia da ditadura, faz apologia da tortura e do passado ditatorial”, observa a pesquisadora. “Eu não sou cientista política e nem especialista no PT (Partido dos Trabalhadores), mas acho que falta autocrítica e reflexão interna sobre o que levou Bolsonaro ao poder e quais são os erros que não devem ser repetidos”, conclui Toulhoat. 

Os palestrantes fizeram um balanço dos anos do governo Bolsonaro, e apresentaram os múltiplos desafios dessa eleição presidencial.  

Risco de distúrbios não deve ser descartado

Frédéric Louault, professor de ciência política da Universidade Livre de Bruxelas, destaca os riscos para o sistema democrático envolvidos no pleito de domingo (2). 

“O risco para a democracia é real. Observadores da vida política brasileira têm se preocupado com qual seria um possível nível de intervenção das Forças Armadas para interromper o processo. Eu acho que as Forças Armadas não teriam interesse em intervir nesse processo diretamente”, acredita o acadêmico. “A questão mais importante é saber qual será a reação dos militantes do bolsonarismo e da ala mais radical desse movimento, pessoas que gostariam de fazer tudo para impedir um retorno de Lula e do PT ao poder”, afirma.  

Frédéric Louault vai ainda mais longe. “Após o segundo turno, esse cenário de invasão do Congresso, como aconteceu nos Estados Unidos, em 2020, é um cenário provável, com distúrbios, e isso poderia ser instrumentalizado por Jair Bolsonaro para mobilizar as Forças Armadas e interromper o processo eleitoral e até o quadro democrático”, acredita.  

Para o professor, caso o ex-presidente Lula seja reeleito, ele terá de enfrentar três desafios: “Primeiro, a recuperação democrática e a união da sociedade brasileira em torno de um novo projeto político; em segundo lugar, a revitalização da economia e a luta contra pobreza; e terceiro, a restauração da imagem do Brasil na área internacional”, conclui. 

Gestão catastrófica do meio ambiente

Nathalia Capellini, historiadora, pós-doutoranda do Instituto de Pós-Graduação de Estudos Internacionais e de Desenvolvimento de Genebra, abordou a questão ambiental.  

“O balanço dos anos Bolsonaro foi catastrófico. A gente pode pensar na Amazônia e no aumento exponencial do desmatamento, além da liberação de centenas de agrotóxicos, o desmatamento no Cerrado e no Pantanal, em vários biomas importantes e frágeis do Brasil”, ela destaca. 

“É verdade que vários países da Europa tiveram um processo importante de desmatamento, principalmente durante a Idade Média, quando se dependia de madeira para tudo, para se aquecer e cozinhar. A diferença é que hoje em dia, na Europa, você tem um aumento das zonas de floresta e hoje sabemos muitas coisas de gestão florestal que não se sabia na época da Idade Média. Então, não é possível comparar esses dois casos. Além disso, hoje há uma consciência ambiental que não havia antes”, diz.  

Por fim, a pesquisadora defende que o Brasil não é um país isolado. “A questão ambiental é uma questão internacional. O meio ambiente não tem fronteira. Embora a Amazônia esteja no território do Brasil, e seja uma questão política a ser resolvida internamente, o que acontece na Amazônia repercute no mundo, pois a Amazônia é responsável por regimes de chuvas na América Latina”, conclui. 

Aberto oficialmente na noite desta segunda-feira (26), o Festival de Biarritz ainda convida o público a mergulhar na filmografia brasileira, com uma programação paralela escolhida pelo diretor brasileiro Kleber Mendonça Filho, composta por longas e curtas-metragens. 

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