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'Descobri que estava positiva no Uber indo pro aeroporto': o pesadelo de brasileiros na Europa na era da ômicron

Estresse, ansiedade, informações desencontradas e sobretudo muitas dúvidas. A lista da montanha-russa de emoções que os brasileiros encontram ao cruzarem o Atlântico em viagens internacionais para a França e outros países da Europa não para de crescer. Somam-se a ela os inevitáveis cancelamentos de voos, de cerimônias e encontros tão esperados em quase dois anos de pandemia. A RFI conversou com alguns desses viajantes, que contam suas "aventuras" sem garantia de final feliz.

Funcionários da Cruz Vermelha (Croix Rouge) verificam se os passageiros de voos internacionais que chegam têm o documento certificando que fizeram testes de PCR anticovid no aeroporto internacional de Paris, o Roissy-Charles de Gaulle, em 13 de fevereiro de 2021.
Funcionários da Cruz Vermelha (Croix Rouge) verificam se os passageiros de voos internacionais que chegam têm o documento certificando que fizeram testes de PCR anticovid no aeroporto internacional de Paris, o Roissy-Charles de Gaulle, em 13 de fevereiro de 2021. AFP - BERTRAND GUAY
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Márcia Bechara, da RFI

A psicóloga Gabriela S. mora há 11 anos na França e fazia cinco que não ia ao Brasil. A vontade era grande de reencontrar a família, depois da pandemia. No entanto, um SMS recebido dentro do Uber chegando no aeroporto internacional de Paris acabou com seus planos: era o resultado positivo para a Covid-19, enviado pelo laboratório onde Gabriela havia feito o teste PCR. Impossível de embarcar com o PCR positivo para o Brasil, ela foi obrigada a dar meia volta e retomar o apartamento em Paris que já estava alugado para outra pessoa, que cuidaria de seu gato em sua ausência.

“Estava com teste de antígeno negativo, mas fiz um PCR antes de embarcar porque tive medo que, na conexão em Madri, como era mais de 12 horas, eles não considerassem que fosse uma escala e me pedissem outro teste. Pensei que quando eu chegasse na Espanha eu já teria o resultado do PCR e poderia embarcar para o Brasil”, conta. “Entreguei a chave para a pessoa que ia ficar na minha casa e peguei um Uber para chegar cedo no aeroporto. Na metade do caminho, chegou outro SMS. Estranhei porque chegou aquela mensagem do Sidep, o site de resultados dos testes anticovid na França, e na sequência, outro SMS, pedindo para marcar com quem tive contato. Foi aí que começou o pesadelo”, relata, ao constatar que o resultado era positivo para a Covid-19.

“Achei que [o teste] estava errado, fiquei em choque. Como isso está acontecendo? Muitas emoções passaram na minha cabeça. Raiva, medo, tristeza, não fazia sentido, eu estava assintomática. Sou a favor da vacina, e de todas as medidas anticovid. A passagem era por milhas, ia perder a passagem, ia perder o fim de ano com a família no Brasil e eu não tinha nem mesmo para onde voltar, porque tinha alugado a casa para alguém em Paris, e estava contaminada”, lembra.

“Avisei a família e amigos do Brasil. Acabei me descuidando na despedida da França, porque encontrei com algumas pessoas antes das festas de fim de ano em Paris. Perdi minha viagem, baguncei a vida de pessoas na França, que tiveram que fazer teste. A menina que tinha alugado minha casa foi para um hotel, um AirBnb”, conta a doutoranda em Psicologia, que, finalmente, depois de um terceiro teste PCR negativo feito às pressas na França, descobriu que se tratava de um “falso positivo”. 

O "final feliz" no Brasil foi garantido no fim do imbróglio digno de séries em plataformas de streaming: Gabriela conseguiu uma passagem depois do Natal em cima da hora e mais cara, com escala nos Estados Unidos, e a companhia aérea estuda agora a possibilidade de lhe devolver as milhas gastas na primeira investida. "Embarquei finalmente para o Brasil no dia 26 de dezembro, 11 dias depois do teste 'positivo', e fico um mês. Pelo menos a pessoa que desejava alugar minha casa poderá ficar lá durante esse tempo", afirma, parcialmente aliviada, depois de uma viagem de última hora com escalas em três países, 17h30 de voo e 26 horas no total.

A psicóloga acha que é melhor não viajar se não for uma viagem “essencial, muito importante”. “Está muito arriscado. Fiz escala nos Estados Unidos, é bem complicado. Muita gente nos aeroportos. É importante se isolar nos últimos dez dias antes de viajar, usar máscaras. Fiquei estressada o tempo inteiro antes dessa viagem, com medo de que meu próximo PCR desse positivo. Aconselho também fazer o antígeno dois dias antes, aproveitando que na França o governo está bancando [para quem tem o esquema vacinal completo, NDR].”

Périplo entre Brasil, Portugal e França

Carolina Nogueira, 45, morou na França há 10 anos e hoje mora no Brasil, mas neste fim de ano enfrentou um verdadeiro périplo para conseguir se reunir com as duas irmãs, que vivem em Portugal e no Reino Unido.

"Eu havia comprado uma passagem para ver uma de minhas irmãs antes da pandemia e remarquei para este fim de ano. Tem sido um estresse, o medo dessa nova variante tem acompanhado toda a preparação da viagem, e a viagem em si", relata a jornalista.

"Quando a gente estava quase embarcando do Brasil para Portugal, tivemos a notícia de que a França tinha colocado várias restrições para receber pessoas vindas do Reino Unido. Minha irmã que mora lá já ficou muito preocupada se conseguiria ir para a França, onde pretendemos passar juntas o Réveillon", conta Nogueira. "No final das contas deu certo, porque viemos primeiro para Portugal, e agora é que iremos para a França. Mas a impressão que eu tenho é que o turismo está sendo retomado, mas com muitas restrições, você tem que preparar cada etapa, tudo o que vai fazer", avisa.

Até visitas a museus são monitoradas com antecedência, e pela internet. "Você tem que saber se o museu está aberto, se ele exige agendamento prévio [estratégia usada pelo setor cultural na França em tempos de covid, NDR], se exige teste negativo ou não", relata Carolina Nogueira.

Validação informal do cartão de vacinação do SUS em Portugal

A jornalista brasileira Carolina Nogueira, 45 (à esquerda) ao lado da irmã Déborah (ao centro) passeia junto com a família pelas ruas de Porto, em Portugal, antes de embarcarem para o Réveillon em Paris, na França.
A jornalista brasileira Carolina Nogueira, 45 (à esquerda) ao lado da irmã Déborah (ao centro) passeia junto com a família pelas ruas de Porto, em Portugal, antes de embarcarem para o Réveillon em Paris, na França. © Divulgação

"Ontem mesmo, como seguimos para a França, ficamos checando no site da companhia aérea e no dos governos se surgia um novo bloqueio ou não [devido à quinta onda da pandemia em solo francês]. Também tem sempre aquela dúvida com a validação de vacinas, tendo que se atualizar a todo momento", lembra. "Antes de vir para Portugal, por exemplo, eu não conseguia saber se havia um protocolo de validação da vacina brasileira", diz.  "Descobri pela imprensa que as pessoas estão informalmente apresentando o cartão de vacinação brasileiro [em Portugal], mesmo que ele não tenha uma validação oficial. Agora temos feito isso, meus filhos foram num cinema e apresentaram um cartão de vacinação do SUS", conta.

"Fizemos ontem o teste de antígeno para viajarmos para a França, mas fica sempre aquela dúvida: será que vão mudar as regras e a validade dos testes rápidos?", questiona a brasileira. "No mesmo site da mesma companhia aérea, encontramos informações discrepantes. Minha irmã e eu encontramos informações que se contradizem sofre a exigência ou não do antígeno. Fizemos por via das dúvidas, mas é um estresse constante", desabafa Nogueira.

O pesadelo dos voos cancelados: cinco aeroportos em um dia

A intéprete de conferências Marília Rebelo, 63, e sua filha, finalmente conseguem chegar à destinação final depois de um "pesadelo" de 36 horas.
A intéprete de conferências Marília Rebelo, 63, e sua filha, finalmente conseguem chegar à destinação final depois de um "pesadelo" de 36 horas. © Marília Rebelo

A história que a intérprete de conferências Marília Rebelo, 63, viveu ao lado da filha, mais parece um daqueles pesadelos de roteiro de série, com direito a diversos plot twists.

As duas tinham um voo da companhia British Airways marcado para o dia 20 de dezembro saindo de Paris em direção ao Brasil, às 7h da manhã. "Acordamos às três da manhã, pegamos um táxi e quando chegamos lá [no aeroporto Roissy-Charles de Gaulle] já havia fila. Fomos informadas de que nosso voo para a escala em Londres havia sido cancelado. Nos puseram em outro voo para Londres, de onde então partiria nosso voo para o Rio de Janeiro", lembra Rebelo.

"Acontece que mesmo se o voo substituto não tivesse atrasado, não haveria dado tempo para a conexão e as liberações de imigração e alfândega em Londres. O voo substituo saiu atrasado às 10h30, praticamente quase a hora de decolagem do voo final para o Brasil. Quando chegamos em Londres, é claro que tínhamos perdido o voo para o Rio", lembra. "O aeroporto de Heatrow estava um caos absoluto porque a British Airways tinha cancelado milhares de voos; tivemos que ficar em pé na fila durante três horas e meia para chegarmos ao balcão. Foi realmente dramática a coisa, além da espera, desconforto e fome, a gente não sabia se ia conseguir embarcar ou não", diz.

"Nos colocaram em um voo para Madri, que depois foi para Guarulhos, onde chegamos no outro dia por volta de 8h da manhã, onde tínhamos finalmente um voo para o Rio de Janeiro às 16h15", explica Rebelo. "Nesse meio tempo, tivemos que fazer uma nova fila na British para despacho, e não nos deram os tickets das bagagens. Depois uma nova fila na Iberia de mais uns 40 minutos, e finalmente conseguimos embarcar nesses voos todos e te confesso que quando vi a fila da Iberia, comecei a chorar", conta Marília. 

Ela conta que "todos os voos que pegamos, sem exceção, estavam atrasados". "Todos os cinco aeroportos dos diversos países estavam um caos. O que nos salvou foi que, ao chegarmos em Guarulhos, tive a ideia de irmos para um hotel dentro do aeroporto onde se paga por hora e ficamos deitadas um pouco tentando descansar, até o voo para o Rio, que também atrasou", lembra.

A experiente franco-brasileira credita o périplo à ansiedade causada pela pandemia e à falta de treinamento de funcionários das companhias aéreas para enfrentarem a situação.

"As pessoas não viajaram nos anos anteriores e tenho a impressão que os esquemas de trabalho foram desaprendidos nos aeroportos. O pessoal é novo, muito funcionário não tem a menor segurança do que fala ou precisava perguntar prara alguém. Muita incompetência por toda parte, e também não sei se o pessoal já tinha começado a adoecer por causa da covid", lembra.

O desgaste emocional

A arquiteta Gláucia Okama, 39, vive o estresse junto com o marido e uma criança de dois anos em Paris após o cancelamento do voo da Latam, o LA701, saindo de Paris com direção a São Paulo. "Fomos alocados em outro voo que, teoricamente, sai hoje [nesta terça-feira] de Paris."

"Como havíamos feito o teste PCR no domingo, estamos com muito medo de que o voo seja cancelado e que o teste não seja mais válido”, conta Okama, direto da fila de um laboratório parisiense no 19° distrito da capital parisiense, com uma espera de “pelo menos 30 pessoas na nossa frente”. Ao fundo, ouve-se o choro da criança.

“Para a gente o que é pior nessa história toda é o desgaste emocional. Temos uma filha de dois anos que só viu os avós maternos uma vez na vida. Fazer toda a preparação de uma viagem que a gente nem sabe se vai acontecer, com toda a questão da hospedagem no Brasil, e os familiares esperando, é muito desgastante”, afirma.

"Estamos refazendo o teste PCR porque não temos confiança de que a Latam vá honrar o compromisso e voar hoje à noite. Tentamos entrar em contato com a companhia para que eles pudessem nos realocar numa companhia parceria, para que a gente pudesse embarcar e não foi possível. As companhias parceiras não têm mais lugares disponíveis", lamenta.

Procurada pela reportagem, a companhia aérea Latam não respondeu até o fechamento deste texto.

Superorganização e planejamento para evitar surpresas

O geólogo brasileiro Dani Genz Uszacki, 41, e o marido Marcos dentro do primeiro trecho do voo da TAP em direção à Paris, passando por Lisboa, em 28 de dezembro de 2021.
O geólogo brasileiro Dani Genz Uszacki, 41, e o marido Marcos dentro do primeiro trecho do voo da TAP em direção à Paris, passando por Lisboa, em 28 de dezembro de 2021. © Divulgação

O geólogo gaúcho Dani Genz Uszacki, 41, viaja com o marido e uma amiga para passar o Ano-Novo em Paris e conversou com a reportagem da RFI já dentro do voo da TAP que o leva para o primeiro trecho da viagem, uma escala em Lisboa. Organizado, ele conta que se preparou com muita antecedência para a viagem.

“Nas últimas semanas ficamos acompanhando não apenas as noticias internacionais, mas também as plataformas tanto do governo francês quanto da companhia aérea pela qual estamos viajando”, diz. "As informações mudam constantemente, mas ontem checamos os documentos: teste de covid com validade de 48h, documentos preenchidos para entrada por Portugal, mesmo que seja em trânsito, além de todos os outros protocolos de saúde", conta.

"Um dos documentos que mais me chamou a atenção, que vimos no site do governo francês, foi uma declaração de honra, que escrevemos à mão, declarando que não tínhamos covid e que não estivemos em contato com pessoas doentes", diz. Uszacki confessa que um dos maiores medos do casal é se contaminar em solo francês. "Mas a gente também se organizou para essa eventualidade, de não poder voltar ao Brasil por termos positivado", conta. "Estávamos felizes de não precisarmos usar máscaras na rua, e ontem vimos as novas condições apresentadas pelo ministro da Saúde, que determinou a volta das máscaras mesmo em ambientes externos até o dia 13 de janeiro", conforma-se o geólogo, que já está com as três doses da vacina.

"Pedimos com muita antecedência também o passe sanitário francês, em outubro, e agora, alguns dias antes da viagem, recebemos a aprovação. Então além do certificado internacional de vacinação a gente também tem o passaporte vacinal francês", diz.

Medo de se contaminar na França

Mas para Zilda Salmeron Figueirêdo, guia conferencista de turismo em Paris e na França, não é hora de "ter medo", tomando as precauções necessárias. "Tivemos cancelamentos de pessoas que não vêm mais, que estão com medo de se contaminar na França e terem que ficar de quarentena", diz a guia.

Entre os conselhos que ela lista para quem está chegando do Brasil em época de ômicron, ela diz que "estejam totalmente vacinados e que não tenham medo, que sigam as recomendações como álcool gel e máscara; e que transformem o documento brasileiro para o passe vacinal", diz.

"Vamos ter que conviver com esse vírus ainda algum tempo", contemporiza a profissional. "Então eu diria que eles aproveitem as fronteiras abertas para viajar, tomando as devidas precauções."

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