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Em Kharkiv, crianças têm volta às aulas no metrô para escapar de bombas russas

Desde a manhã desta segunda-feira (4), centenas de crianças da segunda maior cidade da Ucrânia são obrigadas a descer as escadas da estação de metrô Universytet para retomarem as aulas. “Não tivemos outra escolha quando vimos a proximidade dos soldados russos”, justificam as autoridades municipais.

Alunos da primeira série assistem a uma aula em uma sala de aula montada em uma estação de metrô em Kharkiv, em 4 de setembro de 2023
Alunos da primeira série assistem a uma aula em uma sala de aula montada em uma estação de metrô em Kharkiv, em 4 de setembro de 2023 © AFP - SERGEY BOBOK
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Algumas crianças ainda se sentem perdidas, outras tropeçam na frente das pesadas portas de metal. Para esta volta às aulas, os alunos de Kharkiv conheceram suas novas salas de aula instaladas no metrô, ao abrigo dos bombardeios. Uma novidade no país em guerra, enquanto esta cidade do nordeste do país, situada a 40 km da fronteira com a Rússia, ainda vive ao ritmo de ataques quase diários.

“Sempre há lágrimas no primeiro dia de aula, mas não houve esta manhã”, observa, surpresa, Ekterina Tkatchova, uma das diretoras. Vestido com a tradicional camisa bordada ucraniana, a vychyvanka, o pequeno Georgiy conta: “Já fiz dois amigos, um mais velho e outro mais novo”, anima-se o menino de 6 anos. “Não me lembro de tudo, mas adorei a decoração da sala”, ele acrescenta.

Três manhãs por semana, Georgiy descerá as escadas da estação Universytet sem passar pelas catracas. As instalações improvisadas podem acomodar até 300 alunos por dia. As equipes técnicas da cidade tiveram apenas dez dias para transformar as plataformas de embarque. Também foram adaptadas outras sete salas, que normalmente abrigam serviços operacionais.

Para promover esta volta às aulas no subsolo, foi necessário instalar isolamento acústico, adaptar o sistema de ventilação e rever a iluminação. Os desenhos cobrem quase completamente o mármore liso das paredes, onde instruções de segurança também estão expostas. O nome de cada aluno está gravado nas carteiras de madeira.

“Estou estressada, mas feliz”

Desde o início da guerra, as escolas da região estão fechadas e os alunos têm acompanhado as aulas a distância, pelas telas de seus computadores. “Estou estressada, mas feliz por ele estar encontrando amigos de verdade e uma professora novamente”, confidencia a mãe de Georgiy, Tanya Shishko.

“É muito importante que ele faça ligações sociais novamente”, diz. Ela acompanha o filho sozinha, e dedica seu dia a este momento tão especial. “Meu marido, pai de Georgiy, foi feito prisioneiro de guerra”, ela conta soluçando.

Tetyana Samarenkova desce as escadas de uma escola fortemente danificada após um ataque russo, há dois dias, no vilarejo de Velyka Kostromka, na região de Dnipropetrovsk, Ucrânia, quinta-feira, 13 de outubro de 2022.
Tetyana Samarenkova desce as escadas de uma escola fortemente danificada após um ataque russo, há dois dias, no vilarejo de Velyka Kostromka, na região de Dnipropetrovsk, Ucrânia, quinta-feira, 13 de outubro de 2022. AP - Leo Correa

Dois funcionários se preparam para levar lanches às crianças, servidos em caixinhas. No fundo da sala, atenta às reações dos alunos, uma psicóloga anota páginas inteiras de um caderno. “Essas crianças estão em uma idade importante para sua adaptação social. A distância, é bastante difícil para elas se comunicarem”, ressalta Tatiana Andreeieva.

O fato de ter uma escola nesta estação de metrô é certamente incomum, por isso mesmo uma equipe especializada acompanha de perto o processo, para reduzir o máximo possível o impacto psicológico.

Um menino sai da sala, acompanhado por uma assistente. “É meu pai que está chegando?”, pergunta ele, visivelmente desorientado pelo contexto. “Não, não… É o metrô”, responde ela, próxima às janelas lacradas do corredor.

Simbólica

A abertura destas salas subterrâneas é acima de tudo simbólica, uma vez que atende apenas um pequeno número de alunos. No início de julho, as autoridades militares ucranianas e a Rada, o Parlamento da Ucrânia, anunciaram a possibilidade de reabrir as escolas presencialmente sob uma condição: que os estabelecimentos estejam equipados com grandes abrigos antiaéreos.

Como tantas outras, a escola número 97 de Kharkiv trabalhou arduamente para isso. No porão do prédio foram instalados condutores de ventilação. Diversas salas são iluminadas apenas por luz artificial, mas decoradas com desenhos infantis para tornar o ambiente mais alegre.

A última sala, no final do corredor, abriga um bebedouro de 300 litros, e banheiros improvisados são escondidos por uma cortina. No total, 245 alunos e professores puderam se proteger neste local durante os alertas aéreos, garante Tatiana Tkatchenko, uma das professoras.

Todos esses esforços, no entanto, não foram suficientes. “No início de julho soubemos que não poderíamos reabrir a escola”, lamenta a professora. “Estávamos preparados, mas as famílias estavam bastante divididas. Metade queria que os filhos pudessem voltar à escola, mas a outra achou perigoso demais”, ela explica.

“Um míssil também pode atingir minha casa”

Poucos dias antes do início do ano letivo, com o consentimento dos pais, um pequeno grupo de crianças se reuniu no pátio da escola para quebrar o isolamento. Oportunidade inclusive para filmarem uma coreografia para enviarem aos seus coleguinhas refugiados no exterior. Mais de um terço dos estudantes da cidade não estão mais na Ucrânia, informou a secretária de Educação de Kharkiv, Olga Demenko, entrevistada pelo site de notícias ucraniano Fatky.

As crianças estão divididas entre a vontade de rever seus amigos na escola e o medo de bombardeios. “Tenho saudades da escola. No computador não consigo falar com meus amigos”, admite Tânia, de 9 anos, com voz tímida. Mas “a escola pode ser bombardeada a qualquer momento”, acrescenta Justin, de 12 anos. Sua colega Olga não se sente necessariamente mais segura em casa: “Um míssil também pode atingir minha casa”.

Estes abrigos antiaéreos improvisados, claro, não cumprem os requisitos militares face ao risco de ataque direto. “Para resistir a tais choques, seria necessário construir paredes de concreto armado com de quatro a cinco metros de espessura”, explica o arquiteto francês Martin Duplantier, que lecionou na Escola de Arquitetura de Kharkiv até o início da guerra.

“Mas não é financeiramente possível. Estamos falando aqui de centenas de milhares de euros para um simples abrigo de 50 m² que pode acomodar apenas 50 estudantes”, explica Duplantier.

O prefeito de Kharkiv, Ihor Terekhov, acaba de lançar um projeto para um abrigo antiaéreo que cumpra essas normas, e que deverá abrigar 450 estudantes no distrito de Industrialnyi. “Nossos engenheiros esperam conseguir [concluir o projeto] em três meses”, ele garante, reconhecendo o custo significativo de um projeto deste tipo: cerca de 56 milhões de hryvnias, ou € 1,4 milhão.

Metade das escolas foram danificadas

Os residentes de Kharkiv têm boas razões para temer pelas suas escolas. Desde o início da guerra, o exército russo tem como alvo os estabelecimentos de ensino da cidade. Até o momento, metade das escolas foram danificadas, informou o governador da região em julho, em entrevista ao jornal Slobidskyi Kray.

Uma sala de aula de jardim de infância totalmente danificada por um bombardeio russo, em Kharkiv, Ucrânia, em 13 de março de 2022.
Uma sala de aula de jardim de infância totalmente danificada por um bombardeio russo, em Kharkiv, Ucrânia, em 13 de março de 2022. AP - Andrew Marienko

No distrito de Saltivka, no nordeste de Kharkiv, parte da escola número 165 foi destruída durante fortes ataques em março de 2022. Bem ao lado, o jardim de infância foi devastado. Alguns brinquedos infantis estão ainda sob as ruínas.

Yehven Zubatov, morador do bairro, passou toda sua vida escolar ali. Consciente dos riscos para o filho, ele aceita com satisfação a volta às aulas no metrô. “Meu filho Daniïl, de 8 anos, não tem muita vida social há um ano e meio. Com o ensino a distância, os professores não podem vir ajudar os alunos”, ele admite.

Se, por um lado, ele ainda não sabe muito como será esta escola subterrânea, por outro, acredita que “será mais seguro”. “Estou convencido de que os russos começarão a bombardear escolas novamente no início do ano letivo, pelo simbolismo”, avalia Zubatov.

Instinto de sobrevivência

Ainda que a volta às aulas no metrô seja uma pequena iniciativa, o ministro ucraniano do Interior, Ihor Klymenko, veio de Kiev para acompanhar. Cercado por seus guarda-costas, ele vai de sala em sala cumprimentando as crianças, acompanhado do prefeito de Kharkiv e sua secretária de Educação.

Ao observar três aluninhas, Olga Demenko também se mostra entusiasmada. “Este retorno [do ano letivo] no metro não é o que tínhamos imaginado”, ela admite. “Mas não tivemos outra escolha, quando vemos a proximidade dos soldados russos à nossa cidade. Não, não é um fracasso não podermos reabrir as escolas como gostaríamos.”

A infraestrutura subterrânea mais uma vez vem em auxílio dos moradores de Kharkiv, já que foi no subsolo que milhares de pessoas se refugiaram nas primeiras horas da guerra, um instinto de sobrevivência transmitido às novas gerações.

Há poucos dias, uma psicóloga perguntou ao pequeno Georgiy Shishko que profissão ele gostaria de seguir. “Mais tarde o que eu quero fazer é ser presidente”, respondeu o menino, deixando sua mãe, Tanya, surpresa com a resposta. No entanto, a realidade rapidamente alcança os sonhos das crianças. Saindo do metrô, a sirene do alerta antiaéreo soou novamente.

(Com informações da FranceInfo)

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