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Entenda por que Brasil condena invasão militar na Ucrânia, mas preserva Rússia no G20

Entre as sanções aplicadas ou estudadas pelos ocidentais para tentar dissuadir a Rússia da invasão na Ucrânia, está a proposta de excluir o país do G20, o grupo que reúne as nações com as economias mais desenvolvidas do mundo e a União Europeia, medida que o presidente Vladimir Putin já minimizou. Entenda a posição do Brasil ao rejeitar a proposta e os impactos dessa discussão, de acordo com o professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris (Sciences Po), Jean-Vincent Holeindre.

O presidente Jair Bolsonaro e o russo Vladimir Putin posam para fotos durante declaração à imprensa após o encontro no Kremlin, fevereiro de 2022, poucos dias antes da invasão da Ucrânia por Moscou.
O presidente Jair Bolsonaro e o russo Vladimir Putin posam para fotos durante declaração à imprensa após o encontro no Kremlin, fevereiro de 2022, poucos dias antes da invasão da Ucrânia por Moscou. via REUTERS - SPUTNIK
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Durante encontro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Bruxelas, na quinta-feira (24), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sugeriu a retirada da Rússia deste seleto grupo de países. “Acho que a Rússia tem que sair do G20, mas isso depende do G20. Apesar de a Indonésia e outros países não concordarem, acho que deveríamos, no meu ponto de vista, permitir que a Ucrânia participe desses encontros do G20”, completou Biden.

Além dos Estados Unidos, países como Reino Unido e Austrália questionam a participação da Rússia no G20, cuja próxima reunião de cúpula está prevista para o fim do ano na Indonésia.

“Participar do G20 significa estar integrado às grandes potências. Sabemos que para o regime de Putin, ser reconhecido como uma grande potência é algo importante”, destaca Holeindre. “E considerando sua frágil situação econômica, até o momento a Rússia se apoiava sobre o título de potência militar, com a intervenção na Síria e anexando a Crimeia, o que explica porque hoje ela esteja no banco desse time das potências econômicas, especialmente entre as ocidentais, que a sancionam”, analisa.

Não há unanimidade

Moscou respondeu dizendo que “a exclusão não seria mortal”. Certos países, como Índia e África do Sul, se abstiveram nessa questão. E não é só a Indonésia que é contra a expulsão de Moscou do G20. A China também defende a permanência dos russos no grupo. "A Rússia é um país membro importante [do G20] e nenhum membro tem o direito de expulsar outro país", disse o porta-voz das relações exteriores da China, Wang Wenbin.

Igualmente, o Brasil não concorda, como deixou claro o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, ao reagir, na quinta-feira passada, às propostas de exclusão. Em uma declaração no Senado, ele disse que o governo de Jair Bolsonaro “não concorda” com a exclusão da Rússia do G20, como sugeriram os Estados Unidos devido à invasão à Ucrânia. “Temos visto o surgimento de iniciativas em diversos órgãos internacionais, inclusive naqueles de caráter técnico, no sentido de expulsar a Rússia dessas entidades ou suspender a sua participação. O Brasil tem sido claramente contrário a essas iniciativas, em consonância com a nossa posição tradicional em favor do multilateralismo e do direito internacional”, disse o chanceler. “O mais importante seria, neste momento, que todos esses fóruns – o G20, a OMC, a FAO – possam ter o funcionamento pleno”, completou.

O professor Holeindre não se surpreende que o Brasil tenha decidido assim. “O Brasil, B dos Brics, vota contra, apesar de ter condenado a intervenção militar russa. Mas não é por isso que vai excluir do G20. Uma coisa é condenar a intervenção militar e outra é cortar relações”, explica. “O Brasil tem relações há bastante tempo com a Rússia, especialmente depois de Bolsonaro. Os países são parceiros em assuntos de soberania digital, os russos fornecem telefones celulares aos brasileiros e isso justifica uma ação prudente do Brasil. E há, também, uma convergência ideológica autoritária entre as potências Rússia e Brasil”, completa o cientista político.

Ao debater com parlamentares sobre as consequências da guerra na Ucrânia, o chanceler brasileiro insistiu na posição do governo Bolsonaro, criticando as sanções “unilaterais e seletivas” contra a Rússia, que afirmou serem “ilegais perante o direito internacional”, e que preservam, segundo ele, “concretamente os interesses urgentes de alguns países”, e “atingem produtos essenciais para a sobrevivência de grande parcela da população mundial”.

Desde o começo da invasão russa, o presidente brasileiro evita criticar abertamente a incursão do Exército de Vladimir Putin na ex-república soviética, gerando reprovações dentro e fora do Brasil. Jair Bolsonaro se encontrou com o líder russo em Moscou e garantiu o seu comprometido com a paz.

Nesse impasse, quais seriam as saídas possíveis? “Se a Rússia não sai, outra opção seria os ocidentais boicotarem o G20. Contudo, não se pode de um lado dizer que não quer a guerra e deseja privilegiar a via diplomática e, de outro, praticar esse tipo de política que pode ser percebida pelos emergentes como algo que, no fim, não tem consequências”, diz o professor. “É justamente o discurso de Putin. Dizer que a palavra ocidental não vale nada”, analisa professor da Sciences Po.

Para Holeindre, a questão agora para os ocidentais “é como continuar a serem relevantes num mundo em que outras potências emergem”.

Ocidentais não são indispensáveis?

“Putin quer que os ocidentais saibam que eles não são indispensáveis. Que as relações internacionais não estão concentradas no mundo ocidental. E essa virada aconteceu no momento da intervenção na Síria, quando Barack Obama renunciou a uma intervenção militar após o uso de armas químicas”, contextualiza o cientista político. “Ou seja, a linha vermelha foi ultrapassada por Bashar al-Assad, mas os ocidentais não agiram”.

Jean-Vincent Holeindre lembra que os russos foram à Síria, em 2013, e em seguida anexaram a Crimeia. “A Rússia se sentiu autorizada a ocupar o vazio deixado pelos ocidentais”, completa o estrategista militar e coautor do livro ‘Nações Desunidas? - A crise do Multilateralismo nas relações Internacionais’.

Foi justamente a anexação da península da Crimeia, em 2014, que acabou tirando a Rússia do G8, que passou a se chamar G7, representando os países mais industrializados do mundo - apesar da ausência da China - e com representação da UE. Entretanto, quando o assunto é a presença da Rússia no G20, não existe unanimidade.   

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