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Rio 2016: Um sonho olímpico de sucesso, apesar das crises

A multidão gritou alto na praia de Copacabana quando o Rio de Janeiro foi anunciado como sede dos Jogos Olímpicos de 2016. Pela primeira vez, uma cidade da América do Sul receberia a maior competição esportiva do planeta. A “Cidade maravilhosa”, situada entre o mar e a floresta, teve sete anos para se tornar uma metrópole olímpica. 

Queima de fogos durante a cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos do Rio.
Queima de fogos durante a cerimônia de abertura dos Jogos Paralímpicos do Rio. REUTERS/Ricardo Moraes
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Maria Paula Carvalho, da RFI 

"Uma olimpíada é como uma operação de guerra", compara Leonardo Espíndola, procurador do Rio de Janeiro que, em 2016, era secretário da Casa Civil e representante do Estado no Comitê organizador dos Jogos Olímpicos, uma entidade privada formada pelos três entes federativos envolvidos no projeto: o município, o estado do Rio de Janeiro e a União.   

“Realizar mais de 50 competições simultaneamente em uma mesma cidade, acomodar, alimentar e transportar todos esses atletas e a população para os Jogos simultaneamente, o que se fala é que não há precedente de operações com essa complexidade. São 16 dias muito intensos", define. 

Concorrendo com pesos pesados, como Chicago (Estados Unidos), Madri (Espanha) e Tóquio (Japão), cidades mais desenvolvidas e prontas, o Rio de Janeiro apostou na oportunidade de transformação para seduzir o COI e os jurados.   

“Comparado às cidades dos países desenvolvidos, não há dúvida de que o Rio de Janeiro tinha menos recursos e menos estrutura. Mas para o Rio, os Jogos Olímpicos seriam uma oportunidade de fazer a diferença. Eles poderiam servir à cidade. Então, foi o argumento mais forte para trazê-los para o Rio”, lembra Espíndola. 

Vista aérea das arenas dos Jogos Olímpicos Rio 2016, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
Vista aérea das arenas dos Jogos Olímpicos Rio 2016, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. AFP/File

No meio dos Jogos, uma crise política, financeira e de saúde 

Enquanto o Rio de Janeiro se preparava para receber atletas de todos os continentes, o Brasil entrava em um turbilhão político. Uma nação em crise, com manifestações contra o governo e o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff marcaram o período que antecedeu os Jogos.

“Quando o Brasil foi escolhido para organizar os Jogos, estávamos numa fase política boa. Na hora de recebê-los, o país passava por um período muito confuso e turbulento”, explica o sociólogo Ronaldo Helal, professor da Universidade do Rio de Janeiro (UERJ). 

Caso único na história dos Jogos Olímpicos, o Brasil tinha dois chefes de Estado. O presidente em exercício, Michel Temer, e a presidente Dilma Rousseff, afastada do poder até a conclusão do processo de impeachment.

“Claro que isto é um caso sem precedentes na história dos Jogos Olímpicos. O Brasil que recebeu o esporte mundial tinha dois chefes de Estado. Quem apareceu para o Brasil e o mundo foi o presidente em exercício, Michel Temer, enquanto a presidente Dilma Rousseff sofria um processo de impeachment. "É claro que teve um impacto enorme na organização, no diálogo entre os atores que trabalhavam ali. Foi muito preocupante”, avalia Leonardo Espíndola, procurador do Rio de Janeiro.  

Protestos contra o governo e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff se espalharam pelo Brasil, antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Em 15/03/2015.
Protestos contra o governo e pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff se espalharam pelo Brasil, antes dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Em 15/03/2015. REUTERS/Paulo Whitaker

De acordo com Mário Andrada, diretor de Comunicação dos Jogos Olímpicos Rio 2016, “a transição governamental após o impeachment de Dilma Rousseff não foi tão complexa quanto se poderia imaginar.

“O novo governo do presidente Michel Temer fez uma transição tranquila. O que complicou para os Jogos e para o Comitê Organizador foi a questão financeira", explica, já que houve atraso no repasse de recursos públicos. “Então, estávamos sob muita pressão para os Jogos Paralímpicos. O orçamento foi impactado, mas o governo reagiu imediatamente com recursos de bancos públicos, o que nos permitiu organizar Jogos Paralímpicos excepcionais.” 

Com um orçamento revisto para cima e superior a R$ 40 bilhões, num contexto político e econômico instável, a equação financeira era um imenso desafio. “Todo o dinheiro prometido foi enviado? Não. Faltou um pouco e, no final, a realização dos Jogos deixou algumas dívidas, algumas sendo negociadas até hoje", admite Mário Andrada.  

Se as coisas estavam complicadas em nível nacional, o Estado do Rio de Janeiro também sofria com graves problemas internos. “O Rio de Janeiro passava por uma crise financeira gravíssima. Policiais e bombeiros ameaçaram entrar em greve, colocando em risco a segurança dos Jogos Olímpicos, com ampla repercussão internacional”, acrescenta Espíndola.  

Ao difícil contexto político e econômico, soma-se uma crise sanitária sem precedentes: o vírus da zika, transmitido por um mosquito, podia apresentar complicações neurológicas, principalmente para os recém-nascidos. A situação era tão preocupante que um grupo de 152 especialistas científicos enviou uma carta aberta à OMS pedindo o adiamento dos Jogos. 

Essa combinação de problemas impactou o Comitê Olímpico Internacional (COI), como lembra Thierry Terret, historiador do esporte especializado em Jogos Olímpicos. “Esses Jogos, que acontecem num cenário de crise econômica e instabilidade política, tiveram que enfrentar, também, uma crise sanitária, já que alguns meses antes o Brasil foi atingido por uma epidemia de zika que afetou 1,5 milhão de pessoas no Brasil", observa o historiador. 

"Uma crise amplamente divulgada na mídia do mundo inteiro, criando uma angústia generalizada entre espectadores potenciais e atletas e dezenas deles renunciam, finalmente, de ir ao Rio de Janeiro por medo de serem contaminados e de contaminar suas famílias", destaca. "A febre zika, como sabemos, é extremamente prejudicial para as mulheres que a sofrem, especialmente quando estão grávidas,” acrescenta Terret. 

O especialista lamenta que neste contexto de incertezas, as inovações apresentadas pelo COI passaram despercebidas. “Devido a estas vastas incertezas políticas, econômicas e de saúde, as inovações geopolíticas do COI acabaram por passar despercebidas. E é uma pena, porque são edificantes. Citarei apenas uma: a equipe olímpica de atletas refugiados presente no Rio pela primeira vez na história dos Jogos. Composta por um punhado de sudaneses, etíopes, sírios e congoleses, ela atesta o reconhecimento por parte das autoridades olímpicas de uma situação política e humanitária extremamente particular", conclui.    

Integrantes da delegação olímpica de refugiados durante cerimônia de boas-vindas aos atletas na Vila Olímpica, em 3 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro
Integrantes da delegação olímpica de refugiados durante cerimônia de boas-vindas aos atletas na Vila Olímpica, em 3 de agosto de 2016, no Rio de Janeiro AFP

O entusiasmo dos cariocas pelos Jogos Rio 2016 se baseava na promessa de grandes obras para melhorar a mobilidade urbana, conservação ambiental, segurança pública e o desenvolvimento de espaços públicos de lazer e esportes. No entanto, sete anos depois, alguns projetos do legado olímpico ainda não se concretizaram. 

A desmontagem da Arena do Futuro e do Centro Aquático, que deveria ter ocorrido a partir de 2017, não foi feita, admite a prefeitura do Rio de Janeiro. A atual gestão informou à RFI Brasil que finalmente começou a desmontar esses espaços, conforme previsto no plano de legado da olimpíada.   

“Concretizamos projetos de 30 anos. A melhoria dos trens, BRTS, as vias públicas foram melhoradas, aeroporto, então a infraestrutura realmente melhorou muito", explica o subsecretário do Estado do Rio durante os Jogos, José Cândido Muricy. “Acho que poderíamos ter aproveitado melhor o legado esportivo. Ainda estamos com dificuldades para operar alguns equipamentos", admite. "Os governantes poderiam refletir mais sobre este legado e continuar a trabalhar juntos. É um compromisso de longo prazo: os equipamentos entregues devem ser aproveitados da melhor forma e tornar-se um bem duradouro para a sociedade como um todo”, conclui. 

Depois de uma Copa do Mundo de 2014, que resultou em vários estádios sem utilização no Brasil, a população temia pelo aproveitamento do legado dos Jogos Olímpicos Rio-2016.   

Uma nova linha de metrô, a reurbanização da zona portuária, entre outras melhorias, estão na lista dos principais legados dos Jogos Olímpicos Rio-2016. O evento trouxe revitalizações importantes para a cidade que vinham sendo adiadas há décadas. 

"Em termos de legado, a gente conseguiu realizar a maior obra de infraestrutura urbana da América Latina [na época] que foi a linha 4 do metrô. Não há dúvida de que a linha que liga a zona Sul à zona Oeste do Rio de Janeiro não teria acontecido se não fossem as Olimpíadas", analisa Leonardo Espíndola, que representava o Estado do Rio no Comitê Organizador dos Jogos. “Com 16 quilômetros de extensão, foi a maior linha metroviária e expansão metroviária que o Rio teve notícia. Transporta moradores da Barra da Tijuca e da favela da Rocinha, uma das maiores da América Latina”, enfatiza. Porém, outras estações previstas no projeto nunca foram finalizadas. 

A construção do Boulevard Olímpico, espaço de ligação entre a Zona Portuária e o Centro da cidade, deu vida nova a uma região até então degradada. Durante a Rio 2016, esse foi um ponto de encontro para torcedores e turistas. A região antes marcada pelo abandono, hoje faz parte do roteiro turístico e virou área de lazer da população, que além da bela vista da Baía de Guanabara, conta com museus, espaços para eventos, um aquário e uma roda gigante. "O centro está preparado para crescer e receber novos investimentos", diz Leonardo Espíndola.     

Alegações de corrupção 

Sete anos depois dos Jogos Olímpicos Rio 2016, os brasileiros ainda não acertaram completamente as contas e as suspeitas de superfaturamento ou pagamento de propina pairam sobre o trabalho do projeto olímpico, ou mesmo sobre a escolha do Rio de Janeiro para sediar as Olimpíadas. 

“Do ponto de vista do Comitê Organizador, responsável por montar o espetáculo olímpico, fiscalizar a construção das instalações e organizar os Jogos, está mais do que comprovado que não houve corrupção”, disse Mario de Andrada. “Os números, compras, despesas foram verificados e não apresentam problemas”, explica o diretor de Comunicação dos Jogos.

No entanto, um processo de investigação judicial está em andamento no Brasil, visando uma possível compra de votos a favor do Rio. “Esta é a principal suspeita e a única investigação sobre corrupção e procedimentos antiéticos. A gestão dos Jogos foi correta e estamos tranquilos quanto a isso”, insiste Andrada. 

Sediar as Olimpíadas pode impulsionar o desenvolvimento de uma cidade, mas um plano de infraestrutura ousado como esse requer supervisão, observa o professor Orlando Santos, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “A corrupção é consequência de leis excepcionais legitimadas por um acontecimento excepcional. A contratação de subcontratados e numerosos procedimentos facilitaram atos de corrupção. Isso foi negativo para a gestão pública brasileira”, finaliza. 

Uma vitrine para a cidade e para o país 

No Brasil, durante duas semanas, atletas de ponta representaram o que o esporte tem de melhor: excelência, empatia, solidariedade e alegria. Valores simbolizados pela chama olímpica, que incendiou o coração do público, assim como o “homem-raio" Usain Bolt.

O atleta jamaicano entrou para a história do esporte não "apenas" como o recordista mundial dos 100m, 200m e do revezamento 4 x 100m. Depois de conquistar o ouro nas três provas nas Olimpíadas de Pequim 2008 e Londres 2012, Bolt fechou no Rio de Janeiro a "tríplice coroa", tornando-se o primeiro a faturar a medalha dourada nas três disputas em três edições olímpicas. E o fato de ter feito isso em três Jogos consecutivos torna o feito ainda mais louvável. 

Usain Bolt com a bandeira no Brasil, no Rio de Janeiro, em 19 de agosto de 2016.
Usain Bolt com a bandeira no Brasil, no Rio de Janeiro, em 19 de agosto de 2016. Eric FEFERBERG / AFP

Igualmente impressionante foi o desempenho do nadador americano Michael Phelps. Ele se despediu das piscinas olímpicas no Rio, onde subiu ao pódio seis vezes, totalizando 28 medalhas olímpicas na carreira, incluindo 23 de ouro. 

“Os Jogos Olímpicos tocam a população, celebram a unidade e a solidariedade entre os povos. Esse é um patrimônio imaterial do qual o Rio de Janeiro tem beneficiado”, destaca Leonardo Espíndola, que fez questão de participar do revezamento da tocha olímpica. “Essa chama olímpica, que percorreu diversas cidades do Brasil e do mundo, simboliza esse espírito olímpico que devemos manter vivo. Claro que existe uma grande operação comercial por trás dos Jogos, mas esse sentimento, essa pureza é algo que não pode ser perdido”, finaliza.  

“Foram provavelmente os melhores 30 dias da história do Rio de Janeiro”, avalia Mário Andrada, diretor de Comunicação dos Jogos Olímpicos Rio 2016. “Quem esteve aqui durante os Jogos não vai esquecer, e nós também não. Os Jogos foram impecáveis, os atletas foram bem tratados, as competições começaram no horário, enfim, os Jogos foram ótimos”, afirma. “Mostramos o que o Brasil é capaz de fazer, apesar de todos os seus problemas.” 

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