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Copa 2022: Catar busca mais espaço na cena geopolítica ao sediar torneio

A partir deste domingo (20), o Catar sediará a Copa do Mundo, um dos maiores eventos esportivos do planeta. O torneio é visto pelas autoridades do país como uma vitrine e uma oportunidade para o emirado aumentar sua influência internacional.

Cronologia das Copas do Mundo no metrô de Doha.
Cronologia das Copas do Mundo no metrô de Doha. © Anne Bernas/RFI
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Anne Bernas, enviada especial da RFI ao Catar

"O esporte é um elemento fundamental em nosso DNA", disse em setembro o emir do Catar, Tamim ben Hamad al-Thani. O futebol está, de fato, em toda parte no país. No aeroporto de Doha, reformado para receber mais de um milhão e meio de torcedores do mundo inteiro, o equivalente a um terço da população do país, bandeiras e mensagens de boas-vindas em vários idiomas pontuam a decoração. Nas ruas, o clima não é diferente: hotéis, fan zones e restaurantes se preparam para o evento, apesar das críticas e dos pedidos de boicote envolvendo denúncias de maus-tratos aos operários que atuaram na construção dos estádios.

Esta é a Copa do Mundo mais cara da história: o custo para construir os estádios está avaliado em US$ 6,5 bilhões. O maior deles, Lusail, pode receber até 80 mil espectadores. Para que os torcedores possam chegar até o local com facilidade, o Catar construiu uma nova linha de metrô: dentro das estações e nos vagões, as cores do Mundial, branca e bordô, são predominantes. A cada vinte metros, um funcionário está disponível para informar os turistas.

O incremento da infraestrutura esportiva no país teve início no fim dos anos 1990, com a entrada do emirado no CIO (Comitê Olímpico Internacional), e o objetivo de transformar Doha em uma referência para o esporte mundial. Em 2006, o Catar organizou os jogos asiáticos, um dos eventos mais importantes do mundo. "Desde então, o país mostrou que é capaz de receber eventos deste porte", diz o cientista político Nabil Ennasri, autor do livro "L'Empire du Qatar" ("O Império do Catar", em tradução livre), escrito em parceria com Raphaël Le Magoariec.

Essa política, diz, se concretiza em 2010 com a atribuição da organização do Mundial de 2022 ao país. Paralelamente, o Catar investe em outras infraestruturas dedicadas ao futebol, como centros de treinamento e clínicas esportivas. O objetivo é desenvolver know-how dentro do país. Um exemplo é a Aspire Academy, criada para formar futuros campeões de futebol. O local reúne, em 250 hectares, um estádio com ar-condicionado e salas de musculação ultramodernas.

Investir no esporte ajuda o Catar a aumentar sua influência e ser respeitado por outras nações - e isso vai, naturalmente, além do futebol. A abertura do emirado ao exterior é um projeto antigo, que data de junho de 1995, com a chegada ao poder do pai do atual emir, Hamad, que lança um gigantesco plano econômico batizado de "Qatar National Vision 2030". Em um contexto de pós-guerra fria, as relações entre as nações se definiram, na época, pela "diplomacia da propaganda externa."

Investimento cultural

O lançamento do canal Al Jazeera, neste sentido, foi um dos primeiros sucessos do governo, analisa Nabil Ennasrui. "Em um dado momento, o canal era até mais conhecido do que o próprio país", avalia. O Catar também fez investimentos massivos em programas de formação para a juventude no mundo árabe, com a criação do Doha Film Institute, em 2010.

O soft power catari também se estendeu, desta forma, ao setor cultural, com a inauguração, em 2008, no museu de arte islâmica de Doha, imaginado pelo arquiteto I.M. Pei (um dos criadores do projeto da pirâmide do Louvre, em Paris). Orçado em € 350 milhões, o museu tem a maior coleção do mundo de objetos de arte islâmica.

"Em termos de multiculturalismo, esta é uma forma de rivalidade, de competição estratégica, principalmente com os Emirados Árabes Unidos, mas também com seu vizinho saudita. Ela consiste a estabelecer outras atividades que permitirão ao país se liberar um pouco da dependência aos hidrocarburetos", declara o Ennasri. Para isso, o Catar deve fomentar o fluxo de capitais, mercadorias, competências e conhecimento. "O país espera se tornar uma peça central no tabuleiro mundial, em termos estratégicos, acadêmicos, universitários, midiáticos, esportivo e, de maneira geral, de diversão e de turismo. O país deve receber 6 milhões de turistas até 2030.

O estádio 974, em Doha, que vai sediar alguns dos jogos da Copa do Mundo.
O estádio 974, em Doha, que vai sediar alguns dos jogos da Copa do Mundo. AP - Hassan Ammar

Diplomacia

Em termos diplomáticos, o emirado de cerca de 11.600 km2 (o equivalente a um terço da Bélgica) espera ter um papel mais preponderante na mediação dos conflitos mundiais. "Nós fazemos tudo o que está a nosso alcance para levar à paz à região", disse o emir Ben Hamad em uma entrevista exclusiva à revista francesa Le Point.

Há cerca de uma década, o Catar está à frente de várias iniciativas internacionais, sejam mediações ou ajuda ao desenvolvimento, em coordenação com as agências no exterior. "Nós sempre fomos vistos como um parceiro contra os conflitos, o radicalismo e contra tudo aquilo que achamos que não representa nossa sociedade", diz o porta-voz da diplomacia catari, Majed Mohammed Al-Ansari. 

"Desde o século 19, o Catar se construiu baseado na ideia da necessidade de equilíbrio e na solução pacífica dos conflitos. A questão agora é manter essa soberania conservando boas relações com nossos vizinhos. Como bem disse sua alteza, o xeque Tamim ben Hamad al-Thani, na ONU, os pequenos e grandes países vão acompanhar a evolução para o multilateralismo, um sistema internacional multipolar. É nosso dever achar meios de reduzir os conflitos entre grandes potências. Os pequenos e grandes países estão em uma posição onde podem assumir esse papel, ao contrário das grandes potências. Temos agilidade e riqueza no Catar para conseguir, além do estado de espírito", disse.

O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores cita alguns dos assuntos que tiveram a participação crucial do Catar: a mediação com os talibãs no Afeganistão, o conflito no Chade, o diferendo entre a Somália e o Quênia, entre a Eritreia e o Djibouti e o conflito entre Israel e Palestina. "O fim da violência na Palestina será feito através do diálogo, da mediação, mas também aceitando a necessidade de respeitar a iniciativa de paz árabe. Nós estimamos que, atualmente, Israel está se distanciando dos pontos do acordo e se colocando em uma situação que alimenta o conflito com os palestinos. Isso só pode ter um efeito negativo sobre a situação no interior de Israel e com os palestinos", acrescenta o diplomata.

Se a Copa do Mundo de futebol 2022 é um sucesso e se os apelos por um boicote forem colocados em segundo plano, é possível que o evento aumente de fato essa influência buscada pelo Catar. O emirado espera, dessa maneira, mostrar que a região não é apenas fonte de conflitos, pobreza, discriminação de todos os gêneros, mas que também é uma parte do mundo essencial para o resto do planeta. "E a melhor maneira para isso, é fazer com que o mundo todo viaje para o Catar para a Copa do Mundo", conclui Majed Mohammed Al-Ansari.

(Tradução de Taíssa Stivanin)

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