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Saiba o que pensam eleitores na véspera da eleição presidencial na Argentina

O "outsider" Javier Milei, de extrema direita, pode vencer a eleição presidencial na Argentina neste domingo (22) ou passar para o segundo turno. Na segunda hipótese, Milei só não será eleito se a candidata de centro-direita Patricia Bullrich tirar a vaga de Sergio Massa, concorrente de centro-esquerda, aliado de Cristina Kirchner. Mas o que leva os eleitores a optarem por cada candidato? E qual é a razão do desespero socioeconômico que explicaria o crescimento de Milei?

Rosana Reinaga exibe um dólar com a cara de Javier Milei em alusão ao seu plano de dolarização da economia.
Rosana Reinaga exibe um dólar com a cara de Javier Milei em alusão ao seu plano de dolarização da economia. © RFI/Márcio Resende
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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

A enfermeira Rosana Reinaga, de 54 anos, não se importa com o fato de o ultraliberal Javier Milei não ter feito nenhuma proposta para o setor da saúde nem ter políticas especiais para as mulheres. Também não se importa com a instabilidade emocional do candidato, com frequentes ataques de fúria.

“O que me importa mesmo é o que ele fará em matéria de segurança e de economia. Quando me dizem que ele grita muito, prefiro alguém que grite, assim como estou a gritar por dentro, em silêncio, com a situação do país. Ele me representa, ele nos representa”, argumenta Rosana à RFI, antes de começar o último ato de encerramento da campanha de Javier Milei, na quarta-feira (18).

Os comícios de Milei são como shows de rock no qual o candidato é a estrela. Ecoam canções de rock, algumas temáticas em alusão ao candidato, vestido com sobretudo de couro, com o destaque da presença de Milei, que se diz um "leão". “Estou cansada de ver as pessoas partirem do meu país. Já estou velha e não quero ir embora. Quero envelhecer aqui. Milei abriu os meus olhos. Quero um país como éramos, um país do primeiro mundo. Hoje, qualquer país vizinho está melhor. O Brasil, o Chile e o Uruguai estão melhor. Até o Paraguai e a Bolívia estão melhores do que a Argentina”, compara.

Um dos lemas da campanha de Javier Milei é acabar com “a casta política” que se incrustou no Estado para viver como "parasitas", "empobrecendo a população e impedindo que o país cresça".

Máximo Echeverría exibe uma bandeira e veste uma blusa com o lema “Façamos a Argentina grande outra vez”, em alusão ao slogan de Donald Trump ["Make America Great Again"], admirado por Milei. “Voto em Milei porque é a pessoa que vem para acabar com o negócio da política, com a corrupção e com os políticos a avançarem sobre a liberdade individual dos cidadãos”, sintetiza o estudante de psicologia de 19 anos.

Mas Máximo também reconhece que o candidato libertário gera polarizações, até mesmo entre os jovens, o seu principal eleitorado. “Ninguém fica indiferente. Todos os que conheço ou o apoiam ou o detestam. Nem o podem ver. É muito difícil dialogar com quem não o apoia”, descreve.

Os eleitores argentinos Gabriela Ruiza (alto, à esq.), Leonardo Álvarez Rouco (alto à dir.), Máximo Echeverría (embaixo, à esq.) e Gabriela Morrone (embaixo, à dir.) foram entrevistados pela RFI Brasil.
Os eleitores argentinos Gabriela Ruiza (alto, à esq.), Leonardo Álvarez Rouco (alto à dir.), Máximo Echeverría (embaixo, à esq.) e Gabriela Morrone (embaixo, à dir.) foram entrevistados pela RFI Brasil. © RFI/Márcio Resende

Javier Milei, do partido A Liberdade Avança (“La Libertad Avanza”), é a figura disruptiva dessas eleições. Líder nas sondagens, é a chance concreta da extrema direita chegar à presidência, algo impensável na Argentina nos últimos 40 anos, desde que o país recuperou a democracia.

Milei promete reformas estruturais com mudanças radicais como acabar com o Banco Central, reduzir o ensino gratuito e dolarizar a economia, substituindo o peso argentino pelo dólar americano. São medidas que requerem mudanças constitucionais ou maioria no Congresso, algo que o candidato não terá por mais que consiga todos os votos.

Mudança equilibrada

Patricia Bullrich, candidata da coalizão de centro-direita Juntos pela Mudança (“Juntos por el Cambio”) também promete mudanças profundas, mas, ao contrário de Milei, se eleita, a candidata terá 10 dos 24 governadores, cinco centenas de prefeitos e maioria no Parlamento para aprovar as reformas estruturais, além de uma equipe de governo formada por nomes reconhecidos. E esse é o principal argumento de campanha: “A verdadeira mudança”.

“É a pessoa que pode conduzir uma mudança real, com governabilidade. Ela pode concretizar as suas ideias. Javier Milei não terá o Parlamento, terá de governar por decreto e não poderá ser um governo democrático”, explica à RFI o estudante de direito, Leonardo Álvarez Rouco, de 23 anos, após o ato de campanha de Patricia Bullrich em Buenos Aires na segunda-feira (16).

Terceira na disputa, segundo as pesquisas, Patricia Bullrich aposta nos 15% de indecisos ou eleitores que podem mudar de voto e pede, aos cerca de 30% que não foram votar nas primárias em 13 de agosto, que vão às urnas. Esse segmento, na sua maioria, tem o perfil do eleitor de Bullrich: de 40 anos para cima.

“Vim a este ato para ouvir propostas porque não tenho muita convicção em quem votar. Mas entre as três opções com mais chances, Patricia Bullrich parece ter a equipe mais sólida. Sergio Massa é manter a atual situação precária e votar em Milei é como embarcar no desconhecido”, avalia a dona de casa Gabriela Ruiz, de 53 anos.

O ministro-candidato

O candidato da centro-esquerda, Sergio Massa, representa a continuidade e se ampara na forte estrutura partidária do Peronismo, nos sindicatos, nos movimentos sociais e num gigantesco universo dependente de subsídios e planos sociais.

Em 2015, Julio Labour perdeu o trabalho e ficou sem ter onde viver. Conseguiu uma pensão por deficiência física e alugou um quarto. Com a inflação galopante, o dinheiro deixou de ser suficiente para comer. Julio optou por refeitórios populares, onde particulares doam comida. A inflação continuou a se acelerar até que o dinheiro se tornou insuficiente até para pagar o alguel.

“Fui morar na rua. Mas viver na rua é viver com medo. Fui roubado. Levaram tudo. Não tenho mais nada. O mais importante é conseguir um teto, porque a comida dá para conseguir em vários lugares”, conta Julio à RFI.

Durante este período eleitoral e até dezembro, Julio vai receber uma ajuda extra que lhe permitirá voltar a ter um quarto alugado. A ajuda é uma estratégia de campanha do candidato e ministro da Economia, Sergio Massa, quem tem emitido ajuda social para ter chances eleitorais.

“Depois de janeiro, verei o que fazer. Tenho medo de voltar a morar na rua. Quero uma vida normal, mas as coisas aumentam o tempo todo todas as semanas”, critica. Por esse ajuda social, Julio pretende votar em Sergio Massa, por mais que a emissão desse tipo de ajuda acelere o aumento de preços num círculo vicioso da economia, segundo alguns especialistas.

O cenário propício para a oposição

No último ano de gestão como ministro da Economia, Sergio Massa duplicou o índice de inflação que chegou a 12,7% em setembro, o maior desde fevereiro de 1991. Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada chega a 138,3% e a projeção para o ano varia entre 180% e 200%.

Desde que assumiu o mandato em 10 de dezembro de 2019, a gestão do presidente Alberto Fernández acumula um aumento de preços de 621,2%, o maior para um presidente dos últimos 32 anos.

O índice seria ainda maior se não estivessem freados os aumentos nas tarifas de serviços públicos, nos transportes públicos e nos combustíveis. O dólar paralelo, o único ao qual os argentinos têm acesso, foi de 63 pesos a 1050 durante o mandato de Alberto Fernández. O dólar na Argentina é considerado o termômetro da economia. Os argentinos usam o peso como moeda corrente, mas economizam em dólares, moeda aceita nos bancos e única no mercado imobiliário.

Ao ritmo da inflação, a pobreza aumentou de 36,5% a 40,1% no primeiro semestre no ano. Porém, desde então, à medida que o peso argentino perdeu valor, a inflação duplicou-se, passando de um nível de 6,3% em julho a 12,4% em agosto. Cálculos privados apontam para uma pobreza de 42% em setembro.

Ernesto Acuña, vice-presidente da União de Lojas de Conveniência da Argentina, conta que recebe listas de preços 10% mais altas todos os meses. A essa base de aumento, somam-se mais incrementos cada vez que o dólar dispara como em outubro. “Agora em outubro, acabamos de ter um aumento muito forte novamente. O dólar disparou. A esses 10% de aumento inicial, somam-se outros 25% ou 30% nesta semana. As pessoas reduzem as compras ou deixam de comprar”, conta Ernesto à RFI, enquanto remarca preços.

Gabriela Morrone, de 47 anos, diz que o dinheiro não rende e que deixou de comprar as primeiras marcas. “Está tudo muito caro. Caríssimo. O dinheiro não é suficiente. Você trabalha e trabalha para nada. O dinheiro não vale nada. Algumas coisas, não compro mais. As que compro são de segunda marca ou o que vejo mais barato. Quando encontro uma oferta, procuro estocar”, indica.

Na Argentina, ganha-se no primeiro turno com 45% dos votos ou mesmo com 40%, desde que haja uma diferença de, pelo menos, dez pontos com o segundo colocado.

Tudo indica, no entanto, que haverá segundo turno em 19 de novembro entre Javier Milei e o ganhador do embate entre Sergio Massa e Patricia Bullrich.

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