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Em meio à crise política no Peru, ONG denuncia tortura de manifestantes e prisões arbitrárias

Já são quase duas semanas de protestos ininterruptos nas ruas do Peru desde a tentativa de golpe de Estado do presidente destituído Pedro Castillo. Nos últimos dias, o atual governo no poder, de Dina Boluarte, decidiu reforçar a repressão contra os manifestantes. A Coordenação Nacional de Direitos Humanos do Peru denuncia a violação de direitos humanos, com mais de 20 prisões arbitrárias e torturas contra manifestantes realizadas por policiais ligados ao grupo de combate ao terrorismo. Ao menos 24 pessoas morreram em protestos até o momento.

Grupo de manifestantes em frente ao Congresso peruano en Lima para protestar contra a prisão de Pedro Castillo.
Grupo de manifestantes em frente ao Congresso peruano en Lima para protestar contra a prisão de Pedro Castillo. AP - Martin Mejia
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Aida Palau, da RFI

No último final de semana, enquanto a presidente Dina Boluarte fazia um discurso à nação na tentativa de acalmar os ânimos da população peruana, um grupo de policiais da Direção de Luta contra o Terrorismo entrou na sede da Confederação Nacional de Camponeses e prendeu mais de 20 pessoas que ali estavam.

Mar Pérez, coordenadora Nacional de Direitos Humanos, denuncia uma série de violações de direitos humanos. Segundo ela, que reuniu acusações, este grupo da polícia plantou provas na sede da confederação camponesa, fez prisões arbitrárias e até torturou manifestantes.

Os manifestantes nas ruas pedem a realização de novas eleições para a substituição do governo. Desde o início da onda de repressão policial aos protestos, 24 manifestantes morreram, a maior parte deles nas regiões de Ayacucho e Apurimac. Entre as vítimas estão diversos adolescentes entre 15 e 19 anos. Há ainda mais de 640 feridos.

Nesta terça-feira (20), a União Europeia condenou o uso excessivo de violência contra os manifestantes e pediu ao novo governo peruano que respeite os direitos humanos. 

Confira as principais partes da entrevista com Mar Pérez, da Coordenadoria Nacional de Direitos Humanos. 

RFI: Que informações você tem sobre os presos e sob que condições eles estão sendo mantidos?

Até agora não há uma lista consolidada de detentos, mas houve situações como, por exemplo, em Abancay onde prenderam cinco camponeses que estavam dormindo na rua. [Os policiais] destruíram todos os seus pertences, homens e mulheres foram levados à delegacia e depois liberados sem acusação. Em Andahuaylas, tivemos acesso a imagens que mostram tortura contra os detentos, fotografias que mostram hematomas por todo o corpo, ou seja, eles foram brutalmente espancados enquanto estavam presos.

Aqui em Lima, estamos registrando muitas prisões, sobretudo de jovens, mas também de pessoas que simplesmente estavam passando na rua e são presas. Em muitos casos há relatos de espancamentos pela polícia durante a intervenção ainda na rua, e também dentro das viaturas no caminho até a delegacia. As organizações de direitos humanos tentam estar lá quando os presos são levados para as delegacias, mas nós não somos capazes de lidar com isso. No tempo em que passam ali sem defesa, sem a presença dos promotores, a polícia comete uma série de abusos e obrigam os presos a assinarem documentos que não refletem a realidade da detenção.

Mas o que mais nos preocupa no momento é que há uma escalada na criminalização: no sábado de manhã houve uma intervenção da Diretoria Anti-Terrorismo, que é uma unidade policial que investiga este tipo de crime, abusando do estado de emergência. 

Normalmente uma batida como a que ocorreu no sábado exigiria a participação do Ministério Público. Mas como estávamos em estado de emergência, a polícia interveio sozinha, invadindo as instalações da Confederación Campesina del Perú, onde 26 camponeses que tinham vindo a Lima para participar das mobilizações que pediam eleições antecipadas passavam a noite. Durante várias horas, a polícia não permitiu a entrada de advogados e eles plantaram provas (...) A fotografia dos facões, armas brancas usadas no trabalho agrário, mas neste caso eles tinham até os adesivos dos supermercados onde foram comprados.

Finalmente, a Promotoria de Direitos Humanos chegou para supervisionar as ações da polícia, e naquela noite, os 26 camponeses foram libertados, mas foram listados em uma investigação por terrorismo. Isso aqui no Peru é algo que gera muita ansiedade porque a acusação de terrorismo envolve, como em outros lugares do mundo, a restrição de várias garantias, além de ser um estigma muito, muito forte. Estamos falando de pessoas que vêm precisamente da área onde o Sendero Luminoso agia. A luta anti-subversiva, portanto, é algo que enche as pessoas de medo e elas o acusam de terrorismo.

Presos no sul do Peru apresentam hematomas pelo corpo

O que você está denunciando são detenções arbitrárias, criminalização do movimento de protesto e fabricação de provas para incriminá-lo?

Sim, e em alguns casos, tortura de detentos.

E parece que isto não vai acabar porque o que pelo menos parte do povo peruano quer é que as eleições sejam antecipadas, e sejam realizadas o mais rápido possível. 

Não vai terminar, porque a presidente também disse que não pretende renunciar e está endossando todos os abusos que estão sendo cometidos. As forças da ordem mobilizaram as forças armadas e ainda há confrontos entre os manifestantes e o exército e a polícia.

No fim de semana, tivemos cinco pessoas gravemente feridas em um lugar de mata. Eles estão usando o aparelho de inteligência para vigiar e investigar as pessoas simplesmente porque são adversários do governo, porque são esquerdistas, porque pertencem ao movimento social. Portanto, isto só parece ficar pior.

Em outras palavras, não temos, na história recente, uma experiência de violência policial como esta. Estamos falando de mais de 20 mortos e destes, pelo menos 17 são o resultado direto de tiros disparados pela polícia ou pelo exército. Sem contar os feridos. Várias pessoas já estão chegando em Lima que, devido à complexidade de seus ferimentos, não podem ser tratadas na província. Uma menina que veio de Andahuaylas perdeu um olho. Outros estão em coma. Isto é extremamente grave.

Já consideramos o governo de Dina Boluarte como um governo antidemocrático porque se mantém no poder contra a vontade do povo. Mais de 80% exigem que as eleições sejam antecipadas e que ela se afaste, e ela permanece no poder. Com o apoio das forças armadas e da polícia e em meio a um estado de emergência. Isto não pode mais ser chamado de democracia.

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