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Golpe de Estado no Níger é apontado como retrocesso democrático para África

A França "não reconhece as autoridades" que tomaram o poder no Níger, por meio de um golpe liderado pelo general Abdourahamane Tchiani. Paris considera Mohamed Bazoum, "democraticamente eleito", como "o único presidente da República do Níger", declarou o Ministério das Relações Exteriores francês, nesta sexta-feira (28). A crise iniciada há dois dias no país africano é apontada como um retrocesso para a democracia no continente. 

Apoiadores de soldados amotinados se manifestam em Niamey, capital do Níger, em 27 de julho de 2023.
Apoiadores de soldados amotinados se manifestam em Niamey, capital do Níger, em 27 de julho de 2023. AP
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O comunicado da diplomacia francesa "reitera com veemência as exigências claras da comunidade internacional, que pede a restauração sem demora da ordem constitucional e do poder civil democraticamente eleito no Níger", continua a nota do Quai d'Orsay, o equivalente ao Itamaraty no Brasil.

Nesta sexta-feira, o general que tomou o poder à força em Niamey leu um comunicado na televisão estatal apresentando-se como "presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria", a junta militar que derrubou o presidente Bazoum. Na prática, Tchiani se autoproclamou o novo homem forte do país. O general, que era chefe da Guarda Presidencial, justificou o golpe pela "deterioração da situação de segurança" neste país africano marcado pela violência de grupos jihadistas.

Em sua opinião, sob a presidência de Bazoum havia uma "retórica política" que queria convencer a população de que "tudo ia bem", enquanto havia "uma dura realidade com mortos, deslocados, humilhação e frustração", afirmou. "A abordagem atual em matéria de segurança não foi capaz de proteger o país, apesar dos grandes sacrifícios do povo nigerino e do grato apoio de nossos aliados externos", afirmou.

Este discreto alto oficial dirige a Guarda Presidencial desde 2011. Na quarta-feira, os militares golpistas anunciaram na televisão que Bazoum, eleito democraticamente e no poder desde 2021, foi deposto.

Condenação internacional

"Este golpe de Estado é completamente ilegítimo e profundamente perigoso para o povo do Níger, para o Níger e para toda a região", disse o presidente francês, Emmanuel Macron. "É por isso que estamos pedindo a libertação do presidente Bazoum e o restabelecimento da ordem constitucional", enfatizou o chefe de Estado francês.

Em uma declaração em vídeo, o presidente do Quênia, William Ruto, também criticou o golpe. "A África sofreu um sério retrocesso em seu progresso democrático" com o golpe que derrubou Bazoum, afirmou hoje o líder queniano, condenando "nos termos mais fortes esse ato inconstitucional". 

"Exortamos todas as partes a se engajar em um discurso construtivo para restaurar a paz nesta nação fraterna que se manteve firme como um baluarte contra o terrorismo e seus agentes na região do Sahel", acrescentou o presidente do Quênia.

A ONG Human Rights Watch afirma que os direitos humanos estão sendo "ameaçados" pelo golpe de Estado em andamento no Níger, embora a junta militar tenha afirmado sua "disposição" de respeitar os "direitos humanos".

"Os novos governantes militares do Níger devem garantir que os direitos humanos de todas as pessoas sejam respeitados", disse Ilaria Allegrozzi, pesquisadora da Human Rights Watch no Sahel, citada em um comunicado.

O presidente Mohamed Bazoum, que goza de boa saúde, está detido desde a manhã de quarta-feira em sua residência por membros de sua segurança, liderados pelo general Tchiani. A junta militar, que recebeu o apoio dos corpos do Exército, da gendarmaria e da polícia, suspendeu as instituições e as atividades dos partidos políticos, fechou as fronteiras terrestres e aéreas, introduziu um toque de recolher e proibiu manifestações.

Relações com a França

País pobre com histórico de golpes de Estado, o Níger era um dos últimos aliados da França no Sahel, uma região assolada por instabilidade, insegurança e ataques jihadistas. A reviravolta em Niamey é a terceira na região desde 2020, após a chegada dos militares ao poder no Mali e em Burkina Faso, em um contexto de crescente influência da Rússia naquela área.

A França, que pôs fim à operação antiterrorista Barkhane e se retirou do Mali sob pressão da junta em Bamako, tem atualmente 1.500 soldados destacados no Níger, que até agora operavam com o Exército nigerino. Outros mil soldados franceses estão estacionados no vizinho Chade.

Logo após o golpe, na quarta-feira, manifestantes tomaram as ruas de Niamey e defenderam a expulsão dos franceses, tratados como 'potência colonizadora'. Em meio à multidão, havia bandeiras da Rússia, que assumiu parcialmente as operações de segurança nos vizinhos Mali e Burkina Fasso, por meio de milicianos do grupo paramilitar Wagner.

Quanto às relações econômicas e comerciais da França com o Níger, elas diminuíram significativamente nos últimos 15 anos. O Níger tem importantes reservas de urânio, mas agora é apenas "o quinto maior fornecedor da França", disse à AFP Alain Antil, diretor do Centro da África Subsaariana do Instituto Francês de Relações Internacionais (Ifri).

Poucas empresas francesas permanecem nesse setor no Níger, com exceção do grupo de mineração francês Orano (ex-Areva), que afirma estar monitorando a situação de suas minas "hora a hora" desde o golpe, garantindo que suas atividades "continuam" sem dificuldades.

Ocidente é paradoxalmente visado 

O Níger já sofreu quatro golpes de Estado desde sua independência em 1960, recordou, em entrevista à RFI, o antropólogo franco-nigerino Jean-Pierre Olivier de Sardan, professor na Escola de Altos Estudos de Ciências Sociais de Marselha. 

O golpe anterior ocorreu há pouco mais de 13 anos, em fevereiro de 2010. Segundo Sardan, os três golpes precedentes foram um paradoxo na região, porque tinham como objetivo restabelecer a democracia em uma momento em que o cenário político estava bloqueado. Atualmente, esse não é o caso, destaca o especialista. "Não há nenhum bloqueio particular da democracia no Níger", avalia. "Estamos em uma situação completamente diferente", destaca. 

De acordo com Sardan, há vários anos, a democracia vem se tornando impopular no continente africano, criticada como um regime de governo que provocou um recrudescimento da corrupção, que aumentou os negócios e os lucros, sem resolver os problemas da população. "Essa 'crise da democracia' é paradoxalmente atribuída ao Ocidente", aponta o professor de Marselha. Ele discorda dessa 'visão enviesada', segundo a qual a democracia é atribuída ao Ocidente, quando, na verdade, "é um produto das lutas populares, das lutas estudantis que aconteceram nos países africanos em reação às ditaduras militares da época". 

"A democracia se instalou por razões internas, mas foi tão mal defendida ou tão arrogantemente defendida pelo Ocidente, que agora se tornou associada ao Ocidente, e essa é uma das razões pelas quais é rejeitada", opina o antropólogo. Ele recorda que a primeira onda de golpes militares na África ocorreu contra os regimes de partido único, que se tornaram ilegítimos. "A situação completamente nova é que esta segunda onda de golpes visa a própria democracia, que se tornou ilegítima. Isso é algo novo e não temos nada para comemorar", conclui. 

(Com informações da AFP)

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