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Militar que liderou novo golpe de Estado no Burkina Faso diz querer 'transição pacífica'

O Burkina Faso teve apenas oito meses para se acostumar com a figura do tenente-coronel Paul-Henri Damiba, o oitavo líder golpista a ter seu nome inscrito na lista de chefes de Estado, desde a independência do país. Seu sucessor, o capitão Ibrahim Traoré, 34, o novo autoproclamado presidente de Burkina Faso, reivindica as mesmas ambições de restaurar a segurança em um Estado que gradualmente perdeu o controle de mais de 40% de seu território para jihadistas, como conta em entrevista à RFI.

O novo líder de Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traoré, assiste a uma reunião na capital Ouagadougou no domingo, 2 de outubro de 2022.
O novo líder de Burkina Faso, o capitão Ibrahim Traoré, assiste a uma reunião na capital Ouagadougou no domingo, 2 de outubro de 2022. AFP - -
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Após uma vã tentativa de "chamar à razão" os jovens soldados rebeldes, o homem que derrubou o presidente eleito Roch Marc Christian Kaboré em 24 de janeiro de 2022 voou da capital Ouagadougou para Lomé, no Togo, no domingo 2 de outubro, para anunciar sua renúncia. No domingo (2) à tarde, um porta-voz dos golpistas anunciava na televisão nacional que "o Capitão Traoré é responsável pela execução dos assuntos atuais do Estado até a posse do novo presidente de Burkina Faso a ser designado pelas forças da nação".

O capitão Traoré concordou em responder às perguntas do reporter da RFI Christophe Boisbouvier. O novo lider de Burkina Faso disse que "só está lá para agilizar os assuntos atuais" e que não tem intenção de presidir a transição futura, nem de tomar o poder

RFI: Qual é a situação política em Burkina Faso?

Ibrahim Traoré: Bem, não há grandes eventos, apenas uma concertação entre os militares para apoiar a equipe do MPSR (Movimento Patriótico de Salvaguarda e Restauração). Portanto, o resultado é satisfatório . Porque, como você disse, eu sou um capitão, há muito mais oficiais superiores do que eu no exército. Portanto, é uma questão de explicar o contexto e o porquê, e estes anciãos concordam em nos apoiar, aconselhar e ajudar. Portanto, isso é uma boa notícia para nós.

RFI: Os líderes religiosos e tradicionais anunciaram que o Coronel Damiba aceitou renunciar, você pode confirmar isso?

Desde sábado (1°), houve uma consulta entre estes líderes tradicionais e religiosos e o Coronel Damiba. Neste domingo de manhã, por volta das 9h00, tive uma conversa telefônica com eles, da qual eles também me informaram.

RFI: O Coronel Damiba havia estabelecido sete condições, incluindo a garantia de sua segurança e a dos soldados que permaneceram leais a ele. Qual é a sua resposta?

Ibrahim Traoré: É preciso entender que somos um exército e que não há inimigo. Então, após este tipo de evento, largamos tudo, voltamos para a mesa e começamos tudo de novo. Portanto, este é o ato que os mais velhos fizeram hoje, e que também faz a coesão entre nós. Não há caça às bruxas.

RFI: E você sabe onde está o Coronel Damiba?

Ibrahim Traoré: Não posso lhe dizer onde ele está no momento, por razões de segurança. Ele está bem, muito bem.

RFI: Ele está no território de Burkina Faso?

Ibrahim Traoré: (Risos) Talvez você tenha outras informações a nos dar?

RFI: Estou perguntando porque várias fontes dizem que ele está no Togo.

Ibrahim Traoré: Provavelmente, eu não tenho nenhuma informação sobre uma extradição ou algo parecido.

RFI: Mas seria provável?

Ibrahim Traoré: Como você tem uma fonte que lhe diz, é provável que assim seja.

RFI: Você já falou com Damiba nos últimos dias?

Ibrahim Traoré: Sim, mesmo esta manhã eu falei com ele. Não há nenhum problema entre o coronel Damiba e eu. Não se trata de um problema pessoal. Por isso, até comunicamos neste domingo de manhã.

RFI: E quando você falou com ele, ele lhe disse se ia renunciar?

Ibrahim Traoré: Não falamos sobre isso em nossa última conversa. Foi mais no sábado à noite que falamos sobre isso, falamos mais sobre as sete condições que você mencionou.

RFI: Então ele disse que só se demitiria se as sete condições que ele estabeleceu forem aceitas?

Ibrahim Traoré: Não vamos dizer condições como tais, mas eu diria sete sugestões, porque são desejos. Entre os desejos expressos pelo coronel Damiba, está o respeito aos compromissos assumidos com a CEDEAO, e em particular o retorno à ordem constitucional em julho de 2024. Esperamos que o retorno à ordem constitucional normal ocorra mesmo antes dessa data, se a situação o permitir. Portanto, nosso desejo é que isso possa ser feito antes de 2024.

RFI: Neste domingo à noite, um comunicado dos militares que o apoiam disse que você está encarregado dos assuntos correntes, mas somente até a reunião das forças vivas que designarão um presidente de transição. Você confirma isso?

Ibrahim Traoré: Sim, confirmo, pois é a assembleia que designará um presidente de transição. Portanto, no momento, estamos tratando de assuntos atuais.

RFI: E você quer que essas reuniões sejam realizadas antes do final do ano?

Ibrahim Traoré: Sim, é claro. Muito antes do final do ano, queremos que isso aconteça o mais rápido possível.

RFI: E ao final desta assembleia, teremos um presidente civil ou um presidente militar?

Ibrahim Traoré: Civil ou militar.

RFI: Mas qual é a sua preferência, capitão?

Ibrahim Traoré: Eu não tenho preferência, depende do que acontecer na assembleia.

RFI: Você tem conversado durante as últimas horas com oficiais superiores que são mais graduados do que você. Imagino que você esteja pensando em particular no tenente-coronel Yves Didier Bamouni, que comanda as operações nacionalmente, e no coronel-major David Kabré, que chefia o grupo. O que saiu dessas discussões, capitão?

Ibrahim Traoré: Como eu disse, eles estão dispostos a nos aconselhar, a nos apoiar.

RFI: E para reconhecê-lo como o número 1 no país nas próximas semanas?

Ibrahim Traoré: Eles não têm nenhum problema com isso.

RFI: E eles mesmos poderiam substituí-lo no final dessas consultas?

Ibrahim Traoré: Isso dependerá de quem estiver presente na assembleia. Eu não vou interferir nisso.

RFI: E você, acha que poderá continuar sua missão à frente do país após a assembleia ou pretende passar o bastão nesse momento?

Ibrahim Traoré: (Risos) Por que continuar? Não viemos para continuar, não viemos para um propósito específico. O que nos interessa é saber se o nível de segurança é bom, é a luta, o combate. As reuniões que irão designar o presidente não são realmente nossa preocupação. Nós estaremos lá para dar idéias.

RFI: Que apelo você faz hoje aos manifestantes nas ruas de Burkina Faso?

Ibrahim Traoré: Que sejam patrióticos, manifestantes pacíficos, e que não se envolvam em atos de vandalismo. Por que quebrar? Por que destruir? Passamos mensagens, nos comunicamos para que as pessoas não ataquem, não vandalizem.

RFI: Você mencionou a vontade "de procurar outros parceiros prontos para ajudar na luta contra o terrorismo". Que outros parceiros você tem em mente?

Ibrahim Traoré: Há muitos parceiros, a França é um parceiro, há muitos outros parceiros. Portanto, não há um alvo prioritário, me refiro a todos aqueles que podem nos ajudar.

RFI: Estou lhe fazendo esta pergunta, capitão, porque nos últimos três dias, os manifestantes que o apóiam têm brandido bandeiras russas. Você vai se voltar para a Rússia?

Ibrahim Traoré: A bandeira russa... A Rússia é um estado como qualquer outro, já estamos em parceria, como você pode ver. Mesmo em nosso exército, utilizamos muitos equipamentos russos. Portanto, já é um parceiro de Burkina Faso. Não vejo nenhuma particularidade em ver uma bandeira russa sendo agitada em Ouagadougou.

RFI: Você quer continuar uma parceria com a França ou não?

Ibrahim Traoré: Se existe uma embaixada aqui, isso significa que já somos parceiros, agora talvez discutiremos sobre os termos dessa parceria.

RFI: Em outras palavras, rever os termos?

Ibrahim Traoré: Sim, acho que a própria França está mudando os termos de suas parcerias com muitas nações. Também queremos discutir os termos da parceria com a França. Há coisas a melhorar, e talvez haja coisas a abandonar, mas tudo o que pode ser melhorado deve ser feito. 

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