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África em luto pela morte da rainha Elizabeth II, apesar do passado colonial

Ainda não se sabe quais líderes africanos participarão dos ritos funerários da rainha Elizabeth II. Enquanto chefes de Estado emitiram diplomáticas mensagens de condolências, exaltando a figura da mulher que mais tempo ocupou o trono britânico, cresce na África o debate sobre uma compensação que o Reino Unido, por exemplo, precisa dar aos cerca de 20 países que colonizou no continente.

Soldado assina livro de condolências em homenagem à rainha Elizabeth II em Pretória.
Soldado assina livro de condolências em homenagem à rainha Elizabeth II em Pretória. AP - Themba Hadebe
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Vinícius Assis, correspondente da RFI na África

“África precisa agora olhar com franqueza para a relação dela (a rainha Elizabeth II) com sua história”, disse a pesquisadora sênior e economista política Lebohang Pheko em entrevista ao canal de TV sul-africano SABC. O legado de colonialismo e escravidão tem sido exaltado em comentários como este nos meios de comunicação. Nas redes sociais imagens de idosas negras estão sendo compartilhadas com elogios que se referem à vitalidade delas, que conseguem ainda ostentar sorriso no rosto sem terem tido a vida de luxo que a monarca britânica teve ao longo dos seus 96 anos de vida.

As peças saqueadas de países africanos há séculos e expostas em museus britânicos até hoje também fazem parte deste debate que ganha força em diferentes países do continente, principalmente na África do Sul, de onde vieram dois dos maiores diamantes encontrados no mundo - o Cullinan I e o Cullinan II - que enfeitam o cetro e a coroa de Elizabeth. Especialistas dizem o maior deles, cujo valor é estimado em cerca de US$ 400 milhões e tem 530 quilates, foi extraído da África do Sul em 1905, quando o país ainda estava sob o domínio britânico. Críticos usam a palavra “roubo” ao falar deste assunto.

A África do Sul foi o primeiro dos países colonizados pelos britânicos a conquistar a independência, em 1910. E até hoje entre a população sul-africana há os que demonstram um certo fascínio pela família real britânica, além de um respeito especial pela rainha Elizabeth II, que, dizem, tinha divergências com a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher em relação ao Apartheid.

Condolências

“Toda a Cidade do Cabo se une ao resto do mundo e, em particular, à Commonwealth, em luto pela perda da rainha Elizabeth II. Claro que lembramos que a rainha tinha uma relação especial com a Cidade do Cabo. Foi aqui em 1947 que ela celebrou seu 21º aniversário e fez o que provavelmente é visto como um dos seus mais, se não o seu discurso mais famoso e bem lembrado, no qual ela prometeu uma vida inteira de serviço, não importa quanto tempo vivesse. No final, ela viveu uma vida muito longa de serviço dedicado à sua nação” disse o prefeito da Cidade do Cabo, Geordin Hill-Lewis.

“Para mim é apenas triste. Não posso dizer que levo para o lado pessoal, mas quero dizer que é triste para as pessoas ao redor do mundo e especialmente para a Inglaterra”, reagiu Sophia Emmanuelle, uma moradora da Cidade do Cabo.

Alguns chefes de Estado africanos só se manifestaram sobre a morte da rainha nesta sexta-feira pela manhã, mas outros se pronunciaram pouco depois do anúncio do falecimento de uma das mulheres mais ricas do mundo e, sem dúvida, a mais famosa do planeta.

Praticamente todas as mensagens são cordiais e em um tom bem diferente do debate que norteia rodas de conversas e postagens em redes sociais de muitos em países da África, que tanto sofreu nas mãos de colonizadores, como o Reino Unido, como a história mostra.

O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, postou no twitter: em nome do Governo e do povo da Etiópia, apresento as mais profundas condolências à família real britânica, ao Governo e ao povo da Grã-Bretanha pela morte de Sua Alteza Real a Rainha Elizabeth II.

Pouco depois do anúncio da morte da soberana, o presidente da comissão da União Africana, Moussa Faki Mahamat, também emitiu uma mensagem: Nossas mais profundas condolências à família real britânica e ao povo do Reino Unido e dos países da Commonwealth pela morte de Sua Majestade a Rainha Elizabeth II”.

Rainha era sinônimo de estabilidade

A soberana era, de alguma forma, sinônimo de estabilidade para muitos. “Estou profundamente triste ao saber do falecimento de Sua Majestade a rainha Elizabeth II. Em nome de todos os tanzanianos, envio minhas sinceras condolências à família real e ao povo britânico. A rainha será lembrada em todo o mundo como um pilar de força, paz, unidade e estabilidade”, disse a presidente da Tanzânia, Samia Suluhu.

“Sua Majestade foi uma figura pública extraordinária e de renome mundial que viveu uma vida notável. Sua vida e legado serão lembrados com carinho por muitos ao redor do mundo”, diz a mensagem do presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, emitida ainda na quinta-feira.

Também enviaram condolências os presidentes de Djibouti, Serra Leoa, Gana, Zâmbia, Somália e Zimbábue.

Proximidade com Nelson Mandela

A primeira visita de Elizabeth – ainda uma jovem princesa – ao continente africano foi em 1947, um ano antes da implementação oficial do regime de segregação racial que vigorou até o início dos anos 90.

É ainda comum ver ao menos um integrante da família real britânica estampando capas de revistas de celebridades na África do Sul, onde parte da população branca é descendente de ingleses e nem sempre convive, ainda, em perfeita harmonia com os africânes, brancos também, porém descendentes de holandeses e franceses.

Elizabeth II ao lado de Nelson Mandela, em 1996.
Elizabeth II ao lado de Nelson Mandela, em 1996. AP

Além disso a rainha, apesar do passado do seu reino ligado ao colonialismo e à escravidão, tinha uma relação bem próxima com Nelson Mandela, o primeiro presidente negro eleito no país. Ele era um dos poucos que ela permitia que a chamasse de Beth.

Um império cada vez menor

Em fevereiro de 1952, a então princesa Elizabeth estava no Quênia com o marido quando recebeu a notícia da morte do pai, o rei George VI. Foi depois da coroação dela que o império britânico ficou menor, porque a maioria dos países colonizados ganhou liberdade no reinado de Elizabeth II. Mas a rainha continuou tendo uma certa influência – mesmo que mais diplomática – sobre esses países, porque foi criada a Commonwealth, comunidade intergovernamental formada por mais de 50 países, a maioria deles ex-colônias britânicas, que compartilham, inclusive, alguns valores e princípios.

Foi com esta influência que ela, por exemplo, excluiu o Zimbábue desta comunidade, no início dos anos 2000, por conta de desrespeito aos direitos humanos por parte do ex-ditador Robert Mugabe. Ela fez o mesmo com a Nigéria, que “se comportou bem” e acabou voltando para a Commonweath. Na reunião de cúpula de grupo este ano, que aconteceu em Kigali, capital do Ruanda, o então príncipe Charles representou a mãe.

“Ela conduziu a evolução da instituição para um fórum de engajamento multilateral eficaz, cujo potencial para impulsionar um tremendo progresso socioeconômico permanece incontestável e reflete o legado histórico da rainha”, declarou William Ruto, presidente recém-eleito do Quênia. “Sentiremos falta dos laços cordiais que ela mantinha com o Quênia e que suas memórias continuem a nos inspirar. Nos juntamos à Commonwealth em luto e oferecemos nossas condolências à Família Real e ao Reino Unido”, disse ainda o líder queniano.

Estes foram os países africanos colonizados pelos ingleses, com os respectivos anos em que conquistaram liberdade:

  • África do Sul - 1910
  • Égito - 1922
  • Líbia - 1951
  • Sudão - 1956
  • Gana - 1957
  • Somália - 1960
  • Nigéria - 1960
  • Serra Leoa - 1961
  • Camarões - 1961
  • Tanzânia - 1961
  • Uganda - 1962
  • Quênia - 1963
  • Malawi - 1964
  • Zâmbia - 1964
  • Gambia - 1965
  • Botswana - 1966
  • Lesoto - 1966
  • Ilhas Maurício - 1968
  • Eswatini (ex—Suazilândia) - 1968
  • Seychelles - 1976
  • Zimbabwe - 1980

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