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O Mundo Agora

Dentro ou fora da zona do euro, a Grécia representa um perigo para o bloco

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Depois de uma maratona de 17 horas de ásperas negociações, a Europa resolveu ficar com a Grécia. Resultado: um pesadíssimo programa de ajustes e reformas que o governo grego terá que implementar sob o controle direto das instituições europeias. Em contrapartida, uma promessa de que a Europa está disposta a ver se dá um jeito de aliviar o reembolso da dívida grega, mas sem perdoar nem um centavo. Claro, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, já proclamou que conseguiu salvar o país da falência completa e colocar a questão da dívida na mesa. Mas ele agora está também encarregado de enfiar goela abaixo do seu partido, do Parlamento e do povo grego um remédio cavalar.

Reunião da Zona do Euro chega a um acordo para crise financeira na Grécia.
Reunião da Zona do Euro chega a um acordo para crise financeira na Grécia. REUTERS/Yannis Behrakis
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Governos europeus não estavam mais a fim de continuar atirando dinheiro num poço sem fundo. Outros argüiam que recusar solidariedade com um país membro em dificuldade era destruir a razão de ser da integração europeia. Mas a verdade é que mesmo se toda a dívida fosse perdoada, a economia grega não tem condições de se sustentar. Há duas décadas que a Grécia vive das transferências de fundos da União Europeia e de empréstimos contraídos em euro, com taxas de juros infinitamente menores das do antigo dracma. Os gregos não produzem praticamente nada que seja competitivo. Salvo alguns serviços como o turismo e transportes marítimos. A Grécia simplesmente não é viável sem ajuda. Mesmo que o governo Tsipras seja capaz de implementar as ultrarrigorosas reformas impostas pela Europa, o país não tem condições de sair do buraco antes de vários anos, senão décadas.

Grécia é o último bastião da UE nos Bálcãs

A questão, portanto, era saber se valia a pena continuar sustentando, anos a fio, essa bela e dispendiosa hetaira. Abandonar Atenas à sua triste sorte tinha pesados custos geopolíticos. A Grécia é o último bastião da União Européia no Mediterrâneo oriental e nos Bálcãs. Regiões em crise violenta, enfrentando a implosão do Oriente Médio e a política agressiva da Rússia na Ucrânia e nas fronteiras europeias do Leste. Uma Grécia se desmanchando na falência e fora do controle de Bruxelas seria incapaz de garantir a presença militar da OTAN e a cooperação em matéria de luta contra o terrorismo ou de gestão da massa de imigrantes e refugiados que tentam aportar nas costas européias. Sem falar na possibilidade de acabar servindo de alavanca para Vladimir Putin, cujo objetivo é dividir e enfraquecer a União Européia.

É claro também, que uma saída da Grécia representava um risco importante para o futuro da integração europeia. Será que o euro e a própria União são reversíveis? Se um país em crise pode ser descartado, amanhã quem o será? Na verdade, queira ou não, administrar uma Grécia desgarrada e arruinada numa região estratégica tão perigosa custaria uma baba, econômica- e politicamente. Melhor tê-la dentro mijando para fora, do que fora mijando para dentro, como dizia o presidente Lyndon Johnson.

Ameaça de partidos populistas

Só que dentro, ela também representava um perigo. Hoje, com sete anos de estagnação econômica, desemprego e austeridade, quase todos os países europeus estão enfrentando a séria ameaça de novos partidos populistas antieuropeus, de esquerda e de direita. Durante cinco meses de negociação, Atenas enrolou, chantageou e até insultou as instituições europeias, reivindicando mais dinheiro sem contrapartidas críveis. E até organizou um referendo para recusar essas contrapartidas.

Uma queda-de-braço que já estava começando a dar asas a todos os extremistas que sonham em acabar com o euro e mandar a União Europeia às favas. Os dirigentes europeus não podiam se dar o luxo de conceder uma vitória, nem que fosse só simbólica, ao governo Tsipras, que é uma coalizão de partidos de extrema-esquerda e extrema-direita nacionalistas. O resultado das 17 horas de negociações foi a maneira de conciliar dois objetivos: manter a Grécia na zona do euro e na Europa, e derrotar claramente as pretensões e métodos políticos do governo de Atenas e de seus amigos nos outros Estados membros. Missão cumprida. Porém algo falta: sem avançar rapidamente para uma maior integração política, econômica e financeira na União Europeia, e um verdadeiro governo comum do euro, outras crises – e até a própria Grécia sempre no buraco – virão novamente assombrar e ameaçar a difícil unidade europeia.

* Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris, faz uma crônica para RFI às terças-feiras.
 

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