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Um pulo em Paris

França anuncia medidas em prol das mulheres, mas não consegue acalmar revolta contra reforma da Previdência

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Coincidência ou instrumentalização política? O governo Macron anunciou uma série de novas medidas favoráveis às cidadãs francesas nesta semana quando se comemorou o Dia Internacional das Mulheres. Ao mesmo tempo, a polêmica reforma da Previdência esteve no centro dos protestos de 8 de março.

"Aposentadorias amputadas: 64 anos é não", diz cartaz de manifestante em marcha realizada em Paris pelo Dia Internacional das Mulheres, 8 de março de 2023.
"Aposentadorias amputadas: 64 anos é não", diz cartaz de manifestante em marcha realizada em Paris pelo Dia Internacional das Mulheres, 8 de março de 2023. AFP - CHRISTOPHE ARCHAMBAULT
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Mulheres, as grandes perdedoras da reforma”: a frase virou um dos lemas dos protestos contra a reforma da Previdência na França. O projeto de lei, que prevê o aumento da idade mínima para a aposentadoria de 62 para 64 anos, é acusado de ser particularmente injusto com as francesas. Elas terão que trabalhar mais tempo que os homens para cobrir licenças-maternidade ou para compensar momentos de suas carreiras em que tiveram que optar por empregos em meio período para cuidar dos filhos.

Percebendo que a revolta das francesas aumentava, o governo juntou uma série de anúncios em benefício das mulheres. O principal deles foi revelado pelo próprio presidente Emmanuel Macron, na quarta-feira (8).

Durante uma homenagem à advogada franco-tunisiana Gisèle Halimi, ícone feminista e grande defensora da igualdade de gêneros, o chefe de Estado anunciou um projeto de lei para a inscrição do direito ao aborto na Constituição francesa. A iniciativa era reivindicada há meses devido à preocupação das feministas em relação à revogação, no ano passado, do decreto Roe vs Wade, que permitia que mulheres abortassem nos Estados Unidos. Para as francesas, a constitucionalização da prática pode ajudar a proteger a lei.

Ongs e associações feministas saudaram o anúncio do presidente. Em comunicado, a Fundação das Mulheres classificou a iniciativa como “um sinal forte para todas as mulheres do mundo”. Para a organização Osez le Féminisme (Ouse o Feminismo), essa conquista é “fruto de mobilizaçõoes feministas coletivas há meses, anos e gerações”. Já para a Federação Nacional dos Centros de Informação sobre os Direitos das Mulheres e Famílias, a constitucionalização do aborto é “um real avanço para os direitos das mulheres”.

No mesmo dia, 8 de março, a Assembleia de Deputados da França aprovou, em primeira leitura, um projeto de lei que trata do aborto espontâneo. De autoria da deputada Sandrine Josso, do partido MoDem, que faz parte da maioria governamental no Parlamento, o texto prevê uma assistência maior do sistema de Saúde pública do país às mulheres que enfrentarem esse problema.

O projeto ainda precisa ser aprovado pelo Senado antes de voltar à Assembleia, mas prevê, para as cidadãs que enfrentarem abortos espontâneos, atestados médicos sem desconto salarial e atendimento psicológico gratuito. Para Josso, as medidas são urgentes, já que, de acordo com a deputada, os abortos espontâneos, vividos por uma a cada dez mulheres na França, são experiências traumatizantes e “injustamente banalizadas”.

Violências e precariedade menstrual

Outros dois anúncios importantes foram feitos pela primeira-ministra Elisabeth Borne, nesta semana. O primeiro diz respeito à criação, nos tribunais da França, de grupos especializados em violências domésticas, para melhorar o tratamento de casos de agressões contra as mulheres.

A medida é considerada urgente. Em média, a cada três dias, na França, uma mulher é assassinada pelo marido, namorado ou companheiro. Desde o início deste ano já são quase 30 feminicídios.

Por isso, o governo também quer acelerar os procedimentos na polícia para mulheres que registram boletins de ocorrência assinalando que estão correndo risco de vida. A premiê francesa também anunciou que, nestes casos, uma “ordem de proteção imediata” poderá ser rapidamente emitida por um juiz, em um prazo de 24 horas.

Outro anúncio feito pela primeira-ministra diz respeito à precariedade menstrual. A partir do ano que vem a seguridade social da França vai reembolsar a compra de proteções menstruais reutilizáveis a jovens de até 25 anos.

Há alguns anos, o governo já havia apresentado um projeto de instalar distribuidores de absorventes em universidades para lutar contra a precariedade menstrual. Mas poucos locais foram equipados até hoje, embora uma a cada cinco francesas enfrente esse problema.

Anúncios não convenceram as francesas

Os anúncios não apaziguaram os ânimos das francesas que, no dia 8, saíram às ruas em 150 cidades do país. Neste ano, o foco dos protestos do Dia Internacional das Mulheres foi a reforma da Previdência.

Em média, os salários das mulheres são 15% inferiores aos dos homens na França. Embora elas tenham um nível de formação maior e trabalhem por mais tempo, suas aposentadorias são 40% mais baixas que as dos franceses.

Especialistas apontam que, se a reforma for aprovada, para obter a aposentadoria integral, as mulheres terão de trabalhar além dos 64 anos previstos no projeto de lei – 20% delas até os 67 anos. “Gravidez, faxina, trabalho: três vidas em uma em troca de uma aposentadoria miserável!”, gritaram as participantes da marcha do Dia Internacional das Mulheres em Paris.

O 8 de março também foi marcado por uma polêmica envolvendo a homenagem de Macron à advogada Gisèle Halimi. Um dos filhos dela, Serge Halimi, se recusou a participar do evento promovido pelo governo no Palácio de Justiça de Paris por ocasião do Dia Internacional das Mulheres. Para ele, a homenagem ocorre em plena mobilização contra a reforma da Previdência, “extremamente injusta às mulheres”, afirmou. Ele lembrou que, se sua mãe fosse viva, estaria manifestando contra o projeto.

Boicote também da parte da associação Choisir la cause des femmes (Escolher a causa das mulheres), criada por Gisèle Halimi em 1971. Para sua co-fundadora Violaine Lucas, a homenagem de Macron não passou de “uma instrumentalização política”.

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