Acessar o conteúdo principal
Um pulo em Paris

Para grupo feminista francês, licença menstrual pode agravar assédio às mulheres nas empresas

Publicado em:

Feministas francesas têm dúvidas sobre os benefícios reais da licença menstrual para mulheres que trabalham e sofrem com ciclos menstruais dolorosos, incapacitantes do ponto de vista médico, conforme o Parlamento da Espanha aprovou nesta quinta-feira (16). O direito conquistado pelas espanholas é inédito na Europa. 

Na ausência de uma lei específica, um número reduzido de empresas francesas reconhece o direito da licença menstrual para as trabalhadoras.
Na ausência de uma lei específica, um número reduzido de empresas francesas reconhece o direito da licença menstrual para as trabalhadoras. AFP - THOMAS SAMSON
Publicidade

Na França, até agora nenhum projeto de lei desse tipo foi apresentado ao Parlamento. Mesmo assim, um número pequeno de empresas, cerca de dez em todo o país, já oferece a licença menstrual para as assalariadas. As trabalhadoras podem se ausentar do trabalho por um ou dois dias por mês, apenas notificando a direção de recursos humanos, sem necessidade de apresentar um atestado médico e sem desconto no salário. As empresas  que adotaram o benefício assumem financeiramente os dias não trabalhados por esta razão. 

Uma pesquisa do instituto Ifop realizada em outubro do ano passado, a pedido de um fabricante de coletor menstrual, apontou que 66% das mulheres que trabalham na França eram favoráveis à criação da licença menstrual e 64% recorreriam a ela, caso a medida fosse instituída.

Os empresários que adotaram o benefício se declaram satisfeitos com os resultados. As mulheres, por sua vez, se sentem reconhecidas pelo empregador. A maioria das beneficiárias relata que deixou de trabalhar ocasionalmente, quando a dor realmente apertou, mas não todos os meses.  

Entrevistado pela imprensa local, o diretor de recursos humanos de uma dessas empresas citou o exemplo de um homem que faz tratamento contra o câncer de próstata – ele não é estigmatizado por ser homem. No caso de mulheres que sofrem com ciclos menstruais dolorosos, pode ser por um quadro de endometriose, portanto uma doença, e doença não tem gênero, afirmou o profissional. 

Essa opinião, no entanto, não é compartilhada pelo coletivo Ouse o Feminismo (Osez le Féminisme, em francês), que é contra a licença menstrual por considerá-la "uma falsa boa ideia".

Por que feministas francesas são contra uma licença desse tipo? 

Na avaliação desse coletivo feminista, se a França tivesse uma lei semelhante à adotada na Espanha, as mulheres seriam ainda mais discriminadas do que já são no acesso aos empregos. As ativistas também são contra a ideia de quebrar o sigilo médico no local de trabalho. 

Elas consideram a lei espanhola recém-aprovada muito boa no sentido de dar visibilidade ao fato de que há muitas mulheres que não podem trabalhar porque sofrem dores intensas. Mas, para o coletivo Ouse o Feminismo, a melhor solução ainda é buscar um melhor tratamento da dor e um diagnóstico mais rápido sobre a razão do problema. 

Na França, a endometriose – doença no útero que causa fortes cólicas durante o período menstrual – ainda demora sete anos em média para ser dignosticada. Um dos motivos é o não reconhecimento da dor pelos médicos. A cultura de que mulher ter cólica, mesmo muito forte, é algo normal.  

Para essa corrente de feministas, a luta pelo diagnóstico da endometriose, assim como o tratamento da dor que a doença causa, vem em primeiro lugar, antes de expor a mulher a mais assédio moral no trabalho.

As ativistas preferem intensificar ações educativas nas escolas para combater os estigmas associados à menstruação, obter das empresas que as mulheres possam fazer pausas durante a jornada de trabalho, como se faz para o aleitamento, em vez de instituir uma licença, que elas acreditam prejudicial às mulheres nas contratações.

Sexismo persistente no mercado de trabalho 

No final de janeiro, um relatório do Alto Conselho para a Igualdade, que é um organismo ligado ao gabinete da primeira-ministra, chamou a atenção para o sexismo persistente na França

O atual debate sobre a reforma da Previdência tem sido edificante nesse sentido. Ficou evidente para toda a sociedade francesa que o projeto de reforma do governo, propondo aumento da idade mínima de aposentadoria dos atuais 62 para 64 anos, será prejudicial para as mulheres. Dados objetivos mostram que o trabalho causa mais sofrimento às mulheres do que aos homens atualmente. 

Um levantamento da Agência Nacional para Melhoria das Condições de Trabalho mostrou que em quase 20 anos, entre 2001 e 2019, as doenças profissionais nas mulheres aumentaram 158%, contra +73% para os homens. No mesmo período, enquanto os acidentes do trabalho recuaram 30% para os homens, estes aumentaram 30% para as mulheres. 

A razão, de acordo com o governo, é que as empresas não oferecem condições de trabalho suficientemente adaptadas às mulheres. 

A reforma das aposentadorias em discussão vai fazer com que as mulheres trabalhem mais tempo do que os homens, devido aos períodos de licença maternidade, mas também por ganharem salários mais baixos, que repercutem nas pensões, enfim, por todo um contexto conhecido de desigualdades. Mesmo assim, partiu do Executivo a proposta de uma reforma que muita gente está considerando machista.

NewsletterReceba a newsletter diária RFI: noticiários, reportagens, entrevistas, análises, perfis, emissões, programas.

Acompanhe todas as notícias internacionais baixando o aplicativo da RFI

Veja outros episódios
Página não encontrada

O conteúdo ao qual você tenta acessar não existe ou não está mais disponível.