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Um pulo em Paris

Governo francês tem pouca margem de manobra para segurar escalada da inflação

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A inflação acelerou em junho na França e chegou a 6,5% nos últimos 12 meses, de acordo com um índice utilizado para comparar os países europeus (IPCH). A alta de preços é puxada pelos alimentos e a energia, como acontece no Brasil. A diferença é que os franceses não viviam um aumento semelhante há 37 anos, desde 1985, e o governo tem pouca margem de manobra para compensar a perda de poder aquisitivo por causa da deterioração das contas públicas. 

Os preços de frutas e legumes aumentam semanalmente com a escalada da inflação na França.
Os preços de frutas e legumes aumentam semanalmente com a escalada da inflação na França. © ERIC GAILLARD/REUTERS
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A França é um rico país endividado, à altura de quase 111,9% do PIB, segundo a projeção da dívida pública para 2022. Com a recente alta dos juros, pagar o serviço da dívida custa cada vez mais caro para o Estado.

Esta semana, os presidentes de duas grandes instituições francesas, o Tribunal de Contas e o Banco da França, alertaram o governo de que não dava mais para deixar aberta a torneira dos gastos públicos, como aconteceu durante a pandemia de Covid-19. As duas entidades, zelosas em relação ao futuro dos franceses e da próxima geração, disseram que controlar os gastos é uma necessidade, inclusive para não colocar em risco a soberania do país. 

Na quinta-feira (7), a primeira-ministra Élisabeth Borne apresentou um pacote de € 20 bilhões, que ainda precisa ser votado no Parlamento, destinado a proteger a população mais pobre da escalada da inflação. O plano contempla um reajuste de 4% nas pensões de aposentadoria, aumento de 3,5% para o funcionalismo e uma revalorização de 4% em uma série de benefícios sociais. Nove milhões de famílias de renda modesta vão receber um cheque de € 100, uma única vez em setembro, para compensar a alta de preços dos alimentos, e € 50 por criança da casa. 

As tarifas de gás vão continuar congeladas até dezembro e as de eletricidade só poderão aumentar 4% no ano. O desconto de 18 centavos no litro da gasolina, que hoje é concedido a todos os motoristas diretamente na bomba, deve ser substituído no final de agosto por outro mecanismo que vai ajudar quem depende do carro para trabalhar e percorre longas distâncias. A novidade desse pacote é que o governo propõe um teto de 3,5% no reajuste dos aluguéis.

Classe média sente o sufoco na conta do supermercado

Toda ajuda é bem-vinda, mas os franceses esperam bem mais do governo e reivindicam um aumento real dos salários. A maioria das pessoas é favorável a proteger os mais pobres, mas a classe média não está dando conta de viver com o que recebe de salário e começou a gastar o que tem na poupança para pagar as contas do mês. 

Em relação aos salários, a política do presidente Emmanuel Macron tem sido baixar as contribuições sociais, cortar alguns impostos e incentivar as empresas a pagar bônus, gratificações ou participação nos lucros, a chamada "prime Macron". Essas remunerações pontuais ficam isentas de impostos. 

Essa política frustra uma parcela da população, porque muitas empresas alegam não ter meios para pagar essas bonificações, enquanto pagam milhares de euros em dividendos a acionistas que muitas vezes vivem de renda. As gratificações também variam em relação à categoria profissional, o tamanho da empresa e se o assalariado é homem ou mulher. É um sistema que mantém os salários achatados, enquanto existe uma demanda por valorização do trabalho.

Os preços nos supermercados sobem sem parar e na hora de passar no caixa a sensação é de que os produtos aumentaram mais do que a inflação. Seis grandes grupos dividem 85% do mercado varejista na França e impõem uma dura política de preços aos produtores. 

A maioria das redes de supermercados, e também os feirantes, passaram a apresentar uma compra básica por um preço fechado. Na feira, são legumes e frutas. Nos supermercados, logo na entrada, deixam um carrinho de demonstração, com produtos básicos para uma família de quatro pessoas e orçamentos diferentes – uma compra de R$ 680 reais (€ 126,40) ou, mais em conta, de R$ 554 (€ 102,10). 

Com a volatilidade dos preços de cereais, óleos vegetais, café, frango e carne no mercado internacional, o consumidor fica perdido. Ora encontra a prateleira do supermercado vazia, ora com preços absurdos, como um litro de óleo de cozinha a R$ 30 (€ 5,60). 

Crise da mostarda vai durar 

Há algumas semanas, a mostarda desapareceu das prateleiras. Algumas marcas da famosa mostarda de Dijon, que não é feita exclusivamente com grãos produzidos na cidade de Dijon, mas importados do Canadá, da Ucrânia e da Rússia, continuam faltando em algumas redes de supermercados. A origem da escassez foi a seca no Canadá, no ano passado, que reduziu bastante a colheita, agravada em seguida pela invasão russa na Ucrânia, outros dois importantes produtores mundiais da semente.

Os produtores da região francesa de Bourgogne já definiram o preço da tonelada para a colheita de 2023 em € 2.000, contra € 1.350 neste ano, um aumento de quase 49%. Para os industriais não enfrentarem novamente problemas de abastecimento, eles querem dobrar a área de plantio. 

A produção local de mostarda também diminuiu nos últimos anos por causa da proibição do uso de alguns agrotóxicos, em 2018. Os produtores precisaram de um tempo para desenvolver variedades resistentes aos insetos. Agora conseguiram e estão otimistas com a possibilidade de aumentar a área de plantio e abastecer a indústria francesa. Uma coisa é certa: a mostarda de Dijon 100% nacional vai custar mais caro daqui para a frente.

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