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Saúde em dia

Infectologista explica por que alguns antibióticos estão cada vez menos eficazes

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A resistência aos antibióticos leva à morte de mais de um milhão de pessoas por ano no mundo, segundo um estudo publicado em 2022 na revista científica The Lancet. Em entrevista à RFI, o infectologista francês Jean-Paul Stahl, do Hospital Universitário de Grenoble, explicou por que alguns desses medicamentos deixaram ao longo do tempo de agir contra as infecções.

A França é um dos maiores consumidores de antibióticos da União Europeia.
A França é um dos maiores consumidores de antibióticos da União Europeia. Flickr/sparktography
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Taíssa Stivanin, da RFI

O surgimento dos antibióticos, que combate as infecções bacterianas, é considerado como um dos maiores progressos da Medicina. A penicilina, descoberta pelo médico inglês Alexander Flemming em 1928 e usada pela primeira vez nos anos 1940, revolucionou a prática na área. Mas, o advento dessas moléculas também revelou o mecanismo de resistência de alguns micróbios que sempre existiu.

“Esse mecanismo existe há muito mais tempo do que os antibióticos. Para prová-lo, os cientistas encontraram bactérias fossilizadas e conseguiram cultivá-las em laboratório. Os antibióticos apenas revelaram esse mecanismo, mas não provocaram seu aparecimento”, explica o infectologista francês.

Divididos em dois grupos, os antibióticos podem ser bactericidas, ou seja, matam o micróbio, ou bacteriostático, evitando sua reprodução. Ambos têm ações e mecanismos diferentes e também não resistem da mesma maneira às moléculas.

Os antibióticos podem ser semissintéticos ou naturais e classificados em β-lactâmicos, tetraciclinas, peptídicos cíclicos, aminoglicosídeos, estreptograminas e macrolídeos. Os de origem sintética são divididos em sulfonamidas, fluoroquinolonas e oxazolidinonas.

De acordo com o infectologista francês, quanto mais usamos antibióticos, “mais o mecanismo de resistência é revelado”. Esse, diz, é o “efeito colateral” do progresso gerado pelo aparecimento das moléculas.

“Para explicar de maneira bem geral e simplificada, o antibiótico é destruído por uma secreção da bactéria", diz o infectologista francês. "Esta é a primeira possibilidade. A segunda é que as membranas de algumas bactéria impedem a penetração de certos antibióticos", explica.

"A terceira possibilidade é a seguinte: para agir, o antibiótico precisa de um ‘alvo’ na célula, que algumas bactérias são capazes de modificar, impedindo a ação da molécula. Ou seja, quanto mais você usa, menor o efeito e o remédio acaba não servindo para nada”, conclui.

Algumas bactérias sobrevivem ou continuam se reproduzindo após o uso de um antibiótico porque sofreram mutações ou adquiriram um gene específico que neutraliza a molécula. Esse gene pode ser transmitido para outros micro-organismos similares, mas também para outras espécies. 

Dose baixa demais

Um dos erros mais comuns é o uso de uma dose menor do que a necessária para combater uma infecção, exemplifica Jean-Paul Stahl. “Quando receitamos um antibiótico, contrariamente ao que pensamos, é preciso receitar a maior dose possível. Só assim podemos ter certeza de que vamos matar o maior número possível de bactérias e não gerar resistência”, alerta.

Receitar antibióticos para tratar infecções virais é outro erro frequente cometido pelos médicos. Esse tipo de molécula, diz, age sobre todas as bactérias que temos dentro do corpo e acaba perturba o equilíbrio do organismo e do meio ambiente.

“Temos bilhões e bilhões de bactérias dentro do nosso corpo. Aliás, temos mais bactérias do que células. Quando utilizamos antibióticos por uma razão qualquer, eles terão um impacto na flora do indivíduo", explica o infectologista francês.

"Isso não provocará uma infecção, mas o antibiótico vai se disseminar no organismo e aumentará a população de bactérias resistentes no meio-ambiente, fazendo com que outras pessoas possam se infectar com essas mesmas bactérias resistentes”, diz.

Campanha publicitária

A França tem lutado contra o uso indiscriminado de antibióticos e a resistência vem diminuindo nos últimos vinte anos. Isso ocorreu em parte graças ao sucesso da campanha publicitária da Seguridade Social, lançada em 2002, Les antibiotiques, ce pas automatique (o uso de antibióticos não é automático).

O slogan, que visava justamente alertar a população sobre o risco de utilizar esse tipo de medicamento sem necessidade surtiu efeito e acabou se popularizando.

A epidemia de Covid-19, em 2020, também contribuiu para a queda do consumo de antibióticos, já que os lockdowns limitaram a transmissão de doenças infecciosas. Mas, desde 2022, o governo constata um novo aumento do consumo.

Na França, centros de prevenção de infecção e de resistência aos antibióticos monitoram a situação. Nos consultórios ou hospitais, os médicos coletam amostras que são enviadas em seguida para os laboratórios, onde as bactérias são isoladas. Se o teste à sensibilidade a certas moléculas for anormal, a bactéria será enviada aos centros de referência.

Receitas inúteis

Estudos também mostram que metade das receitas médicas de antibióticos são inúteis ou simplesmente inadequadas. Para evitar essa situação, Jean-Paul Stahl lembra que é fundamental o médico realizar um exame clínico preciso. Em 80% dos casos, diz, é possível saber se o paciente tem uma infecção viral ou bacteriana. Também existem, atualmente, testes rápidos que ajudam no diagnóstico.

O infectologista também afirma que a suprainfecção é uma “lenda”, ocorre raramente e não justifica o uso profilático de um antibiótico, ou seja, por precaução. Ele ainda lembra que há uma diminuição da resistência de algumas bactérias, como os pneumococos, graças à vacinação, que ajuda no controle do fenômeno de resistência.

De acordo com o infectologista francês, os países e regiões onde são registrados os maiores índices de resistência são a Itália, a Grécia, o norte da África, a índia e toda a Ásia.

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