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Saúde em dia

Vírus do mosquito da dengue que não passam para o homem podem favorecer transmissão da doença

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Uma equipe de cientistas franceses e brasileiros identificou dois vírus presentes no mosquito Aedes aegypti que aumentam o potencial de transmissão da dengue. Os micro-organismos estão naturalmente presentes nos insetos e não são transmitidos para os humanos, explica o virologista e imunologista brasileiro João Marques, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no Brasil e na Universidade de Estrasburgo, no leste da França.

Larva domosquito da dengue usada pela equipe do pesquisador brasileiro em seu laboratório
Larva domosquito da dengue usada pela equipe do pesquisador brasileiro em seu laboratório © Divulgação
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Taíssa Stivanin, da RFI

O pesquisador coordenou um grupo de cientistas franceses e brasileiros que participaram do estudo, publicado recentemente na revista científica Nature Microbiology.

O objetivo, acrescenta, “foi tentar entender, em termos de circulação viral global, o que determina que o mosquito seja um bom transmissor, e como nós poderíamos interferir nisso”. O projeto foi desenvolvido na Universidade Federal de Minas Gerais durante dez anos, em parceria com cientistas do Inserm (Instituto Médico da França) e outras instituições.

Durante a pesquisa, eles descreveram o viroma de 800 mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus, os dois principais vetores que transmitem a dengue.  Os mosquitos da pesquisa foram coletados em seis países e quatro continentes.

O virologista e imunologista brasileiro João Marques
O virologista e imunologista brasileiro João Marques © Captura de tela

A equipe identificou 12 vírus nos viromas dos insetos, sendo que dois deles, batizados de PCLV (Phasi Charoen-like virus) et HTV (Humaita Tubiacanga virus), facilitam a contaminação. O viroma é o conjunto de vírus que circulam em uma população ou espécie.

Estes vírus estavam presentes somente no Aedes aegypti, mas não no mosquito Tigre, o que poderia explicar em parte por que o Aedes albopictus é, em geral, um vetor menos eficiente.

Período de incubação menor

Para entender a maneira como esses dois vírus poderiam influenciar as contaminações, a equipe analisou cerca de 500 mosquitos coletados na cidade de Caratinga, em Minas Gerais, que tem uma alta prevalência.

Segundo ele, a presença do HTV e do PCLV aumentava em três vezes a chance de o mosquito carregar o vírus causador da dengue. 

O virologista e imunologista brasileiro João Marques
O virologista e imunologista brasileiro João Marques © Captura de tela

“Para entender se existia uma interação direta, trouxemos os mosquitos que carregam os vírus ao laboratório e separamos aqueles que tinham o HTV e o PCLV. A ideia era entender como os vírus de inseto poderiam afetar a fisiologia do mosquito durante a infecção pelo vírus da dengue”, explica João Marques. 

Uma das principais conclusões da equipe é que quando os dois vírus estavam presentes, o período de incubação era mais curto. “Na presença do HTV e PCLV, o que percebemos é que o tempo de incubação passava a ser de cerca de oito dias, em vez de 10 ou 12. Isso significa que o animal pode transmitir a dengue mais cedo e por mais tempo, durante sua expectativa de vida, que é de 15 a 20 dias", diz.

“Quando colocamos isso em um modelo matemático, que calcula a probabilidade de casos humanos, essa diferença levaria a um aumento de 10 a 50 vezes do número de casos humanos na região.”

Prevenir novas epidemias

Estudos a longo prazo, como o realizado pela equipe do pesquisador brasileiro, são essenciais para prevenir novas epidemias e o surgimento de novos vírus transmissíveis para o homem. Com o aquecimento global, diz o virologista brasileiro, essa ameaça é real, já que os mosquitos só sobrevivem a temperaturas superiores a 20°C. 

A dengue continua sendo uma das doenças mais transmitidas do mundo e provoca cerca de 400 milhões de infecções por ano em todo o planeta.

O virologista e imunologista brasileiro João Marques
O virologista e imunologista brasileiro João Marques © Captura de tela

No Brasil, só entre janeiro e fevereiro deste ano, foram registrados 160 mil casos prováveis – cerca de 209,9 mil até março, segundo o Ministério da Saúde. No ano passado, o país teve cerca de dois milhões de casos confirmados da doença.

A descoberta pode ser útil de várias maneiras, explica o virologista. No Brasil, por exemplo, o índice de infestação é usado como parâmetro de risco de surto, mas a margem de erro é grande e os recursos públicos podem acabar sendo alocados para áreas nas quais o número de casos não é relevante.

Fator preditivo

A detecção do vírus na população de mosquitos poderia, desta forma, ser um parâmetro indicador da possibilidade de surtos da dengue em uma região. “A amostragem já é feita pelos serviços de saúde para calcular a infestação. Bastaria partir dessa amostragem para calcular a densidade desses dois vírus”, explica o cientista.

Já a médio e longo prazo, o objetivo seria bloquear a transmissão e eliminar o vírus na população de mosquitos, com um tratamento específico em laboratório. A longo prazo, a ideia é entender em detalhes como os vírus afetam a biologia do inseto. Esse trabalho já foi iniciado pela equipe.

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